EM ÓRBITA
Desejou ter
barba de raspar fósforos, e guardar no bolso universal uma pedra de isqueiro
para desconsertar improvisado céu em noite escura, quando fugisse novamente de
casa para viver nas dunas à beira mar.
Nessa
altura, em que tudo se podia e quase nada era ainda permitido pelos pais, - nem
mesmo fugir de casa, - sonhou desentortar um dos olhos com o garfo e cuspi-lo
até à lua!
Com um pouco
de sorte, deixaria a sua marca em solo lunar.
Mas...tinha
uma dúvida, só uma dúvida:
não saberia
como piscar o olho mais tarde, ciente de que perderia o globo e a dúvida
surgiria.
Tinha só
esse problema com o olho, o seu olho, uma dúvida, sem o resto do corpo em redor
para o chatear...imaginem se fossem duas, problemas a dobrar!
Lá bem ao
alto, a singular dúvida persistiria, na direção do berlinde terrestre que
reflectia vivo azul e deflectia algo que talvez nem sequer pudesse um dia
voltar a vislumbrar; por seu deleite, e por todos os oceanos que o seu olho
jamais derramaria, seguro no garfo ou longe de si, admitiu o fracasso da ideia.
Procurou
renovar sofrimentos, queria agora polir o fosco iluminado pelo farol.
Se esquerdo
ou direito, não sabia precisar...e ao centro, sobejava o nariz.
Das três,
uma certa, libertou-se da armação devido à condicionada ilusão.
Tanto sonhou
e sonhou para não deixar de quebrar óculos...e assim, possíveis fragmentos de
janelas e mais janelas perdidas no espaço!
Ainda como
consequência, o lume jamais se apagou das páginas bruxuleantes dos muitos
livros lidos fora de horas. - Palavra de narrador. - Estava mais do que certo,
destinado para toda a vida a sonhar acordado. - E talvez depois da morte fosse
uma espécie de sonho ao contrário, quem sabe, livre de pesadelos. Não
sei...sonhos e pesadelos sempre andaram de mão dada, pelo menos, na vida real
de quem sonha acordado. -
De nada lhe
valeria fugir de casa...ainda que encontrasse seguramente conforto nas dunas de
verão à beira-mar.
Naquele
tempo, dificilmente existiria céu igual.
Despertou.
Pensou então
em aprimorar nova técnica de olho posto na ambição. Quem sabe o que dali
resultaria, se resolvesse explorar uma outra órbita à procura de familiar globo
ocular, desta feita, de faca e garfo. - Nada como a boa educação, nunca sabemos
quem pode estar à espreita numa qualquer janela indiscreta. -
Deu por si
abraçado a um enorme sobreiro despido, inequivocamente envergonhado.
Seria por
causa do coração da menina gravado à navalhada pelo futuro marinheiro!?
Faltava-lhe
o garfo, afinal.
Não sabia
ainda, se o coração dela palpitaria sequer por tão notável entrega e
delicadeza.
Desconhecidas
as contas, não passava de um sonhador preso no espaço, ansioso por regressar à
Terra, tremendamente nervoso por avaliar todas as possibilidades de regresso.
-
Tinha visto
uma vez em vários documentários, como as impressionantes expedições às
florestas virginais, podiam bem começar nos despenteados vasos das varandas,
algures pela vizinhança.
Avencas e
fetos até o ajudavam a pensar, mas ali, na zona nascente da serra, só tinha um
enorme sobreiro corado, e uma navalha de algibeira para cortar os cotos no
lugar das côdeas...-
sem um
pé-terra sequer para afogar ansiedade em sumo; e quando assim é, o melhor é
aguardar que chova. -
Procurou
então novos sinais, de pés bem assentes na terra...para dar com marca pintada
cor da neve. Quedou-se incrédulo: próximo encontro marcado com a desgraçada que
lhe dera a volta ao miolo, só dali a nove anos!
Como pôde
ser tão cruel...não podia ser...
Tinha quase
a certeza de estar bem perto das nove da noite, por issso, resolveu esperar
mais um pouco.
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