“E se de repente as palavras desaparecessem dos livros? E se um camelo comesse as palavras todas e se transformasse num Atelier de Animação da Leitura e da Escrita de uma Biblioteca itinerante em todos estes desertos urbanos em que vivemos”
Trabalhámos uma ideia do escritor
Rui Saramago em “A Escrita Efémera”. (Circulo de Leitores),
TEATRO POEMA NO MUNDO
25ª Celebração da IDEA
Por José Gil
no Colégio do Espirito Santo –
Universidade de Évora
1. O poema teatro e mundo
No dia 12 de manhã, apresentámos
a intervenção “O MEU PAIS É O MEU CORPO” com o “pontapé de saída” da atriz e
diretora de Teatro, Rita Wenglorowius. Depois de apresentar os atuais Projetos
de Teatro Social, pelo Teatro Profissional e Comunitário Teatro Umano e do
Mestrado em Teatro Comunitário da Escola Superior de Teatro, do Instituto
Politécnico de Lisboa, lançou-se o mote para a nossa intervenção: “Se tu fosses
o Poema e o Teatro no mesmo mundo de todos aqueles em que vivemos.”
Retomámos ideias do mesmo
escritor na mesma obra e que nos serviram de indutores: “E se… a comunicação
numa cidade [como Lisboa] se tornasse tão intensa que provocasse uma saturação
de símbolos e significados na mente das pessoas? E se o mundo contemporâneo,
com as suas imagens [o nosso foco é o país dos viajantes que são o seu corpo em
viagem pelo mundo] e os seus slogans por todo o lado induzisse essa
saturação?!”
O nosso indutor ou isco chave — a
metáfora do pescador, do isco e do peixe — poderia aproximar-se de uma crónica
do descalabro. Do caos nasce a luz?
Os participantes eram da Sérvia,
da Finlândia, da Itália (Nápoles), do Uganda, da Áustria, da Alemanha, do Peru,
da Austrália e de Portugal (Chapitô, Umano - Lisboa, IPS Setúbal). Lançaram-se
logo nas palavras, escreveram nas folhas brancas ultrapassando as restrições habituais
em Oficinas de Escrita criativa (poesia e teatro) em todo o mundo. Recordamos e
registamos:
“na
cabeça amo mangas
como
um copo de água”
Winnie,
28 anos, Uganda (África). 28 anos
“o som do amor
quando
o ouvi
sentei-me
no chão
com
as minhas orelhas
comi
abacaxi”
Anónima,
26 anos, Áustria
“Águas
quentes
Dançam
dentro dos olhos
Se
me apaixono
E
sou uma mandarina
Sumarenta”
Lili,
61 anos, Peru
(América do Sul)
“Quando nado na água
Os
meus olhos
Perdem-se
por
Amor
Numa
árvore de
Mangas”
Davis,
26 anos, Uganda
(África)
“O
pêssego é amigo do fogo
Meus
olhos
Perdem-se
nele
Quando
morre
Queimado”
Salvatore, 54 anos, Itália (Nápoles)
“Rir (Alegria)
Com ouvido para ouvir
A risada d’água
A risada d’água
é refrescante
como a laranja”
como a laranja”
Tintti, 65 anos, Finlândia
“Meus dedos do pé estão queimando
De busca de paus
que eu estou cozinhando para
meu milagre wafes.
De busca de paus
que eu estou cozinhando para
meu milagre wafes.
Como wafes com a minha cabeça
já parece uma melancia
já parece uma melancia
Humor e confiança no amor
Faça-me ir”
Faça-me ir”
Aline, 31 anos, Alemanha
“Há morango nos meus olhos…
Isso é uma paixão
Que não pode ser lavada om água pura”
Jovana, 18 anos, Sérvia
“Meus olhos veem um vislumbre
De madeira de “swayina”
Suavemente no ar e na minha casa
De madeira de “swayina”
Suavemente no ar e na minha casa
cheios de gratidão”
Nina, 66 anos, Austrália (de origem italiana)
“Espero com todos os meus ouvidos
Então continue me perguntando
Então continue me perguntando
(…) enquanto estou na terra
por instantes a maçã
(,,,) nesta terra
por instantes a maçã
(,,,) nesta terra
Continuo me perguntando
Com todo o coração
Sobre a maçã (...)”
Com todo o coração
Sobre a maçã (...)”
Adriana, 65 anos, Países Baixos
“Seus olhos estavam olhando para a água no grande lago
enquanto fazia uma maçã,
enquanto fazia uma maçã,
(…) ela gosta do amor
que une o seu corpo”
que une o seu corpo”
Peppe, 31 anos, Itália
“os meus olhos são laranjas
De ar pleno de amor”
anónima, 42 anos, Portugal
Trabalhámos os poemas a partir de
imagens/indutores:
1. A fruta que mais gosta;
2. A parte do corpo preferida;
3. Um elemento da natureza (ar, fogo,
água, terra);
4. Uma emoção, um sentimento…
Os participantes/autores leram os
poemas e fizeram alterações em inglês e na sua língua materna e novamente em
inglês contando com a colaboração dos participantes estrangeiros com
conhecimentos de português. O português escrito foi contextualizado para lhe
dar a forma oral e performativa.
A seguir trabalhámos a recitação nas
várias línguas com atenção à postura, todos em pé, à respiração, à leitura em
voz alta com serenidade, o peso de cada palavra e de cada verso… iniciando-se a
improvisação gestual e em movimento que permitiram melhorar a interpretação e
partir para o segundo grande jogo.
2. Teatro é Repetição
O Teatro provoca diferença de
tradução e interpretação corporal. A proposta foi que cada participante contasse
com o corpo (gestos e movimentos e poucas palavras) a história mais terrível
que lhe contaram na sua infância. Poucas palavras, as necessárias à narração na
língua materna de cada um. Foi mantida a língua inglesa como língua veicular, de
forma a decifrar as mensagens, depois de intensa repetição e melhoria do gesto,
do movimento e da expressividade das contadoras de história tradicionais da África,
da Europa do Sul, da América do Sul, da Europa Central, do Norte ou do Leste,
da Austrália.
O Teatro deriva da ação da
improvisação do ensaio repetitivo e diferenciado:
1. Repetição
após repetição sempre diferente. Este é o grande prazer de fazer diariamente
teatro. Repetição com novos elementos. Repetição e diferença como nos fala
Gilles Deleuze;
2. “Um
conceito de diferença implica uma diferença que não é só entre duas coisas e
que não são mais do que uma simples diferença conceptual, é preciso ir até a
uma diferença infinita (teologia) e para uma razão simples (física). Qual são
as condições para constituir um conceito puro de diferença. Um conceito de
repetição implica uma repetição que não é só da mesma coisa do mesmo elemento.
As coisas é o elemento que supõe uma repetição mais profunda, rítmica. A arte
não é pesquisa de repetição, mas também de pensamento (Contracapa)”. (1)
3. Celebração
Tratando-se da Celebração 25ª da
IDEA, fizemos com fotos uma viagem rápida sobre alguns momentos do 3º Congresso
no Quénia, Lago Vitória onde estivemos com um Atelier Internacional “Flying
Like a Bird Over the Stage” (traduzimos neste momento por “Voando como um
pássaro por dentro do palco”) e incluímos no título chave desta investigação
que temos vindo a registar: “O meu país é o meu corpo” (projeto IPS-ESE). Através
da Alexandra Espigão, as fotos foram entregues ao Repositório Digital de
Memórias da IDEA. Foi a nossa pequena prenda aos 25 anos da IDEA.
Neste tipo de intervenções trabalha-se
sobre três níveis:
1. O
criador – o poeta, o bailarino, o encenador, o dramaturgo, o guionista;
2. O
instrumentista – o corpo como instrumento, a improvisação teatral, um instrumento
musical (por exemplo o cavaquinho) e a Voz (articulação, projeção, dicção);
3. O
espectador – levar as pessoas às salas de espetáculos e realizar debates
abertos e muitas vezes intervenções nos espetáculos pelos espectadores.
José Gil
14-7-2017
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