terça-feira, 23 de abril de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Tenho imensa pena de não ter a disponibilidade que julgo seria a necessária para escrever este diário. 

Não é só o volume laboral que é muito e intransmissível que me tem retirado todo o espaço mental para, durante o dia, atentar em assuntos que aqui poderia tratar. São também as obras que nos têm feito viver no pó e desalinho que pesam na redução do tempo apropriado a que aqui me sente e registe o que me vai na mente. 

Acontece que não tenho alternativa e pesem embora todas as dificuldades e sacrifícios, tenho que aproveitar o curto silêncio que me separa das horas de sono a que vou buscar a curta possibilidade de dar corpo a este trabalho. 

E este não pediu para ser feito, é antes uma obrigação que assumi para com as minhas queridas filhas e, só por isso, jamais poderia deixar de o cumprir. E depois seria a minha própria obra literária que o exigiria uma vez que este se trata da última das unidades que constituem a minha experiência no domínio da diarística. 

Lamento pois que, por tudo isto, este exemplar possa não vir a ter o interesse dos anteriores, mas não poderia deixar de escrevê-lo. 



E os tempos que correm são tão deprimentes, tão monotonamente deprimentes. 


Em Portugal vive-se o futebol que está a ser usado pelos poderes como uma espécie de prozac social que sempre atenua as insuficiências do nosso bem estar colectivo. 

São horas a fio nas televisões e capas e interiores de jornais, como se o destino de um país estivesse dependente do resultado de um campeonato. 


E enquanto isso vamos perdendo tempo e dinheiro e desperdiçando ânimo para realizarmos as reformas de que necessitamos. 


Mas é a febre deste mês de Junho, é o Euro 2004 que, para mim, independentemente de ser ou não um sucesso organizativo e desportivo, será sempre o monumento à magnanimidade bacoca e provinciana. 

Construir dez estádios e respectivas acessibilidades e reconversões urbanísticas inerentes num país que não tem desporto escolar e muito menos recintos desportivos com campos relvados, havendo ainda com um bom número de estabelecimentos de ensino sem pavilhões gimno-desportivos, só por delírio poderíamos acreditar que tal fosse possível. Mas foi. E a nossa tragédia está na resposta ao porquê que nos diz tratar-se de um diktat que os barões da bola impuseram aos representantes do poder político. 

A verdade é que nem com muita imaginação conseguiremos construir um único argumento inteligente para justificarmos a organização de um evento como este, ainda mais nos moldes em que foi posto em prática. 
Se queríamos promover turisticamente o nosso território por via do desporto teria sido preferível organizar uns jogos olímpicos, cujas imagens de encerramento e abertura são vistas em todo o mundo que integra o espectro televisivo e que seria susceptível de atrair mais turismo de famílias que o futebol. 
Além disso até nem é verdade que seja nesta última modalidade que os portugueses conseguiram as proezas mais importantes. 
O hóquei em patins, por exemplo, é tanto a nível de clubes como de selecções muito mais galardoado que o futebol, sendo inclusivamente português aquele que é considerado o melhor jogador mundial de todos os tempos, o António Livramento de boa memória. 
O mesmo sucede com o atletismo onde temos campeões mundiais e olímpicos e igualmente uma atleta, Rosa Mota, que ainda hoje detém o maior currículo de títulos a nível mundial, tendo ganho todas as grandes provas que se efectuaram no estilo em que se especializou. 


Mas nós somos assim, jactantes e pelintras, não é verdade? 
E não dizem que os povos têm que apostar em algo que os possa distinguir? 
Pois bem, os nossos ilustres dirigentes escolheram o futebol. 

Bem, que outra coisa seria de esperar neste reino do homo maniatábilis? 



Ai este Vitorino, sempre em bicos de pés, o eterno candidato aos mais altos cargos internacionais. 

Consagrem-no rei das Berlengas e façam-lhe uma corte para ver se o homem se cala ou por outra, se a partir daí pode dar o seu parecer sobre tudo o que ao poder diz respeito a ver se, pelo menos, somos poupados aos tristes espectáculos de promoção de imagem de um carreirista. Assim como assim, temos que lhe pagar a vaidade e vê-lo posicionar-se e movimentar-se nos meandros das decisões. 

Pois o senhor Ferro Rodrigues, como grande desiderato político, desafia o primeiro-ministro a apoiar a candidatura do nosso comissário europeu à cadeira de Presidente da Comissão, como se para o nosso primeiro fosse plausível qualquer outra atitude que não a subscrição daquela propositura. Da maneira como as coisas se passaram, o ridículo cabe apenas ao bailarino. 



Darfur, África que chora com milhares de refugiados sudaneses que morrem de fome e doença, fugidos que são da fome e da doença e da guerra. 


E o mundo, a explodir no Médio Oriente, dando por nada. 


Estes tristes líderes ocidentais sem rasgo de asa que não souberam ganhar a Bósnia exemplo de mundo e se arriscam a perder-nos nos infernos das tiranias difusas e socialmente impostas por esconsos poderes. 


É tão monótono o cinzento dos dias que correm. 



Ontem e hoje houveram provas de avaliação, Matemática e Estudo do Meio. 



A noite segundo a melódica sabedoria dos King Crimson. 


Alhos Vedros 
  16/06/2004

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