Raul Angel Iturra
Francisco
Hoje foi
verdade, hoje aconteceu, depois de uma prolongada doença e de outras doenças
prévias, Jorge Mario Bergoglio faleceu como todos sabemos; todos esperavam este
desfecho, milhares oravam para ele melhorar, ninguém dizia “coitado do
homem, a agonizar e a ser arrebitado, não o deixam descansar”. Era o nosso
comentário com a minha mulher durante esse mês de fevereiro quando ele estava
doente. Acordávamos de manhã para ouvir a notícia da sua morte e nunca mais
acontecia. Tínhamos pena desse acontecimento. Finalmente hoje, 21 de
Abril de 2025 descansou do seu mundo paradoxal, esse que diz que ao morrer um
fiel vai ter com a sua divindade, vai à glória eterna, ao prémio se foi bom, ao
tormento se não respeitou a doutrina cristã como dogma de fé para os
católicos, dogma que foi usado hoje para anunciar a sua morte “Hoje a sua
santidade o Papa Francisco voltou à casa do Pai”, esse dogma que do Pai
saímos e que junto dele voltamos, esse consolo cristão para suportar o nosso
desaparecer da história material.
Foi
eleito como Papa pelo colégio cardinalício em março de 2013. Ninguém o
conhecia, seu nome era apenas conhecido pelo seus concidadãos argentinos e pela
Cúria Romana. Curioso, investiguei e soube que vinha da Argentina, país vizinho
de onde eu nasci, Chile e de que fui forçado a abandonar faz já 52 anos
pela ditadura que matou o meu presidente Allende e milhares dos meus
compatriotas, como todos sabem. A minha pesquisa sobre Bergoglio revelou-me que
ele não teria protegido seus fiéis do governo também assassino, da Argentina.
Nessa altura escrevi um ensaio para o blog Banda Larga da Worldpress que
intitulei “Jorge Mário Bergoglio um Papa com um passado traidor e fascista”. Os
documentos que usei assim acusavam. No entanto, a minha editora disse-me que era
cedo demais para esse título, que era melhor esperar e ver. Não esperei,
publiquei. Anos volvidos reparei que tinha sido um grande erro, a minha amiga
editora tinha razão. Resolvi escrever um texto de desagravo, Jorge Maria
Bergoglio merece, não pelos dogmas de fé, bem ao contrário, mas pela sua
dinâmica acção dentro da sua igreja para restaurá-la e sobre a sua actividade
no mundo da interacção social entre pessoas e países, tinha sido o Papa do
desagravo.
Quando a guerra da Rússia - Ucrânia começou, ofereceu-se como mediador e ainda, como refém se fosse preciso para acabar com essas mortes de civis inocentes e esse êxodo impossível. Não vingou. Mais tarde Israel ataca os Palestinianos e provoca mortes inocentes, esse genocídio que todos denunciam como o mais horrendo desde o genocídio nazi dos Judeu nos anos quarenta do seculo passado; ele fala da “guerra dramática e ignóbil” “massacre incrível de seres humanos”, falou disso no dia em que o mundo cristão comemora uma ressurreição, fala de paz para Gaza ainda horas antes de tornar ao Pai, como se diz na sua doutrina.
É chamado o Papa da simplicidade por retirar ritual supérfluo na liturgia da sua religião chamada universal, daí católica, por definir que na sua igreja “todos tem cabimento na instituição e na fé”, por acolher o terceiro sexo como não pecadores, embora não aceite o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo por ser contra a doutrina genética tradicional - o casamento é para dar continuidade aos seguidores de Deus, não para amar. Retira sumptuosidade e parafernália aos rituais da liturgia, reformula o ritual do papado, a eleição de um Papa e o enterro do mesmo é agora mais simples, cria cardeais africanos, asiáticos como parte de uma reformulação do poder legislativo dentro da hierarquia católica. Cria outro equilíbrio do poder retirando-o da Europa, admite mulheres em rituais religiosos, esse género descurado pelos crentes através do tempo e da história e tenta fazer justiça à homosexualidade e pedofília dos religiosos da sua instituição. Esperávamos que definisse o matrimónio sacerdotal e a inclusão de freiras nas celebrações litúrgicas. Não conseguiu, retornou ao Pai antes. Reitero, porém, que foi o Papa da simplicidade dentro de uma doutrina recheada de liturgia milagreira de obscuridade e penitência que pune o corpo. Ouvia, definia, não punia. Redefiniu a economia vaticana e católica universal, retirou bispos e cardeais da gestão do Banco Ambrosiano e o cunhar da moeda de um estado minúsculo de poucos metros quadrados. Era humilde e muito divertido, ria e fazia rir até nas audiências papais. Era latino. Escrever
um ensaio para me desculpar do anterior não foi atempado. Morreu quase poucas
horas a seguir ao dia do dogma da ressurreição que foi comemorado ontem no
mundo cristão… dizem que no fim dos tempos, ele como todos também, vai
ressuscitar.
Não era, contrariamente ao que escrevi antigamente, em base documental, um Papa que tinha sido traidor e fascista. Foi um Papa que será canonizado como santo pela Igreja Católica.
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