Luís Carlos dos Santos
Dar Voz ao Silêncio
Música de Palavras
VI. Da
crucifixação da Primavera
1º andamento
– uma marcha silenciosa e triste
Toda a natureza se trás contrariada
contraída e dobrada sob si própria
cinzentas as horas dos quarenta dias
porta de entrada de semana santa
que insiste e persiste no mau tempo
o frio que se estende nas flores
do vento que não cessa nas dores
das costas que rangem a humidade
das chuvas inesperadas pelas horas
de secas infinitas do mau augúrio
ainda se ouvem o arrastar das cruzes
da crucifixação dos justos abandonados
à sua sorte deixadas as gentes, inocentes
os abraços da fé na universal proclamação
da divina igualdade sob o brilho do sol
Contam-se por poucos dedos da mão
os ténues momentos em que os pés
se aqueceram quando o céu se abriu
em tempo a valer que Deu para ver
paraíso de budas, quinta dos Lóridos
logo a seguir outra vez o breu que deu
das lembranças de um céu que pesa
sobre as cabeças do ignorado amor
da dor, do sofrimento que se paga
do regresso da dívida da má ação
da roda da vida infinita que não pára
do paraíso dos maus sinais habituais
na rede social da impura banalidade
e da perca da sacralidade dos tempos
de uma áurea idade que tão tarda
Erguem-se as vozes no altíssimo tom
línguas de fogo entre o céu e a terra
preces que evitem a vil desmesura
do sacrifício nos pedidos de perdão
que trazem a natureza em agonia
adensam-se medonhas tempestades
encolhem-se ainda mais os corpos
rubros os olhos de sangue as lágrimas
os gritos e gemidos aflitos e infinitos
os coros de vestes pretas das velhas
mas o temporal vai ter de passar
levantem-se todas as ondas do mar
e o velho monstro hediondas trevas
do fundo dos abismos trespassado
no catavento de uma vela triangular
Sem comentários:
Enviar um comentário