Tenho imensa pena de não ter a disponibilidade que julgo seria a necessária para escrever este diário.
Não é só o volume laboral que é muito e intransmissível que me tem retirado todo o espaço mental para, durante o dia, atentar em assuntos que aqui poderia tratar. São também as obras que nos têm feito viver no pó e desalinho que pesam na redução do tempo apropriado a que aqui me sente e registe o que me vai na mente.
Acontece que não tenho alternativa e pesem embora todas as dificuldades e sacrifícios, tenho que aproveitar o curto silêncio que me separa das horas de sono a que vou buscar a curta possibilidade de dar corpo a este trabalho.
E este não pediu para ser feito, é antes uma obrigação que assumi para com as minhas queridas filhas e, só por isso, jamais poderia deixar de o cumprir. E depois seria a minha própria obra literária que o exigiria uma vez que este se trata da última das unidades que constituem a minha experiência no domínio da diarística.
Lamento pois que, por tudo isto, este exemplar possa não vir a ter o interesse dos anteriores, mas não poderia deixar de escrevê-lo.
E os tempos que correm são tão deprimentes, tão monotonamente deprimentes.
Em Portugal vive-se o futebol que está a ser usado pelos poderes como uma espécie de prozac social que sempre atenua as insuficiências do nosso bem estar colectivo.
São horas a fio nas televisões e capas e interiores de jornais, como se o destino de um país estivesse dependente do resultado de um campeonato.
E enquanto isso vamos perdendo tempo e dinheiro e desperdiçando ânimo para realizarmos as reformas de que necessitamos.
Mas é a febre deste mês de Junho, é o Euro 2004 que, para mim, independentemente de ser ou não um sucesso organizativo e desportivo, será sempre o monumento à magnanimidade bacoca e provinciana.
Construir dez estádios e respectivas acessibilidades e reconversões urbanísticas inerentes num país que não tem desporto escolar e muito menos recintos desportivos com campos relvados, havendo ainda com um bom número de estabelecimentos de ensino sem pavilhões gimno-desportivos, só por delírio poderíamos acreditar que tal fosse possível. Mas foi. E a nossa tragédia está na resposta ao porquê que nos diz tratar-se de um diktat que os barões da bola impuseram aos representantes do poder político.
A verdade é que nem com muita imaginação conseguiremos construir um único argumento inteligente para justificarmos a organização de um evento como este, ainda mais nos moldes em que foi posto em prática.
Se queríamos promover turisticamente o nosso território por via do desporto teria sido preferível organizar uns jogos olímpicos, cujas imagens de encerramento e abertura são vistas em todo o mundo que integra o espectro televisivo e que seria susceptível de atrair mais turismo de famílias que o futebol.
Além disso até nem é verdade que seja nesta última modalidade que os portugueses conseguiram as proezas mais importantes.
O hóquei em patins, por exemplo, é tanto a nível de clubes como de selecções muito mais galardoado que o futebol, sendo inclusivamente português aquele que é considerado o melhor jogador mundial de todos os tempos, o António Livramento de boa memória.
O mesmo sucede com o atletismo onde temos campeões mundiais e olímpicos e igualmente uma atleta, Rosa Mota, que ainda hoje detém o maior currículo de títulos a nível mundial, tendo ganho todas as grandes provas que se efectuaram no estilo em que se especializou.
Mas nós somos assim, jactantes e pelintras, não é verdade?
E não dizem que os povos têm que apostar em algo que os possa distinguir?
Pois bem, os nossos ilustres dirigentes escolheram o futebol.
Bem, que outra coisa seria de esperar neste reino do homo maniatábilis?
Ai este Vitorino, sempre em bicos de pés, o eterno candidato aos mais altos cargos internacionais.
Consagrem-no rei das Berlengas e façam-lhe uma corte para ver se o homem se cala ou por outra, se a partir daí pode dar o seu parecer sobre tudo o que ao poder diz respeito a ver se, pelo menos, somos poupados aos tristes espectáculos de promoção de imagem de um carreirista. Assim como assim, temos que lhe pagar a vaidade e vê-lo posicionar-se e movimentar-se nos meandros das decisões.
Pois o senhor Ferro Rodrigues, como grande desiderato político, desafia o primeiro-ministro a apoiar a candidatura do nosso comissário europeu à cadeira de Presidente da Comissão, como se para o nosso primeiro fosse plausível qualquer outra atitude que não a subscrição daquela propositura. Da maneira como as coisas se passaram, o ridículo cabe apenas ao bailarino.
Darfur, África que chora com milhares de refugiados sudaneses que morrem de fome e doença, fugidos que são da fome e da doença e da guerra.
E o mundo, a explodir no Médio Oriente, dando por nada.
Estes tristes líderes ocidentais sem rasgo de asa que não souberam ganhar a Bósnia exemplo de mundo e se arriscam a perder-nos nos infernos das tiranias difusas e socialmente impostas por esconsos poderes.
É tão monótono o cinzento dos dias que correm.
Ontem e hoje houveram provas de avaliação, Matemática e Estudo do Meio.
A noite segundo a melódica sabedoria dos King Crimson.
Alhos Vedros
16/06/2004
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