sábado, 23 de abril de 2022

Paulo Landeck, ao Dia da Terra

FLOR DAS MARÉS

Semeada ao vento
Foge a linda caligrafia
do bloco de notas.
Afasto-me,
assim que vislumbro
fórmula da equação,
como quem conta sílabas poéticas;
Porque alto voam patos-bravos,
e no solo ao longe pastam cavalos,
nas primaveris relvas miudinhas
junto ao canavial.
O poeta procura corrente nos esteiros,
que trazem alfaces e bodelhas;
esgueira-se por entre salicórnias e gramatas,
e destaca halófila escrita na paisagem,
pois das marés dependem
plantas marginais...
mesmo as que choram excessivo sal,
de oceano em flor.
No prado molhado de ásteres e bastardas madorneiras
reinam as cores da lavanda-do-mar.
Estevas e murtas aguardam noutro patamar.
Na cara, sinto a suavidade de um não.
Não fogem à sorte dos trevos
copiosas gramíneas,
há ovelhas que ruminam ao passar.
Fecho olhos e peço desejos.
Algo parece crepitar
na renovada verdura,
ao passo que folhas de zinco arrombam sonoridades
e velhas portas de madeira
ao barracão abandonado.
Pressagiada dor: plástico no caminho
Fere quem olha ao sentimento.
Queimo incensos e penduro ramos à proa,
para melhor sorte o mundo navegar.
Ao volver a casa
das margens salgadas
dançam papoilas…
em sangue vivo,
de poesia!
(Estuário do Tejo, Dia da Terra de 2022)

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