quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Textos de José Flórido

 

LÍNGUA E LINGUAGEM

ORIGEM CONVENCIONAL OU NÃO CONVENCIONAL DA LÍNGUA


"O Deus eterno formou de terra todos os animais dos campos e todas as aves do céu, trazendo-os à presença de Adão para que Adão visse como Ele os nomearia e para que todo o nome que Adão viesse a dar a cada ser fosse o seu verdadeiro nome" (Génesis II - 19,20)

"A minha pátria é a língua portuguesa" (Fernando Pessoa)


Língua e linguagem não são a mesma realidade: A língua é um código constituído por um conjunto de símbolos; a linguagem é a utilização oral ou escrita desse código durante o processo de comunicação. Assim, a linguagem apoia-se na língua.  Mas esta, do ponto de vista da maior parte dos linguistas do nosso tempo, tem apenas uma origem convencional. Por isso, Pierre Guiraud afirma num dos seus livros sobre 'Semântica' que um dos postulados da linguística moderna é o facto da língua constituir uma série de símbolos arbitrários, 'não existindo qualquer relação natural entre o nome e o objecto nomeado'. Será, portanto, em virtude de uma relação meramente convencional que as palavras "cavalo", "cheval", 'horse' ou 'pferd' designam o mesmo animal. Mas será mesmo assim? Não pensam desse modo os que defendem a origem transcendente da língua. Alguns fundamentam-se na Tradição bíblica, segundo a qual (atente-se na citação acima apresentada), "Deus determinou que fosse atribuído a cada ser, não um  nome qualquer, mas o seu 'nome' (1) verdadeiro". E é interessante constatar que já vem de há muito  tempo essa controvérsia: Assim, entre os defensores da formação arbitrária das palavras, destacamos Demócrito e Aristóteles, sendo um dos seus principais argumentos (que ainda o é no nosso tempo) que se a formação das palavras não fosse arbitrária, existia apenas uma única língua. Mas entre os defensores da origem sagrada da língua, citamos Heraclito, Sócrates, Pitágoras e Platão, segundo os quais, os primeiros homens, dotados de linguagem, teriam, graças à sua intuição, atribuído os nomes em conformidade com a realidade intrínseca dos seres.

No entanto, a questão parece longe de estar resolvida. E tudo o que diz respeito ao segredo das 'palavras',  assume especial importância, a partir do momento em que se reconhece que as línguas, apesar da sua diversidade, se formam e evoluem segundo um processo  natural, expressando a psicologia e a história de cada povo. Foi certamente o que  Fernando Pessoa revelou, quando afirmou que "a sua pátria era a língua portuguesa". Não estava a pensar somente na origem 'convencional' da nossa língua. Pois, ainda que se não deva excluir uma certa arbitrariedade na sua formação, há, com certeza, outra realidade mais profunda por detrás, e para além de tudo isso..      

(1)   Note-se que 'nome' (do lat. 'nomen') significava propriamente a "essência" de um ser.

José Flórido, 4.9.2022


Comentário:

Luis Santos

Querido Amigo, vamo-nos permitir pensar em voz alta a partir das suas belíssimas palavras, por isso, perdoe as banalidades das perguntas que o seguem:

Trouxe-nos à memória um livro de há muito tempo que tem como título "A Escrita começa na Suméria". Não fazemos ideia da sua veracidade, mas faz pensar entre a expressão oral (linguagem) e a expressão escrita (língua), sendo provável que esta se tenha desenvolvido a partir daquela, na múltipla, imensa, diversidade linguística que conhecemos, na Torre de Babel.

Vem-nos também à memória o latim (e também a flor do lácio, a bela designação do poeta Olva Bilac sobre o ramo do latim donde terá derivado a Língua Portuguesa), hoje uma língua morta, mas também o sânscrito e as linguagens védicas somente na sua expressão oral, antes de terem forma escrita, talvez raiz mais funda das línguas indo-europeias... claro que o latim instituído no império romano lhe é posterior, mas, pergunte-se, donde vem o latim?

Situamo-nos, depois, no Velho Testamento "no início era o Verbo", ou seja, o som que, posteriormente, ganharia forma escrita. O som criador, o Verbo capaz de criar os céus e a terra. E naturalmente pergunta-se: será que a língua escrita alguma vez Lhe conseguiu equivaler-se? Ou, por outro lado, será que a Pátria do nosso querido poeta, a Língua Portuguesa, outrora língua franca no Índico, herança templária, alguma vez se Lhe tenha aproximado? Certamente tentou, agora que tenha conseguido lá chegar, duvida-se, não acha? Mas É a Hora.

 

A PALAVRA E O CONHECIMENTO SECRETO


"No princípio era o Verbo... " (João, 1, 1-4).

"No princípio era Brahma e com Ele estava "Vâk", a Palavra" ( dizem os textos védicos).

"O Verbo é chamado no Islão, "Kalimat Allâh" (a Palavra de Deus)

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Como complemento de uma Reflexão anterior sobre a controvérsia entre o convencionalismo ou não convencionalismo da Língua, onde se põe em questão se existe ou não existe uma relação natural entre o nome e o objecto nomeado, transcrevemos este texto:

"Todas as tradições primitivas, gnósticas ou cabalistas ensinam que há um nome supremo, chave de todas as coisas, mas, também, que cada coisa e cada criatura possuem o seu verdadeiro nome em que se acha contida e expressa a sua natureza essencial, a sua situação e o seu papel na harmonia universal. Esta ideia está presente nas antigas civilizações. Conserva-se secreto o verdadeiro nome de Roma e dizia-se que Cartago fora destruída quando os romanos, por traição, ficaram a conhecer o seu nome oculto".

(...)

A linguagem é uma substância e uma força material, concebida não como uma evasão mental, uma operação abstracta, mas sim como um elemento do corpo e da natureza. Do mesmo modo que o espírito e a matéria, o significante e o significado  confundem-se na unidade.

Desta maneira, a maioria dos sistemas mágicos baseia-se no tratamento da palavra considerada como força realmente actuante. Existem palavras secretas, demasiadamente poderosas para serem manejadas pelos não iniciados e sobre as quais pesam interdições, como há palavras que constituem instrumentos operacionais da encantação e do exorcismo," (Louis Pawels, Jacques Bergier - "O Homem Eterno").

Este assunto, embora pareça de somenos importância para a generalidade das pessoas, representa, quanto a nós, uma questão fundamental, que exige um estudo profundo. Aquilo que, à primeira vista, parece não significar mais do que um entretenimento intelectual, pode, como neste caso, ser responsável pelo processo de degenerescência em que se encontra a sociedade moderna. Despertemos.

José Flórido
5.9.2022

 

Comentários:

Luís Santos

Será que esse(s) "nome(s) supremo(s), chave de todas as coisas", essas vibrações, ritmos, sons, esses mantras(?), "essas reentrâncias que se inscrevem no ar", podem ter plena correspondência entre tradição oral e escrita? Será que é neste sentido que se deve interpretar "a minha pátria é a Língua Portuguesa"? 

José Flórido

É uma observação muito pertinente. E a minha opinião talvez seja esta: Se há uma razão transcendente no facto da' minha Pátria ser a Língua portuguesa', então, esse nome supremo tem de estar presente nessa verdade. Mas, oportunamente, regressaremos a este tema... Abraço.

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