A Ordem de Cristo não tem graus, templo, rito, insígnia ou passe. Não precisa reunir, e os seus cavaleiros, para assim lhes chamar, conhecem-se sem saber uns dos outros, falam-se sem o que propriamente se chama linguagem. Quando se é escudeiro dela não se está ainda nela; quando se é mestre dela já se lhe não pertence. Nestas palavras obscuras se conta quanto basta para quem, que o queira ou saiba, entenda o que é a Ordem de Cristo – a mais sublime de todas no mundo.
Não se entra para a Ordem de Cristo por nenhuma iniciação,
ou, pelo menos, por nenhuma iniciação que possa ser descrita em palavras. Não
se entra para ela por querer ou por ser chamado; nisto ela se conforma com a
fórmula dos mestres: “Quando o discípulo está pronto, o mestre está pronto
também”. E é na palavra “pronto” que está o sentido vário, conforme as ordens e
as regras.
Fiel à sua obediência – se assim se pode chamar onde não há
obedecer – à Fraternidade de quem é filha e mãe, há nela a perfeita regra de
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Os seus cavaleiros – chamemos-lhes sempre
assim – não dependem de ninguém, não obedecem a ninguém, não precisam de
ninguém, nem da Fraternidade de que dependem, a quem obedecem e de que
precisam. Os seus cavaleiros são entre si perfeitamente iguais naquilo que os
torna cavaleiros; acabou entre eles toda a diferença, que há em todas as coisas
do mundo. Os seus cavaleiros são ligados uns aos outros pelo simples laço de
serem tais, e assim são irmãos, não sócios nem associados. São irmãos, digamos
assim, porque nasceram tais. Na ordem de Cristo não há juramento nem obrigação.
Ela, sendo assim tão semelhante à Fraternidade em que
respira, porque, segundo a Regra, “o que está em baixo é como o que está em
cima”, não é contudo aquela Fraternidade: é ainda uma ordem, embora uma Ordem
Fraterna, ao passo que a Fraternidade não é uma Ordem.
(Fernando Pessoa, Hermetismo e Iniciação, Zéfiro, 2015, p.146 - organização, prefácio e notas de Manuel J. Gandra)
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