sexta-feira, 14 de julho de 2017

TEATRO POEMA NO MUNDO



“E se de repente as palavras desaparecessem dos livros? E se um camelo comesse as palavras todas e se transformasse num Atelier de Animação da Leitura e da Escrita de uma Biblioteca itinerante em todos estes desertos urbanos em que vivemos”

Trabalhámos uma ideia do escritor Rui Saramago em “A Escrita Efémera”. (Circulo de Leitores),

TEATRO POEMA NO MUNDO
25ª Celebração da IDEA
Por José Gil
no Colégio do Espirito Santo – Universidade de Évora





1. O poema teatro e mundo


No dia 12 de manhã, apresentámos a intervenção “O MEU PAIS É O MEU CORPO” com o “pontapé de saída” da atriz e diretora de Teatro, Rita Wenglorowius. Depois de apresentar os atuais Projetos de Teatro Social, pelo Teatro Profissional e Comunitário Teatro Umano e do Mestrado em Teatro Comunitário da Escola Superior de Teatro, do Instituto Politécnico de Lisboa, lançou-se o mote para a nossa intervenção: “Se tu fosses o Poema e o Teatro no mesmo mundo de todos aqueles em que vivemos.”
Retomámos ideias do mesmo escritor na mesma obra e que nos serviram de indutores: “E se… a comunicação numa cidade [como Lisboa] se tornasse tão intensa que provocasse uma saturação de símbolos e significados na mente das pessoas? E se o mundo contemporâneo, com as suas imagens [o nosso foco é o país dos viajantes que são o seu corpo em viagem pelo mundo] e os seus slogans por todo o lado induzisse essa saturação?!”
O nosso indutor ou isco chave — a metáfora do pescador, do isco e do peixe — poderia aproximar-se de uma crónica do descalabro. Do caos nasce a luz?
Os participantes eram da Sérvia, da Finlândia, da Itália (Nápoles), do Uganda, da Áustria, da Alemanha, do Peru, da Austrália e de Portugal (Chapitô, Umano - Lisboa, IPS Setúbal). Lançaram-se logo nas palavras, escreveram nas folhas brancas ultrapassando as restrições habituais em Oficinas de Escrita criativa (poesia e teatro) em todo o mundo. Recordamos e registamos:

“na cabeça amo mangas
como um copo de água”
Winnie, 28 anos, Uganda (África). 28 anos

 “o som do amor
quando o ouvi
sentei-me no chão
com as minhas orelhas
comi abacaxi”
Anónima, 26 anos, Áustria

“Águas quentes
Dançam dentro dos olhos
Se me apaixono
E sou uma mandarina
Sumarenta”
Lili, 61 anos, Peru (América do Sul)

 “Quando nado na água
Os meus olhos
Perdem-se por 
Amor
Numa árvore de
Mangas”
Davis, 26 anos, Uganda (África)

“O pêssego é amigo do fogo
Meus olhos
Perdem-se nele
Quando morre
Queimado”
Salvatore, 54 anos, Itália (Nápoles)

“Rir (Alegria)
Com ouvido para ouvir
A risada d’água 
é refrescante
como a laranja”
Tintti, 65 anos, Finlândia

 “Meus dedos do pé estão queimando
De busca de paus
que eu estou cozinhando para
meu milagre wafes.

Como wafes com a minha cabeça
já parece uma melancia

Humor e confiança no amor
Faça-me ir”
Aline, 31 anos, Alemanha

“Há morango nos meus olhos…
Isso é uma paixão
Que não pode ser lavada om água pura”
Jovana, 18 anos, Sérvia

“Meus olhos veem um vislumbre
De madeira de “swayina”
Suavemente no ar e na minha casa
 cheios de gratidão”
Nina, 66 anos, Austrália (de origem italiana)

“Espero com todos os meus ouvidos
Então continue me perguntando 
(…) enquanto estou na terra
por instantes a maçã
(,,,) nesta terra
Continuo me perguntando
Com todo o coração
Sobre a maçã (...)”
Adriana, 65 anos, Países Baixos

“Seus olhos estavam olhando para a água no grande lago
enquanto fazia uma maçã, 
(…) ela gosta do amor
que une o seu corpo”
Peppe, 31 anos, Itália

“os meus olhos são laranjas
De ar pleno de amor”
anónima, 42 anos, Portugal

Trabalhámos os poemas a partir de imagens/indutores:
        1. A fruta que mais gosta;
        2. A parte do corpo preferida;
        3. Um elemento da natureza (ar, fogo, água, terra);
        4. Uma emoção, um sentimento…
Os participantes/autores leram os poemas e fizeram alterações em inglês e na sua língua materna e novamente em inglês contando com a colaboração dos participantes estrangeiros com conhecimentos de português. O português escrito foi contextualizado para lhe dar a forma oral e performativa.
A seguir trabalhámos a recitação nas várias línguas com atenção à postura, todos em pé, à respiração, à leitura em voz alta com serenidade, o peso de cada palavra e de cada verso… iniciando-se a improvisação gestual e em movimento que permitiram melhorar a interpretação e partir para o segundo grande jogo.

2. Teatro é Repetição


O Teatro provoca diferença de tradução e interpretação corporal. A proposta foi que cada participante contasse com o corpo (gestos e movimentos e poucas palavras) a história mais terrível que lhe contaram na sua infância. Poucas palavras, as necessárias à narração na língua materna de cada um. Foi mantida a língua inglesa como língua veicular, de forma a decifrar as mensagens, depois de intensa repetição e melhoria do gesto, do movimento e da expressividade das contadoras de história tradicionais da África, da Europa do Sul, da América do Sul, da Europa Central, do Norte ou do Leste, da Austrália. 
O Teatro deriva da ação da improvisação do ensaio repetitivo e diferenciado:
1.       Repetição após repetição sempre diferente. Este é o grande prazer de fazer diariamente teatro. Repetição com novos elementos. Repetição e diferença como nos fala Gilles Deleuze;

2.       “Um conceito de diferença implica uma diferença que não é só entre duas coisas e que não são mais do que uma simples diferença conceptual, é preciso ir até a uma diferença infinita (teologia) e para uma razão simples (física). Qual são as condições para constituir um conceito puro de diferença. Um conceito de repetição implica uma repetição que não é só da mesma coisa do mesmo elemento. As coisas é o elemento que supõe uma repetição mais profunda, rítmica. A arte não é pesquisa de repetição, mas também de pensamento (Contracapa)”. (1)

3. Celebração
Tratando-se da Celebração 25ª da IDEA, fizemos com fotos uma viagem rápida sobre alguns momentos do 3º Congresso no Quénia, Lago Vitória onde estivemos com um Atelier Internacional “Flying Like a Bird Over the Stage” (traduzimos neste momento por “Voando como um pássaro por dentro do palco”) e incluímos no título chave desta investigação que temos vindo a registar: “O meu país é o meu corpo” (projeto IPS-ESE). Através da Alexandra Espigão, as fotos foram entregues ao Repositório Digital de Memórias da IDEA. Foi a nossa pequena prenda aos 25 anos da IDEA.
Neste tipo de intervenções trabalha-se sobre três níveis:
1.       O criador – o poeta, o bailarino, o encenador, o dramaturgo, o guionista;
2.       O instrumentista – o corpo como instrumento, a improvisação teatral, um instrumento musical (por exemplo o cavaquinho) e a Voz (articulação, projeção, dicção);
3.       O espectador – levar as pessoas às salas de espetáculos e realizar debates abertos e muitas vezes intervenções nos espetáculos pelos espectadores.

José Gil
14-7-2017

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