LÍNGUA E LINGUAGEM
ORIGEM CONVENCIONAL OU NÃO CONVENCIONAL DA LÍNGUA
"O Deus eterno formou de terra todos os animais dos campos e todas as aves do céu, trazendo-os à presença de Adão para que Adão visse como Ele os nomearia e para que todo o nome que Adão viesse a dar a cada ser fosse o seu verdadeiro nome" (Génesis II - 19,20)
"A minha pátria é a língua portuguesa" (Fernando Pessoa)
Língua e linguagem não são a mesma realidade: A língua é um
código constituído por um conjunto de símbolos; a linguagem é a utilização oral
ou escrita desse código durante o processo de comunicação. Assim, a linguagem
apoia-se na língua. Mas esta, do ponto
de vista da maior parte dos linguistas do nosso tempo, tem apenas uma origem
convencional. Por isso, Pierre Guiraud afirma num dos seus livros sobre
'Semântica' que um dos postulados da linguística moderna é o facto da língua
constituir uma série de símbolos arbitrários, 'não existindo qualquer relação
natural entre o nome e o objecto nomeado'. Será, portanto, em virtude de uma
relação meramente convencional que as palavras "cavalo",
"cheval", 'horse' ou 'pferd' designam o mesmo animal. Mas será mesmo
assim? Não pensam desse modo os que defendem a origem transcendente da língua.
Alguns fundamentam-se na Tradição bíblica, segundo a qual (atente-se na citação
acima apresentada), "Deus determinou que fosse atribuído a cada ser, não
um nome qualquer, mas o seu 'nome' (1)
verdadeiro". E é interessante constatar que já vem de há muito tempo essa controvérsia: Assim, entre os
defensores da formação arbitrária das palavras, destacamos Demócrito e
Aristóteles, sendo um dos seus principais argumentos (que ainda o é no nosso
tempo) que se a formação das palavras não fosse arbitrária, existia apenas uma
única língua. Mas entre os defensores da origem sagrada da língua, citamos
Heraclito, Sócrates, Pitágoras e Platão, segundo os quais, os primeiros homens,
dotados de linguagem, teriam, graças à sua intuição, atribuído os nomes em
conformidade com a realidade intrínseca dos seres.
No entanto, a questão parece longe de estar resolvida. E tudo o que diz respeito ao segredo das 'palavras', assume especial importância, a partir do momento em que se reconhece que as línguas, apesar da sua diversidade, se formam e evoluem segundo um processo natural, expressando a psicologia e a história de cada povo. Foi certamente o que Fernando Pessoa revelou, quando afirmou que "a sua pátria era a língua portuguesa". Não estava a pensar somente na origem 'convencional' da nossa língua. Pois, ainda que se não deva excluir uma certa arbitrariedade na sua formação, há, com certeza, outra realidade mais profunda por detrás, e para além de tudo isso..
(1)
Note-se que 'nome' (do lat. 'nomen') significava
propriamente a "essência" de um ser.
José Flórido, 4.9.2022
Comentário:
Luis Santos
Querido Amigo, vamo-nos permitir pensar em voz alta a partir
das suas belíssimas palavras, por isso, perdoe as banalidades das perguntas que
o seguem:
Trouxe-nos à memória um livro de há muito tempo que tem como
título "A Escrita começa na Suméria". Não fazemos ideia da sua
veracidade, mas faz pensar entre a expressão oral (linguagem) e a expressão
escrita (língua), sendo provável que esta se tenha desenvolvido a partir
daquela, na múltipla, imensa, diversidade linguística que conhecemos, na Torre
de Babel.
Vem-nos também à memória o latim (e também a flor do lácio,
a bela designação do poeta Olva Bilac sobre o ramo do latim donde terá derivado
a Língua Portuguesa), hoje uma língua morta, mas também o sânscrito e as
linguagens védicas somente na sua expressão oral, antes de terem forma escrita,
talvez raiz mais funda das línguas indo-europeias... claro que o latim
instituído no império romano lhe é posterior, mas, pergunte-se, donde vem o
latim?
Situamo-nos, depois, no Velho Testamento "no início era
o Verbo", ou seja, o som que, posteriormente, ganharia forma escrita. O
som criador, o Verbo capaz de criar os céus e a terra. E naturalmente
pergunta-se: será que a língua escrita alguma vez Lhe conseguiu equivaler-se?
Ou, por outro lado, será que a Pátria do nosso querido poeta, a Língua
Portuguesa, outrora língua franca no Índico, herança templária, alguma vez se
Lhe tenha aproximado? Certamente tentou, agora que tenha conseguido lá chegar,
duvida-se, não acha? Mas É a Hora.
A PALAVRA E O CONHECIMENTO SECRETO
"No princípio era o Verbo... " (João, 1, 1-4).
"No princípio era Brahma e com Ele estava "Vâk", a Palavra" ( dizem os textos védicos).
"O Verbo é chamado no Islão, "Kalimat Allâh"
(a Palavra de Deus)
.
Como complemento de uma Reflexão anterior sobre a
controvérsia entre o convencionalismo ou não convencionalismo da Língua, onde
se põe em questão se existe ou não existe uma relação natural entre o nome e o
objecto nomeado, transcrevemos este texto:
"Todas as tradições primitivas, gnósticas ou cabalistas
ensinam que há um nome supremo, chave de todas as coisas, mas, também, que cada
coisa e cada criatura possuem o seu verdadeiro nome em que se acha contida e
expressa a sua natureza essencial, a sua situação e o seu papel na harmonia
universal. Esta ideia está presente nas antigas civilizações. Conserva-se
secreto o verdadeiro nome de Roma e dizia-se que Cartago fora destruída quando
os romanos, por traição, ficaram a conhecer o seu nome oculto".
(...)
A linguagem é uma substância e uma força material, concebida
não como uma evasão mental, uma operação abstracta, mas sim como um elemento do
corpo e da natureza. Do mesmo modo que o espírito e a matéria, o significante e
o significado confundem-se na unidade.
Desta maneira, a maioria dos sistemas mágicos baseia-se no tratamento da palavra considerada como força realmente actuante. Existem palavras secretas, demasiadamente poderosas para serem manejadas pelos não iniciados e sobre as quais pesam interdições, como há palavras que constituem instrumentos operacionais da encantação e do exorcismo," (Louis Pawels, Jacques Bergier - "O Homem Eterno").
Este assunto, embora pareça de somenos importância para a
generalidade das pessoas, representa, quanto a nós, uma questão fundamental,
que exige um estudo profundo. Aquilo que, à primeira vista, parece não
significar mais do que um entretenimento intelectual, pode, como neste caso,
ser responsável pelo processo de degenerescência em que se encontra a sociedade
moderna. Despertemos.
José Flórido
5.9.2022
Luís Santos
Será que esse(s) "nome(s) supremo(s), chave de todas as coisas", essas vibrações, ritmos, sons, esses mantras(?), "essas reentrâncias que se inscrevem no ar", podem ter plena correspondência entre tradição oral e escrita? Será que é neste sentido que se deve interpretar "a minha pátria é a Língua Portuguesa"?
José Flórido
É uma observação muito pertinente. E a minha
opinião talvez seja esta: Se há uma razão transcendente no facto da' minha
Pátria ser a Língua portuguesa', então, esse nome supremo tem de estar presente
nessa verdade. Mas, oportunamente, regressaremos a este tema... Abraço.
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