quinta-feira, 6 de julho de 2017

AROUCA GEOPARK



Miguel Boieiro
Julho/2017

Por iniciativa do amigo Fernando Brioso que organizou e dirigiu excelentemente a digressão às terras de Arouca, foi-nos possível visitar calmamente uma das regiões mais fascinantes do nosso País, prenhe de encantos paisagísticos e curiosidades geológicas. Avisa-se, desde já, que não é intenção deste escriba apresentar um relato rigoroso e completo do que nos foi dado apreciar. Seria impossível, por inépcia, descrever todas as sensações obtidas nas visitas efetuadas à Casa das Pedras Parideiras, na aldeia da Castanheira, à Frecha da Mizarela, ao Pico do Gralheiro da Serra da Freita (Radar Meteorológico de Arouca) e aos Passadiços do Paiva e, já agora, também ao riquíssimo Mosteiro de Arouca. Ficam apenas meros lamirés de botânica do que fomos enxergando ao longo de dois dias, para aguçar apetites. Quem, porventura, quiser saber mais detalhes, que busque, pois há bastante documentação histórica e científica sobre a região, com exceção, talvez, no tocante à flora.
O que me leva a escrever é somente a vontade de registar determinados aspetos botânicos que, despreocupadamente, fui anotando no meu caderninho, enquanto caminhava. Não é, nem poderia ser, uma lista exaustiva de conteúdo científico. Ela deve ser entendida como algo de pessoal que sensibilizou o cronista no que à biologia vegetal diz respeito. O que se relata poderá despertar interesse nos leitores com motivação sobre o tema. Para outros, tal descrição será talvez enfadonha de mais. A esses peço desculpas pelo tempo que possam perder. Englobo também nessas desculpas os biólogos encartados pelo atrevimento deste sapateiro que pretende ir além da chinela e almeja tocar rabecão.
O primeiro panorama que se divisa recorda inapelavelmente os terríveis incêndios ocorridos no ano transato que devastaram muitos hectares de pinheiros e eucaliptos da Serra da Freita. Na negrura dos solos vêem-se agora os rebentos verde-azulados que brotam das touças dos eucaliptos queimados e o nascimento de acácias cujas sementes são pirófilas. Aqui e ali, apenas alguns sobreiros isolados com a cortiça enegrecida, a qual os protegeu do fogo. 
O cruzamento de terrenos xistosos com graníticos e as escorrências das águas que descem as montanhas proporcionam a existência de uma vegetação muito rica e diversificada, mormente nas margens do Paiva. Foi pena não termos detetado qualquer publicação editada pela Câmara Municipal ou pelo Geopark que abordasse exaustivamente as plantas interessantes que bordejam os Passadiços. Eis as que me saltaram à vista desarmada:
- Dedaleira (Digitalis lanata) – É uma espécie característica dos solos ácidos. Altamente venenosa contém, no entanto, valiosos princípios ativos para tratar doenças do coração.
- Fitolaca (Phytolacca decandra) – Proveniente da América do Norte. Esta planta surge por todo o lado no nosso País. Crê-se que são os pássaros que ingerem os frutos, expelindo as sementes que resistem ao trato intestinal sem se degradarem. Atenção: é venenosa para os humanos, apenas se pode usar externamente como planta medicinal!
- Espinheiro-alvar (Crataegus monogyna) – Arbusto encontrado em grande quantidade e também relevante para tratar doenças do coração.
- Murta (Myrtus communis) – Outra planta lindíssima, ornamental e medicinal. Alguns exemplares ainda se encontravam floridos, outros já apresentavam os frutinhos.
- Urze branca (Erica arborea)
- Queiró (Erica umbellata). As urzes são plantas melíferas muito apreciadas que aqui se mantêm alegremente floridas no início do verão.
- Carqueja (Pterospartum tridentatum). As carquejas possuem raízes muito vigorosas que lhes permitem resistir ao fogo. Aguentam bem a falta de água e encontram-se nas vertentes e cumes das montanhas. No Pico do Gralheiro praticamente só se veem carquejas a despontar do solo queimado.
- Maceróvia-pedunculata (Anarrhinum longipedicellatum). Estas graciosas plantas, um pouco raras, alegram o percurso dos Passadiços com as suas minúsculas flores azuis pediceladas.
- Arenária (Arenaria montana). As arenárias formam um manto florido com as suas pequenas flores brancas.
- Uva-de-gato (Sedum hirsutum)
- Arroz-dos-muros (Sedum brevifolium). O género Sedum, caracterizado por formar pequenos tapetes agarrados aos rochedos, possui valias medicinais.
- Hyacinthoides paivae. Trata-se de uma Asparagaceae endémica da região. Curiosamente a designação latinizada “paivae” não se refere ao rio Paiva, como logicamente poderíamos supor. O nome provém duma homenagem ao eminente botânico e professor da Universidade de Coimbra, Jorge Paiva.
- Lavatera (lavatera sps). Linda e delicada malvácea.
- Fel-da-terra (Centaurium sps). Planta medicinal muito amarga. Basta provar uma folhinha para o comprovarmos.
- Milfurada (Hypericum androsaemum). Outra valiosa planta medicinal.
- Saramago-das-rochas (Murbeckiella sousae). Eis mais uma planta endógena da família das Brassicacea. A sua flor é branca.
- Rúcula (Eruca sps). Foi a planta que mais me surpreendeu ao longo do percurso de 10 km pelos Passadiços do Paiva. Encontra-se em maior profusão na zona apelidada de Garganta do Paiva (a mais difícil de trepar). É uma interessante crucífera com folhas mais largas do que a Eruca sativa e com menos componentes sulfurados. Assim nos pareceu depois de a degustarmos.
Sem mais delongas, acrescento a seguir algumas árvores e arbustos mais conhecidos, encontrados no caminho:
- Loureiro (Laurus nobilis)
- Gilbardeira (Ruscus aculeatus)
- Lódão (Celtis australis)
- Amieiro (Alnus glutinosa)
- Freixo (Fraxinus angustifolia)
- Sabugueiro (Sambucus nigra)
- Castanheiro (Castanea sativa)
- Salgueiro (Salix alba)
- Pinheiro-bravo (Pinus pinaster)
- Carvalho-negral (Quercus pyrenaica)
- Carvalho-alvarinho (Quercus robur)
- Sobreiro (Quercus suber)
- Medronheiro (arbutus unedo)
Algo relevante foi também a complexa rede de fungos, líquenes e musgos cravados nos rochedos graníticos ou nos troncos das árvores mais robustas. Entre todos quero apenas destacar o feto-real (Osmunda regalis) e o avencão (Asplenium trichomanes).
Previne-se a terminar, que esta listagem de plantas observadas por um simples amador fascinado pela botânica, peca por ser deveras incompleta e conterá provavelmente alguns erros. Despertar curiosidades e estimular a observação da natureza constitui o fito principal desta singela croniqueta.

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