Risoleta Pinto Pedro
Tenho o maior respeito por todos os que trabalham a favor da
saúde. E aqui englobo todas as formas de vida no planeta, cujo bem-estar faz
parte das nossas preocupações.
Trago aqui um tema que não tem sido suficientemente
tratado, ainda que seja bastante falado. Mas não necessariamente aprofundado
sem preconceitos.
Tem vigorado, ao longo de séculos, um sistema mental de tudo
avaliar em termos de bem e de mal. Separadamente. Usamos apenas duas gavetas do
mundo. Aquela onde guardamos o que é bom e a outra onde escondemos o que é mau.
Segundo os nossos valores. Nós próprios estamos numa dessas gavetas. Na do bem,
quando nos queremos ver, uns como cowboys, e outros como índios, consoante o
nosso sistema de crenças; e na do mal, quando o nosso amor próprio ou a falta
dele nos atira para a gaveta dos índios… ou dos cowboys. E onde quer que
estejamos, estamos sempre mal arrumados. Porque também as etiquetas “cowboys” e
“índios”, estão equivocadas. O simples facto de haver etiquetas, o simples
facto de haver gavetas, é o princípio do equívoco. Porque as coisas não
funcionam assim. Comecemos por nós, que temos dentro o cowboy e o índio, sendo
que o cowboy tem dentro de si o índio e o índio tem dentro de si o cowboy, e a
coisa chega a um ponto em que já não é possível apontar o dedo a nada nem a
ninguém, pois tudo contém tudo, como um sistema de bonecas russas. Não estou
com isto a minimizar o quão devastador foi e continua a ser o efeito da
ocupação do território nativo pelos que chegaram de fora. Esse é outro assunto.
Não podemos é ficar eternamente plasmados nos arquétipos de vítima e vilão,
pois desse modo só conseguimos perpetuar o que aconteceu. Agora há que olhar o
que existe, o estado a que se chegou, aprender com o passado e recriar, pela
imaginação e com a acção, o futuro. Muitos discursos acusatórios só atrasam. Vejamos
um exemplo: a escravatura. As tribos que vieram a ser escravas da civilização
branca tinham muitas vezes dentro delas, entre si, a prática da mesma. É
evidente que numa sociedade organizada tem de haver regras, precisa de
prevalecer a ética da defesa dos mais fracos. A nível individual e a nível
colectivo. Mas não nos deixemos cegar pelo senso comum, ainda que devamos
cultivá-lo, embora sem fanatismo.
Vem todo este arrazoado a propósito da questão da saúde. Em
pequenina, no Alentejo perdido no meio da planície, andei ao colo de uma menina
curandeira que teria mais uns dez ou doze anos do que eu e que sempre me tratou,
como fazia a toda a gente da aldeia, gratuitamente. Depois, já noutras terras,
ainda na infância, pelas doenças, a chegada do médico à beira da minha cama com
sua bata branca, era sentida como a presença de um anjo. Tenho médicos na
família, tenho médicos entre os meus queridos amigos e um profundo respeito
pela profissão, assim como a atenção às dificuldades com que hoje trabalham, e
não apenas no público. Vejo os médicos nos hospitais, nos centros de saúde,
como verdadeiros heróis. Se no público é a falta de meios que impera, no
privado observa-se uma enorme pressão sobre os médicos, relativamente ao
“rendimento”. Estamos conversados. Poderia aqui contar casos de família e de
amigos que num hospital privado foram dados como gravíssimos para intervenção
urgente, e uma vez no público os médicos não encontraram nem um pequeno sinal
dessa urgência, tendo tratado o caso com normalidade e eficácia. Toda a gente
percebe do que se trata. Algo que não tem nada a ver com os médicos, interesses
que os ultrapassam. Ainda há pouco tempo uma criança pequenina foi salva de uma
intervenção urgente de que não necessitava, aos adenoides, necessitando, sim,
dos adenoides de que iria ser privada. Salva por um médico do sistema público,
no sistema público. Com isto, e porque não quero tratar este assunto com as
ditas gavetas, não pretendo afirmar que sempre assim ocorra; há respeitáveis
médicos no privado, conheço alguns. Conseguem manter-se dentro da ética e
furtar-se corajosamente a essa pressão, e também no público encontramos falhas
médicas, como em todas as profissões. Falo de médicos, falo de enfermeiros,
falo de assistentes.
Avancemos um pouco mais. Sabemos de casos que se arrastam
pelo público, pelo privado, em tratamentos infindos com medicamentos que umas
vezes salvam e outras constituem enorme perigo, e que por fim, acabam por ir
parar às chamadas medicinas paralelas. Com sucesso. Nem sempre isso acontece.
Também aqui não quero criar gavetas, mas gostaria que começássemos a encarar as
enormes possibilidades, com vantagens para a saúde pública, de uma aliança, a
nível do sistema, entre as várias práticas. Como existe em alguns países. Mesmo
na Europa. Mas o caso da China é o mais patente. Após os tempos da revolução
maoista com perseguição às práticas da sua medicina tradicional, principalmente
do Chi-Kung, o poder acabou por se render à evidência e tem hoje hospitais e
laboratórios onde se faz investigação na vertente natural, onde a medicina
tradicional chinesa com as suas acções terapêuticas milenares como a
acupunctura, a massagem tuina, a fitoterapia, a dietética e o Chi-Kung,
coexiste e colabora com a medicina moderna com tudo aquilo que nós conhecemos,
nomeadamente a extraordinária evolução técnica, que traz, contudo, uma
perversão, que é o risco de o médico, na sua tradicional observação, na relação
com o doente, ficar apagado e esmagado pelas máquinas. O que não acontece
nestes hospitais mistos de que falo. Há ainda, na China, outros hospitais, os do
fim da linha, para onde vão os casos “perdidos” de todas estas tentativas, ali
submetidos quase exclusivamente a práticas de Chi Kung energético puro e duro,
e os resultados são qualitativa e numericamente surpreendentes, com percentagem
grande de curas e nos outros, melhoria significativa da qualidade de vida.
Milagres? Não! A ciência já explica. O problema é que também a ciência ainda está
metida em gavetas e com dificuldade em abri-las. Mas vão sendo muitos os
médicos no ocidente a frequentar cursos de medicinas paralelas e a usá-las na
sua prática, médicos desenganados da sua própria medicina a irem tratar-se nas
medicinas não convencionais, escolas de medicinas paralelas, como é o caso que
conheço, a ESMTC, a incluir médicos e outro pessoal de saúde entre os seus
formandos e entre os seus professores e entre os seus especialistas de medicina
tradicional chinesa. De facto, as coisas estão a mudar. Claro que, no interesse
dos doentes, terá de haver um reforço da regulamentação pioneira existente no
nosso país, regulamentação essa que não pode passar pelo desvirtuamento das
práticas tradicionais, pois isso seria retirar-lhes força e eficácia, mas
porquê tanta resistência, tanto medo da parte das corporações? É só uma questão
de tempo… É claro que algum mérito podemos encontrar nesta resistência, é ela
que de algum modo ajuda a alertar para oportunismos. Nesse aspecto, há que
agradecer. Mas oportunismos há em todo o lado e não pode ser esse medo a
impedir a evolução que só pode beneficiar a saúde pública. A alternativa
positiva ao medo e à força da resistência é foi a regulamentação.
Tive, recentemente, um problema nos olhos para que procurei
ajuda médica pública e privada. Estava cada vez pior e cada vez mais agressivos
os medicamentos. Evito recorrer aos familiares e amigos médicos por saber da
sobrecarga a que estão sujeitos. Fui, como paciente, à Escola de Medicina
Tradicional Chinesa, onde perceberam, pelos métodos de observação, teoria e
diagnóstico da medicina tradicional chinesa, que se tratava do fígado. Uma vez
iniciado o tratamento do fígado, passou o problema dos olhos, sem tratamento
local aos olhos.
Uma amiga que há dez anos sofria com dores num dos ombros,
com imobilização quase total e passagem por muitas tentativas de tratamento
convencional, após uma sessão reduziu drasticamente as dores e ao fim de três
levanta o braço acima da cabeça exactamente como o outro, e movimenta-o quase
sem dores. Faz, agora, uma vida normal, fica a escrever até de madrugada (é
escritora), e já não sofre.
Uma outra que aguarda intervenção cirúrgica no excelente
serviço do Curry Cabral, mas já não aguentava com dores de meses, braço
imobilizado, incapaz da mais pequena tarefa pessoal, dependente para tudo,
embora continue a aguardar a intervenção, pois é um caso onde não há a mínima
dúvida de que a medicina convencional tem de actuar, passou, contudo, a ter uma
qualidade de vida incomparavelmente melhor, com a diminuição drástica da dor
através da aplicação das agulhas e outros procedimentos da medicina tradicional
chinesa.
Eu própria, com uma tendinite semelhante a outras
anteriores, de há uns anos, que tratei com fisioterapia, do que me sinto muito
grata, mas com tratamento de meses, desta vez com a massagem e a acupunctura na
mesma escola acima referida, quando saí já estava um pouco melhor, no dia
seguinte já fazia tudo, à segunda sessão fiquei bem.
Não sendo especialista, poderia aqui tentar uma explicação à
medida do meu fraco saber, acerca do funcionamento deste método tradicional,
mas qualquer um pode fazer uma pesquisa. Já há muitos médicos e cientistas
falando disto e usando-o em si e nos seus doentes.
Recomendo vivamente a seguinte e excelente reportagem da SIC
de há 10 anos atrás:
https://www.youtube.com/watch?v=ElW9-m8AtYI&t=15s
E o seguinte vídeo do Biólogo Bruce Lipton, investigador e
professor em Faculdades de Medicina:
https://www.youtube.com/watch?v=O7sf18GCB_U
A Escola de Medicina Chinesa, ali à Estefânia é um pequeno
império de saúde no sentido mais nobre do termo, pela autoridade que vem
ganhando com os reflexos do seu trabalho e o poder que confere aos alunos e
pacientes persuadindo-os e ensinando-os como cada um pode e deve ser
responsável pela sua saúde. Pequeno, porque tudo se passa dentro de um belo
edifício excelentemente aproveitado, ali a meio da Rua D. Estefânia, que já foi
museu dos CTT e Casa do Teatro dos Dias da Água, todo forrado a madeiras
nobres, com seu jardim intimista e pequeno lago tranquilizador no centro; mas
também império, porque o seu poder se estende a todos os lugares onde chegam os
seus alunos, futuros e actuais especialistas
de mtc, e os ex-doentes com os seus testemunhos, como agora senti o
impulso de fazer.
Tive recentemente uma lesão da coluna cervical devido a um
violento puxão de três trelas, que me fez cair de forma impactante, o que me
deixou algumas sequelas, sendo a mais duradoura tonturas quase incapacitantes
com certos movimentos da cabeça. No dia seguinte ao tratamento, que é o dia de
hoje, antes de escrever esta crónica já mudei o caixote das gatas, lavei o
terraço, reguei o jardim, dei de comer aos cães, fiz a cama, apanhei a roupa,
tomei banho, vesti-me, tomei o pequeno-almoço, etc, depois de uma noite bem
dormida, sem tonturas, quando ontem, até o tratamento tive de receber sentada,
porque não suportava a posição deitada, pela sensação de abismo.
Mas recordo, e volto lá, as tantas vezes que o médico de família
me aliviou e tratou, a mim e à minha família, e o exemplo do meu dentista que
trabalha, não por necessidade, mas pelo prazer que tem em tratar, e isso vê-se
na sua prática, no cuidado, na competência, na seriedade, na boa disposição, a
ponto de eu quase adormecer na sua cadeira, algo de inacreditável e
inexplicável para quem tenha medo de dentistas, e tantos, tantos outros casos,
que todos temos para contar. E outros que tenho na família, médicos exemplares de
valor e dedicação.
Assim, o que tentei fazer aqui foi abrir gavetas, arejar
conceitos, trazer experiências e criar canais de comunicação, como nos casos
citados na reportagem acima.
Aos dois anos, a minha filha, com uma anemia séria, não
assimilando o ferro, depois de vista por mais do que um excelente pediatra e já
encaminhada para transfusões, que não iniciou, teve, ao fim de duas semanas de
tratamento homeopático, os seus valores de sangue normais.
Foi a ida com ela, mais tarde, por outras razões, a uma
consulta da ESMTC (Escola de Medicina Tradicional Chinesa), que me pôs em
contacto com esta medicina e a sua prática de Chi-Kung, que nunca mais
abandonei. Por isso, a minha relação com a Escola de Medicina Tradicional
Chinesa é antiga e cheia de afectos.
Foi também através de indicação desta Escola, também
formadora de veterinários nos princípios da medicina Tradicional Chinesa, que a
minha cadela resolveu, há uns anos, um problema de pele que não passava com
tratamento nenhum.
Iniciada em 92, hoje possui um centro de consultas
individuais de manhã e de equipas à tarde, havendo em cada dia uma equipa
diferente e cada equipa liderada por um professor ou professora diferentes,
tendo com eles assistentes e estagiários, e alunos em final de curso que dura
cinco anos, mais estágio em hospital chinês. Além desta vertente terapêutica,
oferece cursos temporários de vários tipos de massagens e outras terapêuticas,
aulas de Tai-chi e Chi-Kung, e, como centro e coração de tudo, a Escola, onde
os alunos aprendem desde anatomia e fisiologia com médicos, às técnicas
específicas da medicina tradicional chinesa, como dietética, meridianos,
plantas, massagem energética, Chi-Kung, técnicas de diagnóstico…
Volto aos milagres: as pessoas que aí são tratadas quando ali aparecem já em estado de desânimo e começam a melhorar e muitas vezes se curam, usam frequentemente a palavra milagre. Mas não se trata disso. Para além da competência e do profissionalismo e dedicação que também podemos encontrar na medicina convencional, esta medicina vai à causa do distúrbio e é aí que vai agir. Não se pode tratar uma árvore com raízes doentes cortando-lhe as folhas. Tem de se ir às raízes. É claro que casos há que requerem intervenção hospitalar, tratamento convencional, onde a lesão já não é tratável de outra maneira, ainda que numa segunda fase possam recorrer à MTC para equilíbrio do sistema, pois sabemos como a medicina convencional ainda é, tantas vezes, invasiva e localizada. Segundo a medicina tradicional chinesa, é necessário harmonizar energeticamente o corpo, através de desbloqueamento e da comunicação entre meridianos. Bruce Lipton, o cientista acima referido, fala em cooperação. Somos saudáveis e íntegros porque todas as nossas células cooperam umas com as outras. O problema é que nós não cooperamos com elas e por vezes a nossa própria medicina, já em desespero de causa, porque a medicina ocidental é uma medicina do desespero, é a luta que traz como tratamento, por aquilo que retira, por aquilo que introduz. E por vezes também salva. Apesar de nós, que somos, normalmente, o grande obstáculo. A medicina convencional será assim enquanto o ser humano transportar a luta dentro de si. Tudo é uma projeção da humanidade. Daí a importância da medicina tradicional chinesa: o apontar de caminhos para o equilíbrio, a autonomia e o bem-estar integral, que inclui o corpo, mas não se fica por aí. Não é por acaso que a medicina convencional já começa a dar alguma importância aos aspectos psicológicos, ao paciente como um todo animado, isto é, com alma, e não como um puzzle inerte composto de peças a tratar uma de cada vez. As coisas estão a alterar-se, lentamente. Que este texto possa contribuir, de alguma forma, para trazer algum esclarecimento, ou seja, alguma réstia, por pequena que seja, de luz. Sendo, também, uma forma comovida de agradecimento a todos os que, onde quer que estejam, labutam pela saúde integral da humanidade e do planeta.