quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Do Diário de Vida de Raul Iturra

 

Os velhos somos também pessoas que amamos.

A afetividade no lar. 


Lembras-te, Querido Diário, que temos falado de perda de identidade no lar. Parece-me que a pior das perdas é a falta de amar e sermos amados. Somos criados na vida social como construtores da identidade amorosa, como criadores de afetividade. Começamos por amar os nossos pais, continuamos pela empatia com os nossos irmãos, parentes e amigos. Amamos e gostamos de ser amados pela pessoa que nos pode acompanhar durante a nossa vida; se temos filhos tomamos conta deles e se é uma relação não reprodutiva ou adoptamos ou amamos os dos amigos. Não é preciso consultar Freud ou seu discípulo Donald Winnicott para entender que querer e desejar são actividades muito próximas: quando queremos alguém, normalmente queremos tocar essa pessoa, não apenas dar a mão ou um golpe no ombro ou um braço pelo pescoço, também queremos abraçar estreitamente e beijar. O costume ocidental é homem beijar mulheres e vice-versa, crianças beijar adultos, adultos acarinhar pequenos.


Estes factos não existem nos lares onde tenho vivido  exceto raras ocasiões de intimidade entre homem e mulher. Não há solução para a falta de abraço estreito, menos ainda o de beijar exceto, como eu aprendi a fazer com adultos com doenças senis ou degenerativas que precisam de contacto físico afectivo: dar a mão, trocar palavras, acariciar. É uma forte dor não ter ninguém para abraçar. Donald Winnicott descobriu o que tenho analisado num outro livro meu e diz que a partir do quarto mês de gestação a criança em formação desenvolve afetividade erótica e normalmente quando um pénis erecto entra numa vagina com um bebé em formação, este feto mexe e tenta expelir o intruso que penetra a essa futura mãe.

 

O amor e o desejo existem no lar, especialmente  entre adultos com camaradagem prolongada. Tive no meu quarto um colega que passado um ano de conversas sobre a sua família filhos e mulher sobre qual ele sempre falava, perguntou-me um dia: “Ó Doutor acha que faz mal que eu bata uma punheta”, “ó meu amigo só não faz mal como é o hábito de pessoas sós e desde criança, bata que é bom para si”. Prudentemente eu me retirava do quarto quando ele parecia excitado e respeitei a única intimidade possível para um velho num lar. Única possibilidade erótica para idosos, cabelos brancos, rugas, com falta de excitação exceto se é estimulado. As pessoas mais novas procuram seres da sua geração que permitam um desejo mais agradável. Nós os velhos também queremos ter interacção sexual mas dificilmente se torna possível com pessoas mais novas que não se sentem atraídos por nós. No lar a vigilância é tão estreita que ainda que haja atração esta não se pode materializar.


Eu tive a tentativa de sedução dentro do lar por uma amiga de longa data que me contava os sonhos eróticos que ela tinha comigo. “Ó Sr. Doutor, ontem à noite sonhei que o senhor me penetrava e eu sentia-me feliz, tive que brincar com a minha “patareca” para me satisfazer. Eu replicava “fico feliz de saber que a satisfiz, ainda que na sua fantasia”, “Sr Doutor não queria meter-se na cama comigo?”, “Ó minha senhora era uma grande honra mas cá está proibido” “quem, quem proibiu…, fazer amor não é pecado”, “minha senhora é pecado para os que mandam no lar e não permitam que nós dois possamos brincar”. Contudo não havia dia que eu não fosse de manhã  visitar a senhora desde a porta do seu quarto, não havia noite que eu antes de deitar não fosse ao quarto dela para lhe levar bolachas que ela esperava com prazer e fruição. Não era só a bolacha que ela esperava, era também a carícia na sua mão e a minha voz que lhe pedia que tivesse doces sonhos e que não falasse com as suas colegas de quarto para ela dormir e elas descansarem bem. Ao longo de 9 anos habituamo-nos à simpatia de falarmos, comer na mesma mesa, mudar o canal de televisão para que possa ver o que ela queria até que esta minha amiga foi removida da minha mesa e lhe deram o seu lugar sentada noutra sala. A nossa amizade foi interrompida pela autoridade do lar, não apenas não podíamos materializar nenhum desejo bem como a nossa troca de ideias e conversas foi acabada. Não é apenas o desejo proíbido bem como o cultivo da amizade pura e casta que  também foi acabada. Só foi possível retomar nossa conversa quando ela começou a perder a sua memória e o contacto com a vida real e voltaram a dar-lhe o seu lugar no sofá junto ao meu no corredor da entrada, não pela nossa amizade mas bem por conveniência do lar. Foi assim que, sentada ao pé de mim, eu ouvia as suas histórias, tomava conta dela, chamando um funcionário quando os chichis e os cocós saiam da fralda para o chão e pedia a mudança de fraldas quando já estava toda a roupa empapada. Foi uma amizade aceite porque passei a ser útil nesta casa de repouso para uma utente que já não era capaz de controlar os seus esfíncteres. A  utilidade é o que manda nas relações do lar.


Não apenas eu tive este contacto simpático na nossa vida em comum, também havia um outro colega de quarto praticamente cego que namorava uma senhora utente da sua geração e que tinham de fechar a porta do quarto para eles se acariciarem despidos e eu tinha que avisá-los atempadamente quando iam aparecer funcionários que proibiam o amor entre velhos. Nunca me esqueço dessa primeira vez que entrei no nosso quarto e ele estava sem calças nem fraldas e ela despida sem camisola e sem soutien. Esta primeira vez ela gritou e como ainda era mulher ágil, saltou da cama e correu de volta ao seu quarto aos gritos “meu Deus, meu Deus, que horror, desculpa…” foi a partir desse dia que eu falei com o meu colega e pedi-lhe para ter mais cuidado na sua sedução. Ele ria e disse-me que ele era o “garanhão do lar”, que estava aí para amar e fornicar com essa e outra velha que gostava dele e o perseguia usando as suas mão para o esfregar entre as pernas e ele feliz, satisfeito com a sua vida erótica do “velho mais ativo sexualmente” do lar.


Havia formas simpáticas de usar a líbido proibida, especialmente dar-se as mãos, trocar beijos, ouvir declarações de amor. Não esqueço esse senhor que estava sempre a solicitar os amores de uma idosa que ele queria, mas era-lhe proibido declarar-se abertamente. A afetividade e o desejo apareciam de outras formas como o de essa senhora que dançava comigo quando havia festas e saídas para o jardim da casa mas que acabaram quando ficou confinada numa cadeira de rodas por se ter acidentado e partido o osso da perna no seu eterno andar pelos corredores do lar. A partir daí a afetividade passou a manifestar-se nas sessão de jogo do bingo,  a beijar-me e dar-me a mão quando eu ia a falar com ela na sua cadeira e dizia-me “Ó Sr. Presidente Américo Tomás dê trabalho ao meu filho que não consegue juntar dinheiro para mim”, “Senhor tenente ande cá dê-me a mão e acaricia-me as bochechas e beija-me”. O que eu fazia para a sua alegria e satisfação. Ou aquele senhor habituado a estar com a mãe e a irmã em casa deles mas que no lar não tinha a quem acarinhar e chamava-me aos gritos, agarrava as minhas mãos mas beijava e punha as suas bochechas a jeito para eu as beijar e, às vezes, beijava-me nos lábios, ele feliz e eu complacentemente  entendi a sua necessidade de afecto. Tanto assim que sem me chamar eu ia de modo próprio à sua cadeira de rodas acariciava as suas mãos e beijava-o com simpatia. Às vezes ia ao seu quarto onde era levado por causa dos seus gritos, o acariciava, o acalmava e ele parava de gritar.


A afetividade no lar é muito controlada. A maior parte dos idosos raramente recebem visitas porque os seus parentes estão a trabalhar. Quando os parentes vão visitá-los, falam com eles, levam-lhes lanches ou bolachas ou frutas e o idoso ou idosa visitado passam a ter a sua afetividade satisfeita por um tempo. Quando os parentes vão embora procuram uma pessoa amiga entre os colegas utentes para, pelo menos, conversar. A afetividade como eu dizia está reduzida ao mínimo ou a carícias que alguns funcionários, especialmente os estrangeiros, dispensem aos utentes. Nunca esqueço este primeiro ano de atividade de um funcionário que mal entrava de turno comprimentava com beijo nas bochechas todos os idosos sentados na sala de convívio. Ou as funcionárias não portuguesas que atribuíam aos idosos  diminutivos ou alcunhas, criadas por elas.  Mas também há as senhoras funcionárias que abraçam e beijam os utentes com senilidade menos avançada, com abraços estreitos, apertados e excitantes. Todos eles ficavam felizes de serem assim amados por pessoas que exercem autoridade sobre o comportamento dentro do lar.


O que mais me admira é a suavidade e a paciência com que funcionários muito crentes na divindade sorriem, acariciam, abraçam, contam histórias a pessoas que de outra maneira não teriam ninguém em quem se apoiar para amar e serem amados. A afetividade é procurada por quem viveu uma vida inteira a procriar, educar e produzir. A afetividade é um bem precioso que quando estamos mais combalidos e solitários e sem ninguém para tocar, procuramos a simpatia de quem, mas nem sempre, nos pode amar. Uma das formas que alguns dos utentes têm de exprimir a sua emotividade é gritar, vilipendiar, chamar nomes, inventar histórias que vários dos outros utentes rejeitam ofendidos. Já tinha referido no capítulo anterior a senhora de 94 anos que grita “puta, bêbada, caralho” que acorda nos outros, especialmente nas suas colegas de mesa uma raiva que se manifesta em gritos de zangas, às vezes em muros com que as ofendidas tentam defender o seu bom nome que tanto estimam.


Não consigo esquecer um funcionário, que deixou de trabalhar no lar, que vivia com o seu companheiro, sargento do exército, na casa maternal e que por hábito dava nomes simpáticos a toda a população idosa do lar. Eu fui batizado por ele de “doutor charmoso”, especialmente quando eu vestia calças brancas e camisola vermelha, ele vinha me abraçar estreitamente e me beijava; fiquei triste quando ele se foi embora para um sítio melhor. Ele normalmente contava-me as suas histórias de amor e de como mudava rapidamente de namorado porque nenhum deles prestava para ele; eu aconselhava-lhe e trocava ideias sobre o namoro, tal como eu falava com outros funcionários de suas famílias o que eles agradeciam; é mais uma forma de expressão da solidão afectiva que todos temos de uma casa tão fora da realidade social. A afetividade é tão deturpada que eu costumava sonhar que fazia amor com uma funcionária muito bonita mas de um temperamento espantosamente desagradável, distante e aos gritos comigo. Não permitia que eu saísse do meu quarto antes das cinco da manhã, a minha hora habitual que tive que adotar no lar. Não me dava o chá com açúcar medicamente prescrito para o meu acordar. Ela evitava comprimentar-me no dia dia e no entanto eu falava-lhe de forma simpática e nos meus sonhos a desejava. Normalmente ela não sabia do meu sonho como dos que eu contava a uma outra funcionária com a qual éramos amigos e riamos, estrepitosamente. Era assim como manifestava o meu carinho aos funcionários estrangeiros que também me iam contando as suas vidas e as suas solidões por estarem longe dos seus países. Eram tão exilados como eu, eu político eles de economia política. As nossas conversas pessoais ficam comigo por serem complexas e delicadas.

 

Os velhos somos pessoas. Os velhos amamos. Os velhos desejamos. Os velhos queremos fazer amor. Existe a pacata ideia de que passado setenta anos, nós, idosos, temos dado cabo do nosso erotismo. Com o que eu tenho referido, posso provar como é uma falácia; que é impossível satisfazer o desejo como o imaginamos, lá isso é verdade. Sim, como disse antes os velhos amamos e desejamos, mas o nosso desejo é abafado pelas leis da ética das religiões que impede uma relação entre duas pessoas que não estão casadas de forma heterosexual. É abafada pela crença nessa ética pela autoridade do lar e pela moral dos funcionários que nunca sei se é respeitada também na sua vida quotidiana. Os funcionários nos vêm com o olhar desta ética que exige que nós tenhamos um comportamento  de respeito dos costumes que não acredita na sinceridade do amor entre velhos para exprimirem a sua afetividade. 



Professor Doutor Raul Iturra, Catedrático Emérito do ISCTE-IUL

Texto Editado por Claire Smith, Antropóloga

Barra Mansa, Setembro de 2024 


domingo, 8 de setembro de 2024

Filosofias do Oriente




 Breves notas sobre Filosofia Vedanta, Hinduísmo, Budismo e Taoísmo

Quando do curso de doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a parte curricular implicava a escolha de alguns seminários. Um dos escolhidos, Filosofia das Religiões, comparava espiritualidades ocidentais e orientais. Aqui ficam algumas sínteses dos estudos que se desenvolveram.

1. Vedas

Entre as escrituras sagradas hindus, contam-se os "hinos védicos", pensamentos sagrados da civilização védica que antecedem o hinduísmo. A recitação dos hinos sagrados dos vedas sempre foi mantida até hoje, desde há milhares de anos. 

A civilização védica desenvolveu-se até ao século VI (a.C.), período em que a sua cosmogonia começou a transformar-se nas formas clássicas do hinduísmo. 

Segundo o conhecimento védico, a alma individual, idêntica ao Absoluto, nunca nasce e nunca morre. Nunca nascida e eterna, fora do tempo, ela não morre quando morre o corpo.

2. Hinduísmo 

O Mahãbãrata é um dos livros que faz parte das escrituras sagradas hindus. Um dos seus capítulos é o célebre Bhagavad-Gita, ou a “A Canção de Deus”. 

O grande protagonista do capítulo que fala na primeira pessoa, Krishna, o avatar de Vishnu, ou seja, a própria divindade, dialoga com Arjuna, seu discípulo guerreiro, em pleno campo de batalha. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre o seu dever e recebe iluminação diretamente do seu divino mestre que o instrói na arte da autorrealização.

A essência de Krishna é o universo inteiro, a totalidade. Tudo é sagrado. Tudo é uno. O uno e o múltiplo são inseparáveis. 

É o texto inspirador de Ghandi. Einstein dizia que quando o lia e pensava nas leis do universo, tudo o resto se tornava vulgar. 

3. Budismo 

Depois de atingir o despertar Siddartha Gautama, o Buda, sentiu o apelo de transmitir aos outros a sua sabedoria. A palavra Buda, mais do que uma pessoa, designa um estado de consciência que permite apreender a verdadeira realidade das coisas.

A filosofia budista parte da definição das "4 nobres verdades": a constatação do sofrimento; o sofrimento provém de uma mente limitada; é possível cessar o sofrimento; há um caminho para cessar o sofrimento. 

Ou seja, as causas do sofrimento são internas e é possível removê-las. O caminho que se propõe é um método que ajuda na libertação da mente, uma técnica meditativa para concentração do espírito e da mente, de forma a um atingir um determinado estado de repouso e, consequentemente, de consciência. 

Algum tipo de meditação sempre surge associada às diferentes filosofias antigas da Índia e é uma prática intrínseca do Yoga.

31. Reencarnação 

É um dos ensinamentos fundamentais do budismo. O espírito humano pode elevar-se até a um “espírito subtil” ou “consciência subtil”. Esta consciência existe independente do corpo e do cérebro. É o espírito subtil que reencarna. 

Seguindo o Dalai Lama, a reencarnação está ligada a um certo nível da vida do espírito. Se este espírito for desenvolvido pode escolher o seu próprio destino. É então um passo para a libertação, para uma possível melhora. Sem esta escolha o renascimento é uma queda no samsara, sucessão de vidas que ocorre sem parar. Enquanto a existência estiver condicionada, o ciclo renascimento/morte perdurará.

3.2 Transferência da Consciência e Libertação pela Escuta 

Quando os sinais ocorrem indicando que a morte se aproxima devemos prepararmo-nos para a transferência da consciência e refletirmos sobre os ensinamentos da Libertação pela Escuta nos Estados Intermediários. 

Quanto à transferência da consciência há um exercício que deve ser treinado: Devemos tapar todos os orifícios começando pelo reto, da procriação, umbigo, boca, narinas, olhos e ouvidos. No cimo da cabeça devemos visualizar a fontanela, depois visualizar também o canal central, no meio do corpo, direito e ereto – na sua extremidade inferior, abaixo do umbigo devemos visualizar um ponto seminal branco e brilhante, o qual constitui a essência da consciência desperta, pulsando continuamente e à beira de ascender. A força vital vai movê-lo ascensionalmente, até ao umbigo, depois coração, depois garganta, depois o espaço entre as sobrancelhas e, por fim, vai até à fontanela, após o que devemos visualizar que ele gira de novo para baixo e vem repousar abaixo do umbigo como uma difusão branca. Há que permanecer neste estado durante algum tempo. 

Diz-se que obteremos a libertação se a consciência sair pela fontanela da coroa. Os lugares mais importantes do corpo para uma transferência da consciência depois da fontanela são os olhos e a narina esquerda. 

Quanto à Grande Libertação pela Escuta, quando uma pessoa se aproxima da morte é habitual procurar-se um lama qualificado que deve iniciar as recitações de introdução ao estado intermediário.

Após a respiração haver cessado, a energia vital é absorvida no canal da sabedoria primordial e a consciência emerge como uma radiância interior. O defunto pode ouvir tudo o que se passa à sua volta, mas os outros não o podem ver. Assim, ele pode ir-se embora. Neste momento surgem três fenómenos: sons, luzes e raios de luz, o que pode provocar medo ou pasmo. Assim, durante este período deve ser lida a Grande Introdução ao Estado Intermediário da Realidade. 

Terminamos com um pequeno excerto da leitura a ser realizada:

“Ó Filho da Natureza de Buda, quando a tua mente e corpo se separarem, surgirão as puras (e luminosas) aparições da própria realidade: subtis e claras, radiantes e deslumbrantes, naturalmente brilhantes e terríveis, tremeluzindo como uma miragem numa planície no Verão. Não as temas! Não fiques horrorizado! Não estejas aterrado! Elas são as luminosidades naturais da tua própria realidade verdadeira. Reconhece-as.” O corpo agora que tens chama-se um “corpo mental”. Tu, agora, estás para além da morte. Isto é o estado intermediário. Se não reconheceres os sons, as luzes e os raios de luz, continuarás a vaguear dentro dos ciclos da existência. 

 4. Taoísmo 

Lao-Tsé (604-517 a.C.) é o grande precursor da tradição filosófica chinesa conhecida por Taoísmo. O principal livro que a suporta é o “Tao Te King”, o Livro da Via e da Virtude. Tao significa (Vida), Te (Energia), King (Virtude). 

Trata-se de um texto com grande economia de palavras, onde com pouco se diz muito, onde se crê que o dito e o não dito são absolutamente inseparáveis, onde “o silêncio é um amigo que nunca trai”. 

Porém, o Tao não pode ser explicado nem por palavras, nem pelo silêncio. Nele tudo flui, tudo é governado sem desígnio. Tentarmos encontrar o seu sentido é perder. Tudo já é. A rosa é sem porquê… nascida no tempo certo, floresce porque floresce.

É-nos dado como a eficácia da naturalidade. Tudo acontece quando tem de acontecer. Só age bem quem não está interessado em agir.

À partida, não se precisa acrescentar nada aquilo que já somos. O sábio é como a água, corre sempre a via que tem de correr. Ele não se preocupa consigo e, todavia, é o que ocupa o lugar mais proeminente. 

O céu trata tudo e todos de uma forma indiferente, mas benéfica. A ideia essencial do Tao é que o mundo se produz por um “não fazendo”, onde se deve agir de forma espontânea, deixando a mente à vontade.