Raul Iturra
SER VELHO ATÉ PODE SER MUITO DIVERTIDO
Os técnicos médicos do hospital das Caldas da Rainha, especialmente o técnico médico da secção de Oftalmologia, nem curto nem preguiçoso, disse-me 'olhe para esta lente raul...', perguntei 'qual é o seu nome?...' disse-me Tiago, pelo que respondi 'claro Tiago...', olhou para mim surpreendido, eu não era suposto falar-lhe assim, ele podia, era técnico médico, eu um velho doido pela idade, suposto ser difícil de tratar, de dialogar, de entender...
É por isso também que as pessoas ocultam a sua idade, pintam o cabelo, falam de doenças sem dizer qual é a sua. Como meus leitores o sabem, eu aumento a minha, digo “caminho aos 90”, como referi no meu texto anterìor. Ser velho é uma vergonha social, daí também que se usem roupas juvenis para vestir, nunca mais o preto, exceto entre os jovens, como meus filhos biológicos e enteados e netos... é elegante... vê-se bem, veste bem.
O pior na interação social é que ninguém sabe como e o que falar connosco. A minha mulher e eu fomos aos anos duma querida amiga, a Bibi Perestrelo, da família em que uma menina nos anos 30 do século passado rejeitou os amores do Salazar quando ainda não era ditador de Portugal, uma amiga linda e encantadora a Bibi, tal como a família de pessoas lindas elas e eles. No dito almoço ninguém, mesmo ninguém, falava comigo, nem a minha mulher! Embaraçoso para quem percebe o que acontece, essa linda festejada Bibi arranjou um irmão, o Pedro Macedo advogado, como eu fui, que tinha um amigo famoso que era antropólogo, como eu agora, e inventamos uma conversa sobre esses temas, uma lata para ele numa festa, para mim também... não sou pessoa, sou antropólogo... Agradeço a esses amigos o esforço, claro.
Há muitos símbolos que estigmatizam o velho, como esse meu grande amigo e antigo estudante de doutoramento excelente comentador da minha obra que, por causa duma opinião minha sobre textos, disse que eu devia ser vigiado nas minhas ideias, porque havia limites para dizer que os velhos têm uma lógica e eu teria atingido esse limite... tive que esquecer o assunto. Como tenho tido muito estudante, vou calar seu nome, quero-o muito para o perder... a sua mulher é uma dádiva do céu, devem ficar ao pé de mim, estou enamorado por eles.
Nem todos os velhos pensam assim, no lar em que fui compulsivamente encerrado durante 9 anos, até eu reclamar por justiça ao tribunal e ganhar, havia um tal Luís Caracol, um amor se pessoa, quase 90, sempre a disputar com o meu grande amigo desse lar Carlos Roque, um sofá em frente do aparelho da tv, este também com quase 90, o muito articulado Carlos foi tentar tirar o Luís do sofá e os dois quase nonagésimos foram-se bater aos socos com as suas fracas forças e, claro, foram os dois ao chão... enrolados braços e pernas numa bateria de batidas, e lá fui eu separá-los e caí nesse amontoado pacote de velhos em disputa muito lógica para as suas pretensões.... cheio de dores pela queda fui buscar um funcionário que também caiu enredado nas pernas velhas no chão.... como último recurso corri tão rápido como meus quase 90 mo permitiam e fechei a luz... como nos filmes de Chaplin... e milagre, assustados, parou a luta… a grande batida de socos...
A minha mulher e eu, essa rapariga velha que faz 83 anos, adoro-a, e ela a mim espero, vamo-nos divertindo para amenizar o dia sempre muito cumprido na quinta com 70 aves que criamos. Quando saímos digo-lhe 'motorista do uber, leve-me à vila de Sintra agarrada a essa nuvem… rápido”, e ela imita uma mulher asiática e partimos. Ou, no fim do dia comungamos um chocolate de leite, ela Sôr Brígida, eu o Senhor Padre, e pecamos com licença do Papa. Inventamos, rimos, como rimos no ioga da excelente Elsa Ferreira, no Mucifal, Universidade Sénior, com os meus velhos que me amparam… sou o mais antigo… e as suas conversas sobre netos e antigos amores que tanto lembramos. É a única forma de não acabarmos aos socos…
Os velhos temos de rir muito duante o nosso fim de vida para que qualquer senilidade que possa aparecer seja divertida e alegre.
besos y abrazos
Raul Iturra
O Encantador de Patos
Barra Mansa
23 de setembro de 2025
9 comentários:
Un texto magnífico, divertido y lleno de sugerencias! Felicidades, amigo!
Gracias caro Juanjo! Me levantas el espírito...!! Es un protesto a ser viejo que entiende y analisa! Ser antropólogo y racional en una casa de reposo donde no deves estar, en que te causa profundo disgusto lo que hacen los funcionarios y las famílias con los viejos, revuelve las entretañas del observador participante!!! Y la antropologia no se interesa por este grupo etário, ni con la antropologia de la educacion...mis dos caballos de batalla en nuestra ciência...!!! Abrazos Juanjo amigo!!
Li e adorei ...meu querido jovem antigo😆. Beijinhos aos dois e continuem a comer chocolates e a rirem-se destes velhos dementes que nos governam!😘🥰
Minha querida Anabela, a minha filha social da aldeia de Vila Ruiva,Nelas, em que a minha mulher Claire Summers Smith e eu trabalhamos e pesquisamos... ainda lembro bem antes de seres professora secundária e diretora de escola em Sinfães, Viseu, como me acompanhavas na pesquisa, nos teus 14 anos, me informavas e davam-me café da loja dos teus pais Fernanda e António Lopes, meus amigos queridos, meus irmãos sociais, e tu a escrever uma autobiografia tua num livro meu. Querida amiga obrigado, querias ser antropóloga, o teu pai não quis com razão, mas és antropóloga das crianças, da vida social e és antropóloga da educação...muito obrigado pelo carinho e apoio a este velho (caminho aos 90...!),com teu adorado marido. Miguel e Maria, concertista de piano!!!
Eu percebo o sentimento que referes na crónica. Em Portugal os "velhos" são especialmente mal tratados. No oriente e em particular no Japão, são muito respeitados e mantêm-se activos até muito tarde!
Excelente texto Raul…e vejo-o feliz que é o que importa. um grande abraço. Acho que vou usar esse seu texto nas minhas aulas de 1º ano, para nos rirmos consigo de uma velhice alegre e feliz que virá para todos e todas (espero que com a sua bonomia) um abraço para vocês.
Sim Paulo Jorge, estou feliz com a mulher que amo faz já 33 anos e a tomar conta dos nossos patos, gansos, galinhas, faisões e perdizes, estas aves estão sempre connosco, andam atrás de nós, é o que tenho recomendado aos analistas para ajudar a senilidade que têm uma lógica impecável que deve ser reconhecida. Besos y abrazos
Já poucos passeiam a vista pelos blogues, mas o meu velho professor (como carinhosamente o apelidamos), o antropólogo chileno Raul Iturra, vai escrevendo de vez em quando os seus textos de reflexões avulsas num blogue de um amigo.
Aqui um pequeno texto sobre a velhice que me fez sorrir e apreciar um mundo que está por vir... "o encantador de patos".
...chama-me seu velho professor 'por carinho ' e 'o antropólogo chileno...', mas que alegria! Luto por ser velho, quer antigo, faz muito tempo!!! Ninguém se lembra disso, nas imensas páginas Google com a minha obra ninguém, mas ninguém diz que sou chileno e também português!! Não sou migrante porque vim a este fabuloso país por convite faz 54 anos, fiz cá o que a ditadura que houve um tempo no Chile não me permitiu... Portugal passou a ser o meu outro Chile... obrigado caro ex estudante e assistente meu, hoje colega... besos y abrazos... confesso que me fez chorar...
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