quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Mural da História

 por Luís Santos

OUTONAIS

Ainda há pouco, quando fui comprar o pão nosso de cada dia, dei com uma conversa de circunstância entre vizinhos, sobre um conflito primário que se lhes relacionava e, pensei eu com os meus botões, certamente de forma algo injusta, tratarem-se de pessoas com um qualquer tipo de ligação à azáfama de coisas mais básicas que durante o resto do dia ficam ligados nos crimes do “correio da manhã tv” que, como se sabe, a julgar pelo elevado “share” das audiências, é um dos canais que determinam a representatividade política da nossa jovem democracia. E, de repente, pelo meio do ruído que ecoava pelas paredes da padaria, sem olhar a quem, de forma inesperada e em jeito conclusivo, saiu-se assim: “deixe lá, o universo sempre acaba por pôr as coisas no seu lugar”.

Mural da história: Tão evidentes que são os limites da nossa natureza e, ao mesmo tempo, tão ilimitados. 

UMA FAMÍLIA DO NEPAL

Ontem numa turma que junta estudantes de dois cursos de licenciatura, "Comunicação Social" e "Tradução e Interpretação da Língua Gestual Portuguesa", falámos de estudos antropológicos sobre a organização da família em vários povos espalhados pelo mundo.

Nesses estudos, fizémos referência ao que se chama de monogamia, bigamia, poligamia e poliandria. De forma simplificada, chama-se de monogamia quando uma união familiar junta um homem e uma mulher; de poligamia quando um homem vive maritalmente com duas ou mais mulheres; e de poliandria quando uma mulher casa com vários homens.

O primeiro caso faz regra um pouco por todo o mundo ocidental; o segundo caso é muito frequente no continente africano; o terceiro caso encontra-se em países da Ásia.

Na foto, uma mulher do Nepal com seus três maridos.

Mural da história: As sociedades humanas caracterizam-se, de facto, por uma grande diversidade cultural nas múltiplas formas em que se organizam.


terça-feira, 29 de outubro de 2024

Vítor Moinhos

 



Vítor Moinhos

Desfragmentação

100x80

Acrílico sobre tela


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Do Diário de Vida de Raul Iturra


 

Noite Irritante


Quando chega a noite, Querido Diário, começa o meu eterno problema:

 “Será que eu vou dormir ou não? Será que o meu colega de quarto vai dormir para eu dormir também?”

Tenho tido sucessivos colegas de quarto, como tenho narrado antes, cada um com feitios e preocupações diferentes. O meu primeiro colega foi o cego que gostava de ser chamado o “garanhão do lar” porque tinha seduzido várias senhoras, as velhinhas nossas colegas utentes que gostavam dele. Elas o disputavam aos murros entre elas, com uma certa cumplicidade minha para o advertir quando via “mouros na costa”, quer dizer os funcionários a vigiar comportamentos. Era um colega de quarto que mal me deixava dormir porque apesar de tanta atividade sedutora deitava-se cansado, adormecia e ressonava… Outro problema ao que me tive que habituar e…habituei-me!

Em toda a minha permanência no lar deitava-me cedo para acordar cedo. Comecei por me deitar às dezanove horas para acordar às quatro e quarenta e cinco. A minha esperança era poder adormecer a pensar na minha família distante e imaginar minhas filhas como pessoas queridas e sábias. O que eu não sabia era que este poder dormir cedo e acordar calmo era devido aos sedativos que me eram prescritos pela  minha descendente psicóloga clínica e tutora. Uma antiga médica do lar achou essa medicação excessiva e, com a sua sabedoria e a minha resiliência, ajudou-me a mudar a receita. Preferia eu com o seu apoio ser dono de mim e do meu pensamento. Elaborei uma estratégia para me controlar. O meu comprimido para dormir acabou e depois de vários dias a dormir pouco e mal, aprendi a descansar a noite toda: eu meditava sobre uma ideia e dava voltas e voltas a essa ideia até que essa cansativa reiteração aborrecia-me e adormecia, após ter feito uma respiração profunda de dez ou quinze inspirações e expirações de ar que tinha aprendido no yoga. O medo de não dormir, no entanto, estava sempre presente mas lembrava-me da dita médica, da sua simpatia, da sua gentileza, da sua amabilidade e essa lembrança acalmava-me, conseguia retornar ao meu pensamento e adormecia. A verdade, Querido Diário, é que o medo da insónia é duro, é pesado, amedronta. Sem a medicação instala-se esse estar calado a pensar nos problemas da vida quotidiana. É uma dor que não recomendo, é uma ansiedade que nos mantém despertos e gera um problema de convívio no dia seguinte; não podia queixar-me a ninguém porque arriscava-me a automáticamente  ser me receitado de novo o calmante para adormecer e me ser retirada essa liberdade de escolher o meu próprio comportamento. Viver a minha realidade, viver a minha escolha, que era o que eu pensava quando acordava no meio da noite. No meu pensamento estava sempre presente a minha aprendizagem ao longo da minha vida intelectual, quando estudei e escrevi sobre as idéias de Emmanuel Mounier, Jacques Maritain, Tomás de Aquino e Aristóteles. Essas ideias eram fruto do debate secular sobre predestinação e livre arbítrio que caracteriza tanto o oriente como o ocidente sobre o destino da humanidade. Era eu um entusiasta apoiante das ideias de Agostinho de Hipona, séc. IV, que defendia duramente que éramos livres para pensar e agir e assim salvar a nossa alma. Um destino que Jean Calvin de Genebra do séc XVI argumenta que a nossa salvação já estava pré-destinada. Salvar ou perder a alma para os que acreditam nela, um debate que leva mais de três mil anos na arena intelectual. Com esse debate e essas teorias no meu recordo durante noites irritantes, ia adormecendo enquanto assim fugia do lar em pensamento. Era essa uma questão que não inquietava os meus colegas utentes cujo livre arbítrio, tanto defendido para mim e para os outros, estavam perdidos na demência senil, no alzheimer e na obedência ao credo católico e nos calmantes administrados para passar a noite e não escarafunchar a paz do recinto chamado “casa de repouso”. Era um debate impossível num lar de não livre escolha; pensava eu enquanto arguía para adormecer com a predestinação calvinista e com a tese da igreja escocesa presbiteriana de condenação e o dito livre arbítrio dos católicos. Deus punia pelos tantos pecados cometidos durante a nossa vida  e nos lança para o inferno, essa delícia da chamada Santa Inquisição. Nem ideia tinham os meus meus queridos velhos desse secular debate, desse meu debate com os meus professores dominicanos, em que pensava enquanto pretendia adormecer, eu, homem sem crenças fazia já muito tempo. Assim ia cansando o meu pensamento e a minha mente, e, adormecia. Levemente lembrava-me que era um debate começado por mim aos meus 14 anos e que na noite irritante dos meus oitenta, ajudava-me a dominar a ansiedade que causava a insónia… livre, predestinado, livre, predestinado…e aparecia essa menina nua na minha cama e assim reparava que sonhava, quer dizer, dormia, sonhava, via as horas e reparava que tinham passado horas … santo céu!... sempre ia descansando. Tornava a pensar em Aristóteles  e a leitura desses livros proibidos feitas pelo dominicano Tomás de Aquino no séc XIII, que para não pecar tanto lia os escritos do árabe Averróis sobre Aristóteles…um sábio Islamico cujos textos iluminaram Aquino que por sua vez defende a minha apreciável liberdade de escolha…e ia eu pensando, nesse meio acordar, meio dormir da uma da manhã, o que vou eu dizer à minha amiga quando às cinco da manhã lhe envio a minha mensagem habitual no computador que uso no lar e com essa preocupação tão material e terrena tornava a adormecer…Uma motosserra a atroar  acordava me outra vez às três da manhã…era o ressonar do meu companheiro de quarto, o garanhão, ressonar profundo, duro, barulhento…dei-lhe um grito e calou-se mas entrou a funcionária da noite a pedir silêncio e com voz exacerbada…”Os senhores nem me deixam descansar no turno da noite, gritam tanto”. Pensei que não era bom rispostar, o que me iria criar outra causa de insônia, e assim deixar a funcionária da noite dormir no seu turno… ainda eram três e meia da madrugada. Era possível dormir um pouco…um par de horas…não se descansa…a aula acabava…havia palmas…eu corado fazia reverências como quando estrelava numa peça de teatro na minha juventude…era mais uma vez a funcionária da noite a bater as mãos “acordar, sair da cama!…”...não havia liberdade de escolha tomista…a funcionária não sabia disso, mas sabia que queria ir embora para casa, para dormir após um dia e uma noite de trabalho. Levantar todos os velhinhos às cinco da manhã permite-lhe sair às sete. Já não pensei mais estava descansado por ter conseguido dormir algumas horas,  podia ir escrever após o meu duche quotidiano e descrever no meu diário mais uma noite irritante com o medo da insónia que a dinamiza… e esperar a passagem do dia… para dormir no sofá e depois à noite voltar para a minha cama com esse típico medo da insónia numa casa que repousa com calmantes…santa paciência!


Professor Doutor Raul Iturra, Catedrático Emérito do ISCTE-IUL

Texto Editado por Claire Smith, Antropóloga


sábado, 12 de outubro de 2024

Coisas que se vêm da nossa janela

 por Luís Santos


Filho de muito boa gente, mas muito pouco dados às letras, ainda assim, puseram-me na escola paga logo aos 3 anos. Desconheço as razões porque o fizeram, mas fiquei de tal forma com o destino marcado que nunca mais de lá saí. No meio de inúmeras dificuldades e obstáculos, lá fui fazendo uma vida de Professor, faz muitos anos.

Quando ingressei na Universidade, tive como Professor um chileno, que fugia do golpe fascista de Pinochet, e acabou a coordenar licenciatura que eu fiz, enquanto já ia dando umas aulas que me garantia a almejada autonomia financeira.

Esse Professor, de seu nome Raul Angel Iturra, que veio do lugar chileno de Vale Paraíso, se bem me lembro, com doutoramento pelo meio feito em Cambridge, acabou também por presidir à Associação Portuguesa de Antropologia que, por seu convite, acabei por integrar durante dois biénios. Em resumo, aqui ficaram dez anos de vida que nos juntaram, o Doutor que veio do Chile e o filho de gente nada ligada à escola que, por ironia do destino, haveria de cair nas letras que tão pouco lhe diziam.

Hoje, o distinto Doutor que, entre-tanto, se tornou Professor catedrático, agora jubilado, depois de muitos anos de intervalo, tornou-se nosso colaborador neste pasquim digital que vamos mantendo por aqui, já faz quase década e meia. Assim, uma vez por mês, e de há meia dúzia de meses para cá, vai assinando uma rubrica que tem como título "Do Diário de Vida de Raul Iturra. A vida no Lar." E escreve o Professor de forma tão distinta, e tão esclarecida, pela farta experiência nas letras que a vida lhe deu, que nós vos recomendamos vivamente a ler.

 

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Quando interrogados sobre a última das verdades, os videntes védicos resumiam dizendo: “Eu sou o Universo”.

Ora, “ser tudo”, na nossa cultura é uma afirmação que não deixa de soar estranho, e a propósito até se conta a história de uma dama inglesa que ao visitar umas grutas na Índia onde yogis faziam as suas meditações, foi amavelmente recebida por um deles e, no fim da visita, ela disse-lhe:

- Talvez o senhor não costume sair daqui, mas eu gostaria muito de lhe mostrar Londres.

- Minha senhora – respondeu-lhe calmamente o yogui -, eu sou Londres.

 

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Não é fácil o Amor.

Faz já algum tempo, um PÁSSARO AZUL como numa aparição, pousou mesmo à nossa frente. Quando o passámos para poema, o extraordinário pintor, amigo, António Tapadinhas dedicou-lhe uma tela. Chamou-lhe "o pintor e o pássaro azul".

Janita Salomé, canta-autor que tem alguns irmãos ali para o Redondo, Alentejo, também deu nome de tal pássaro ao seu último album, basta ir no "you tube" e ouvir, por exemplo, "Tardes de Casablanca" ou "Não é Fácil o Amor", entre outras.

Pois bem, a belíssima pintura de que falamos é a que se vê. Deu capa a um livro de contos que chamámos "O Espírito dos Pássaros", tal como o dito cujo deu título a um dos contos que dele fazem parte.

O livrinho foi editado pela Bubok, uma editora espanhola de vendas on-line, mas o número de livros em papel impresso foi muito reduzido. Como também o editámos em formato digital, acessível a todos, aqui deixamos o endereço para alguém que tenha curiosidade em visitá-lo. Basta ir no seguinte endereço: http://oespiritodospassaros.blogspot.com

Tem fotografias muito bonitas e podem simplesmente correr o texto que não se vão arrepender. Trata-se de uma ave de BOA SORTE. BOAS VIAGENS.