sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

BOM ANO NOVO!

 Luís Santos


MEUS QUERIDOS AMIGOS

Estamos quase, quase, a terminar o período de isolamento obrigatório por termos apanhado o "corona" como graciosamente ouço dizer às jovens amigas da minha filha.

Apanhei eu, a São e os miúdos (ah, é verdade, já são adultos). A São e o Tomás tiveram mesmo de passar pelo Hospital, por mau estar físico, mas felizmente foi coisa que não se fez demorar. É verdade que não ganhámos para o susto e quase íamos abaixo. Ficámos entregues a nós próprios no nosso canto, com direito a um telefonema diário de uma mãe com mais de 80 anos, e uma ajuda ou outra de familiar próximo. Tivemos vários momentos muito, muito, difíceis, mas acreditámos sempre no melhor.

Agora que, creio, estamos à beira de voltar ao ritmo normal, digamos assim, não sei até quando, olho para os últimos seis meses deste ano e lembro-me que perdi o meu pai, uma tia, dois amigos irmãos, 2 amigos muito próximos, mais alguns que não eram tão próximos, mas que estavam perto, e um sem número de conterrâneos que vinhamos a fazer juntos a jornada da vida.

O que dizer de tudo isto?

Queridos amigos,

costumamos dizer repetidamente, incessantemente, sobretudo, aos nossos alunos, que a vida é uma dádiva mais que grandiosa, simultaneamente, rara e preciosa, como também nos ensinaram os budistas para que a desperdicemos e percamos tempo com coisas menores, ódios, invejas, mal querer, ainda que alguns, aparentemente, vivam luxuosamente e outros vivam sem nada. Mas, afinal, esta vida em que vamos caminhando, distraídos, como se vê, é curta e, no final logo se verá mais claro, muito mais claro, o que é melhor e o que é pior.

Fica um conselho do alto destes sessenta anos físicos, bem medidos: na medida do possível, aproveitemos o tempo de forma generosa, olhando para cada outro como se de si próprio se tratasse. Por tudo, sejamos gratos.

Posto isto, permitam-me que nestes desejos de BOM ANO NOVO PARA TODOS, deixe uma palavra de especial conforto para os que estão mais necessitados, porque mais sós, em maior sofrimento, mais afastados das alegrias e do champagne que em breve irão cruzar os ares.

Enfim, desejos de que o Ano de 2022 venha por bem para todos. 


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Um poema de JOSÉ GIL


Sebastião


O CATIVO DE FEZ,

" Quando parto

morro

pensas sempre tu

por isso enxugo

o teu rosto

nu"

António Reis,

a Isabel Pinheiro

a Maria Simas atriz favorita das favoritas

a Sandra Cordeiro atriz paixão

a Giulia Alessandra Atzori

a Raissa Segantini

a atriz Sofia Vicente,

a atriz Bruna Manguito

aos atores

Óscar Martins e

Rodrigo Teixeira Lourenço

Caminho de Cascais a Lagos

na flor seca da aridez do mar

em dia de tempestade

 

na doçura das tuas ondas

tudo passa com o vento

 

o ar fica sereno e limpo

o mar inquieto do afago de dezembro

na zona de vibração

de um dia de névoa

na matéria-prima do teu olhar

dança comigo morena  corpo de árvore

onde o animal jamais descansa

sou o desconhecido

no nevoeiro da madrugada na praia

do Sado ou em Lagos um rei adolescente,

José Gil

09:08h

15-12-2021

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O FIM

Crónica de Teatro de Maria Simas

Fotografia de Eugénia Matias

               “O Fim”, uma obra de António Patrício*, transformada num grande espetáculo de laboratório teatral com direção e encenação de José Gil, cedeu o palco a um conjunto de atores que já nos habituou à arte de bem representar, são eles José Caldeira Duarte, Lígia Cruz, Miká Nunes, Óscar Martins e Paula Reis. Luz, Fotografias e Som de Eugénia Matias - Grupo de Teatro do Politécnico De Setúbal.

 “Os dias últimos de um povo...”, “(...) com os navios estrangeiros à vista” em honra à receção do dia de aniversário da rainha, a esperança absurda no “Fado” em que a realidade é o impossível, rumo à queda da monarquia.

 É “O Fim”, uma obra simbólica de um clássico da Literatura Dramática Portuguesa do séc. XX,que conta a conturbada situação histórica e política do nosso país, no contexto europeu da época.

Uma narrativa cheia de metáforas e pormenores deliciosos da singularidade e riqueza da língua portuguesa.

É razão para aclamar bis

E assim aconteceu em duas sessões separadas por um curto intervalo, na Sala de Drama da Escola Superior de Educação de Setúbal.


 Maria Simas

 Setúbal 15 de Dezembro 2021


* António Patrício (1878-1930), escritor e diplomata português, dramaturgo e contista, dotadode uma escrita cheia de sensibilidade e ritmo poético, com uma linguagem cheia de simbolismo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Literatura: o pão nosso de cada dia (II)

 Luís Souta 


O LIVRO: do papel ao digital

«Está acabada a cultura baseada em livros que era partilhada

pelas «pessoas intelectuais» de todo o Ocidente e das suas colónias»

(Passos Perdidos, Paulo Varela Gomes, 2016:58)

 

Muito se tem discutido sobre o futuro do livro na sociedade da informação (ou «educativa», como Carneiro a classificou em 2001). Debate algo estranho e aparentemente deslocado no tempo, pois seria natural que, num macro contexto deste tipo, o livro ganhasse um estatuto e uma divulgação como nunca conhecera no passado. Só que outros fenómenos emergiram pujantes, designadamente o multimédia. Concorrente fortíssimo o audiovisual – «civilização videológica» – onde a imagem não exige o esforço de concentração e descodificação que a leitura implica (Sartori, 2000). Num tempo de fugacidade, de que o spot e o vídeoclip são o paradigma, a leitura de um livro, que exige tempo e continuidade, corre sérias ameaças.

1. A perenidade do livro

No romance Para Sempre, Vergílio Ferreira remete o livro para um passado de que hoje só nos restam imagens, memórias ou artefactos de museu: «O tempo do livro é o tempo do artesanato. Coisa destinada a um indivíduo, fabricada com vagares, consumida com vagares. (…) O tempo do livro é o do candeeiro de petróleo, o das meias de algodão feitas em casa à agulha, o das papas de linhaça e do óleo de fígado de bacalhau. O das ceroulas compridas com atilhos. É o tempo dos botins e das cuias, dos palitos para palitar os dentes depois da sobremesa. O tempo das perucas, das lamparinas e dos penicos. (…) O tempo do livro é o do carro de bois» (1983:106,107,108).

Numa posição mais confiante na durabilidade do livro, independentemente dos novos aparatos comunicativos, Miguel de Sousa Tavares, numa entrevista concedida à revista semanal Pública (04/03/2001, pp. 28-32), aquando da edição do seu livro Não te deixarei morrer David Crockett, defende «que os grandes leitores têm uma relação física com os livros (…) o livro objecto é aquilo que desperta a vontade, o verdadeiro prazer de ler. Acho que as pessoas que lêem a internet nem sequer são leitores. Um leitor é uma pessoa que adormece com o livro ao colo, acorda, escreve no livro ou não escreve, marca as páginas (…). Eu não acredito numa civilização que não lê.»

Mais peremptório ainda é António Barreto quando afirma, com convicção: «O livro é eterno» (2002:343).

Muitos são aqueles que questionam a prática generalizada da leitura de um livro (e em especial de um romance) num ecrã de computador. Hoje, o acesso ao livro electrónico (e-book) 1 é extremamente facilitado (em termos técnicos, operacionais e até financeiros). Mas a relação física e afectiva (o toque, o cheiro, a memória de uma oferta…) que o leitor estabelece com o livro enquanto objecto não é substituível pelos meios informáticos, que remetem o texto para o campo da virtualização. As potencialidades que são reconhecidas ao «hiperlivro» (por exemplo, a rapidez na pesquisa de um elemento do texto, seja uma frase, uma expressão, o nome de um personagem ou de um lugar, os links possíveis com outros textos e autores), dirigem-no mais para uma utilização pragmática e parcelar, ligada a actividades de análise e estudo, do que ao processo normal de uma leitura sequenciada, capítulo a capítulo.

A leitura em livro tem a vantagem de ser feita em casa, na rua, nos transportes, praticamente em qualquer lugar; ainda que a miniaturização dos computadores aproxime o portátil, o tablet ou o iphone dessas virtualidades atribuídas ao livro, há limites e obstáculos a superar (por enquanto?) como a autonomia energética, o acesso à rede wireless ou a dimensão reduzida da mancha gráfica (ainda que atenuada com os ecrãs suaves que não cansam a vista). Coisas menores, poder-se-ia dizer, preconceitos de uma geração que, tem dificuldades de adaptação na passagem do táctil para o digital (do palpável ao virtual). Uma geração que entrou em contacto com todos estes equipamentos numa fase muito adiantada da sua formação, com uma maturidade já definida e estilos de vida pessoal e de aprendizagem consolidados. Seriam então os jovens, já socializados com a informática desde muito cedo, os “coveiros” do livro.

Mas tal parece ser contrariado, entre nós, pelos dados divulgados por diversos estudos e sondagens. Livreiros e bibliotecas públicas mostram como a compra e a leitura de livros, entre os estratos mais jovens, é das mais florescentes. O Observatório das Actividades Culturais constata, em 2001, a manutenção da «centralidade simbólica» do livro, ainda colocado pelos jovens no topo hierárquico dos bens culturais, apesar de no dia a dia privilegiarem os meios audiovisuais.

Estamos numa nova fase de transição, onde as certezas são abaladas e as dúvidas mais que muitas. Algo de semelhante deve ter ocorrido em outros momentos da História, por exemplo, quando o pergaminho foi substituído pelo papel (Vallejo, 2019). E o livro continuou, ainda com maior vigor. Agora, «o mundo digital não é o inimigo maior dos livros, mas o modo de vida», como defende Zivkovic (2016).

 2. Escritores sem caneta

Mas as consequências do desenvolvimento informático não se colocam apenas no patamar do consumo. A própria literatura, na área da produção, enfrenta fortes desafios decorrentes da escrita cibernética. Num tempo de «aceleração» (Hartmut Rosa, 2005), quando se potencializa a “imaterialização de conteúdos”, se expande a interactividade, se alargam as redes a limites  inimagináveis, e quando a regra é “falta de tempo”, novos horizontes se rasgam à gente da escrita (que a tem como profissão ou como hobby). Uma nova geração de escritores irá irromper em definitivo, a que já não usa a “caneta” pois funciona permanentemente no teclado (o que se vai tornando vulgar mesmo para os escritores ‘clássicos’) e desconhece o ‘papel’ uma vez que a escrita entra de imediato nos circuitos electrónicos e fica disponível on-line. Em regra, os autores electrónicos criam o seu site pessoal e nele disponibilizam as suas obras, criam mailing lists, newsletters, fóruns de discussão o que lhes permite um contacto constante com os seus leitores. Este tipo de escritor dispensa assim as tradicionais estruturas intermédias: ele não só anula os círculos editoriais de impressão, como se livra de editoras e distribuidoras, com a vantagem de encurtar, de forma vertiginosa, os circuitos de divulgação, alargando imensamente o acesso à sua obra. Deste modo, temos reunidas numa só pessoa as tarefas e funções que se encontravam pulverizadas numa teia empresarial a jusante do acto da escrita. Em regra, essa cadeia de produção e prestação de serviços escapava ao controlo do escritor, ficando excessivamente dependente dela. E no fim, era ele o que menos beneficiava (financeiramente) com a venda dos seus próprios livros. A expansão vertiginosa da internet, do print-on-demand, e do e-business abrem enormes perspectivas neste campo, em especial, no que respeita à democratização editorial (dando outra visibilidade aos “escritores de segunda linha”). Nesta área, ainda em profundas e rápidas mutações, muito está por definir, designadamente os direitos autorais (copyright). Será que as contrapartidas para o escritor (mormente as económicas) vão consolidar esta dinâmica? Ou estamos apenas perante formas mais simplificadas e alargadas de acesso e/ou divulgação à obra literária?

A comunidade académica, mais do que a literária, tem utilizado intensamente a internet e disponibilizado muitos dos seus produtos científicos (artigos, relatórios, monografias) no suporte virtual. Muitos livros e revistas científicos, em papel, têm vindo a ser substituído, progressivamente, pelo ciberlivro (o uso generalizado do inglês, como língua franca das diferentes comunidades científicas, tem facilitado este processo de expansão).

3. Antropólogos nas tribos electrónicas

O campo virtual tem vindo igualmente a interessar os antropólogos. Esse movimento faz-se em dois sentidos: (i) no conhecimento das novas «tribos electrónicas» (Ramos, 1999), com os cibernautas, numa partilha de intensa comunicação, “habitando” uma “sociedade virtual” onde floresce uma cultura específica, a cultura cibernética, também ela com os seus rituais, jargões, valores, códigos e marginalidades (hackers); (ii) no recurso sistemático à internet para a condução da pesquisa etnográfica.

Ambas as situações colocam problemas metodológicos novos, nomeadamente no que respeita ao trabalho de campo e à observação participante, e até quanto ao próprio objecto da disciplina. Neste caso, poderíamos configurar semelhanças e diferenças com o histórico percurso desta nossa ciência social. Se estes grupos – os internautas – podem incorporar as categorias do “exótico” e do “minoritário” (todavia, com tendência para se esbater à medida que se vai massificando o acesso à net), já se distanciariam quanto ao carácter “primitivo”; aqui, bem pelo contrário, está-se perante elites (knowledge workers), numa área de ponta e de vanguarda (high tech) nesta modernidade centrada num bem que elas dominam – a informação e o conhecimento (sofisticado e tecnológico). Sabendo que as clivagens e desigualdades passam, nas nossas sociedades pós-industriais, por estar on-line ou off-line (German, 2000), estes seriam grupos bem posicionados nesse contexto de acentuada globalização. Um outro problema, que se cola ao seu estudo, prende-se com o facto de estarmos perante grupos altamente dispersos, ao nível do planeta, sem um território nem fronteiras e em permanente mobilidade demográfica. Portanto, na ausência plena de um “lugar antropológico”, entendido como espaço delimitado, relacional, identitário e histórico que, como sabemos, é um dos elementos centrais na caracterização de qualquer grupo social. Por outro lado, os cibernautas, enquanto ‘grupo’, revelam uma elevada transitoriedade no tempo: fazem-se e desfazem-se a todo o momento. Este seria um exemplo extremo de desterritorialização, um dos fenómenos caracterizadores da sociedade globalizada. Por tudo isto, a entrada da antropologia nestes domínios do “virtual”, traz novos argumentos para a reconfiguração conceptual de base com que temos operado até agora. Ela ilustra, de forma paradigmática, a questão das «novas escalas na abordagem antropológica» de que falava Silvano (1998). Sendo assim, importa reelaborar conceitos como cultura, campo, território, etc. E rever os procedimentos associados à interacção entre investigador e sujeito (que aqui se faz num quadro de uma certa invisibilidade, onde o face-to-face é, quanto muito, mediado por uma câmara e um monitor, e portanto a entrada do investigador no ‘grupo’ e a sua aceitação, são encarados numa outra dimensão).

Neste domínio, é particularmente interessante a experiência de pesquisa realizada pela antropóloga brasileira Rita Amaral (2001), conducente à sua tese de doutoramento sobre a “Festa à Brasileira” em cinco regiões do país. Ela utilizou a internet não só como fonte de dados complementares à pesquisa tradicional, como principalmente, pelo uso que deu às conversas e entrevistas efectuadas em chats. O antropólogo que faz do contacto directo e personalizado com os sujeitos de estudo, num território concreto (onde permanece de forma continuada durante um certo período de tempo), uma das suas especificidades metodológicas, já a sua “inserção” num campo virtual, de intermitência temporal, levanta enormes desafios à forma tradicional de conduzir a pesquisa.

O futuro é mesmo amanhã.

Nota

Quando o livro de Stephen King – Riding the Bullet, em 2000, ficou disponível apenas na internet, a procura foi tal que os servidores de duas grandes livrarias (Amazon e Barnes & Nobles) ficaram bloqueados.

Referências

AMARAL, Rita (2001) “Antropologia e Internet. Pesquisa e campo no meio virtual”. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, vol. 41, nº 3-4, pp. 31-44.

BARRETO, António (2002) Tempo de Incerteza. Lisboa: Relógio d’Água/ Antropos.

CARNEIRO, Roberto (coord.) (2001) “O Futuro da Educação em Portugal. Tendências e Oportunidades – Um Estudo de Reflexão e prospectiva”.

FERREIRA, Vergílio (1983) Para Sempre. Venda Nova: Bertrand Editora/ Obras de V. F., 10ª edição, 1996.

GERMAN, Christiano (2000) “On-line off-line: internet e democracia na sociedade de informação”. Sociologia – Problemas e Práticas, nº 323, pp. 101-116.

RAMOS, José Luís (1999) “Computadores, Internet e Aprendizagens. Novas Sociabilidades e Tribos Electrónicas”. Economia e Sociologia, Universidade de Évora, nº 68, pp. 97-119.

ROSA, Hartmut (2005) Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp, 2019.

SARTORI, Giovanni (1997) Homo videns: Televisão e pós-pensamento. Lisboa: Terramar, 2000.

SILVANO, Filomena (1998) “As novas escalas na abordagem antropológica”. Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 11, pp. 59-71.

ZIVKOVIC, Zoran (2016) entrevista ao Ípsilon, 24/06/16, pp. 22-23.