Desacordos Ortogárficos
(Orto gárficos)
Francisco Gomes Amorim
Lembro muitas vezes algumas máximas, que são mesmo o máximo, como esta: “A estupidez humana é a única coisa que nos pode dar a noção de infinito”, segundo Ernest Renan.
Razão tinha também Alexis-Charles-Henri Clérel, o visconde de Tocqueville,quando terá dito que “Um Estado mal governado, em vez de reformas faz revoluções” !
Em relação ao Brasil, Venezuela, Equador, Angola e tantos, tantos, outros países atrasados, eu disse atrasados, estarão eternamente sujeitos à “lei” de Fialho de Almeida: “É lei inflexível que enquanto o povo for ignorante, a revolução será estéril” !
Parece já ter passado a febre da tão acesa discussão sobre o famigerado “Des-Acordo”, que teve acérrimos defensores do pode e do não pode, deve e não deve, enquanto, pelo meu lado, modesta e ignorantemente, decidi ficar pelo MEU acordo. Escrevo como sei, influenciado pelos meios em que vivi, e imagino que as pessoas que lêem o que escrevo compreendam, não só a escrita, como o pensamento do “escritor”.
Como por exemplo a palavra “zukumuna”, que deu origem a um blog que, por falta de leitores e/ou de paciência abandonei, palavra linda, de bela e forte sonoridade, de origem angolana, da língua Cokwe, ou Tchokwe, ou Quioco, ou... qualquer outra grafia que lhe queiram emprestar, e que significa:“arremessar, atirar ou lançar com força um pau ou coisa semelhante".
A ideia era malhar em tudo que me parecesse errado! Quixotismo.
A partir da premissa, do mútuo entendimento, creio que estamos todos de Acordo. Se alguém não estiver, é problema dela/dele.
Como todos também sabemos a língua é viva. Vivíssima. Na portuguesa entraram palavras de origem grega, celta, romana, germânica, árabe, hindu, africana, brasileira, inglesa e de outras bandas, e assim a partir do século XV o nosso vocabulário, de poucas dezenas de milhares de palavras, multiplicou por cinco ou seis a sua quantidade, devendo hoje em dia ser uma das mais ricas do mundo.
Mas o Brasil (desculpem-me de falar outra vez do Brasil!) parece estar empenhado em aumentar o vocabulário, não só em nomes próprios como em verbos, adjetivos, substantivos e, até em preposições, quando, desde há muito decidiu engolir uma destas, logo por azar ou premeditação a primeira: o “a”, o “a” mudo, a preposição.
Raros são os que, por exemplo, vão ao Rio. Onde vai? Vai o Rio! O póbrema (outro vocábulo interessante) é que se o Rio se vai... só pode ser por água abaixo, por descaso político ou acidente “natural”, para o que nos basta constatar que em 2016 houve só 5.033 homicídios, 93.955 roubos a transeuntes e 41.704 roubos de viaturas (só no Estado do Rio).
Não admira. Vejam só: a polícia deve a fornecedores, só do Rio, repetindo, R$ 523 milhões (uns cento e cinquenta milhões de €uros) e assim falta a gasolina para perseguir bandidos, dar manutenção às viaturas, etc. Por este andar o Rio está indo mesmo por água...
Mas também há quem more fora da cidade e decida ir “no Rio”, o que pressupõe que tenha transporte fluvial.
Está também a crescer um novo vocábulo interessante, que deve ter saído da recém casta de galfarros (consultar dicionário) que estão a pensar ocupar o vácuo político deixado pelos gatunos já julgados e pelos outros centos destes a julgar e meter na cadeia (se os tribunais não os “inocentarem”). São os prepostos novos pretendentes ao poder que se estão “empoderando”.
Traduzindo, uma vez que os dicionários ainda não tiveram nova edição: significa ganhar “poder”! Olha que vocábulo interessante. O “empoderamento” da nova gatunagem... orto-gárfica! Tem que ser. Os velhos donos do poder já estão todos empoeirados, e vão-se desempoderando!
Mas é sobretudo nos nomes próprios que o desacordo mais se faz sentir mais profundamente. Já não nascem mais Gabrielas! Agora são Gabrielles ou Gabriellys, de preferência com “y” em vez de “i”, não tem mais Mateus, mas Matheus, já não falando em Ambrísia Estilingue, na Defuntina, no Eradonclóbes ou Emanuelly, Marielle, Wilder, Eurides, e tantos outros que se exibem em todas as telas de Tv com os jogadores de futebol, como o Allison, o Weverton, e tantos outros. Lembro ainda uma garota que foi pedir um autógrafo ao grande mestre Ariano Suassuna e quando ele lhe perguntou o nome ele disse: Whaydja! Quando o Mestre lhe pediu para soletrar, ela não deixou de sublinhar que tinha um “dabeliú”, um “agá” e um “ipislão”. E era uma brasileira da mais pura raça!
Moral da história: para quê estarem os sábios da filologia e semântica a gastar as meninges para se fazer um acordo ortográfico?
Bobagem, né?
Para amenizar, aqui vão algumas palavras interessantes, de origem tupi. Espero que apreciem:
· Pare com este nhen-nhen-nhen. A expressão vem do verbo nhe’eng(falar, piar) e significa pare de ficar falando, de falar sem parar.
· O velho jogo de peteca, que é um pequeno saco cheio de areia ou serragem sobre o qual se prendem penas de aves, tem este nome devido ao verbo petek — golpear ou bater com a mão espalmada. É com a palma da mão que se joga o brinquedo.
· Velha coroca é uma velha resmungona. O termo nasceu do verbo kuruk, que significa resmungar.
· O verbo cutucar, em português, origina-se do tupi kutuk, cujo significado original — furar, espetar — modificou-se ligeiramente. Em português, cutucar é tocar com a mão ou com o pé.
Estar jururu é estar melancólico, tristonho, cabisbaixo. O termo indígenaaruru, de onde surgiu a palavra, tem o mesmo sentido.
· “Todo mundo tem pereba, só a bailarina que não tem”, diz uma música de Chico Buarque de Holanda. Pereba, do tupi, significa ferida.
· Várias palavras mantiveram pronúncia e significado praticamente originais: mingau (papa preparada geralmente com farinha de mandioca),capim, mirim (que significa pequeno) e socar (do verbo sok, com o mesmo significado).
· A expressão estar na pindaíba muito brasileiro conhece: significa estar em graves dificuldades financeiras. É uma expressão que vem das palavraspinda’yba — vara de pescar (pindá, isoladamente, significa anzol). Antigamente, quando a pobreza abatia as populações ribeirinhas, era comum tentar tirar a subsistência do rio, pescando para comer ou para vender o pescado. Segundo os pesquisadores, a expressão nasceu no período colonial brasileiro, em que o tupi em sua forma evoluída conhecida como “língua geral” era falado pela maioria dos brasileiros.
· A perereca recebe esse nome simplesmente porque ela pula. Vem do verbo pererek, pular, que é também a origem do Saci-Pererê que, por não ter uma perna, anda aos pulos.
E que tal estes termos de Angola:
· Cabeça de pungo – cabeçudo (aliás o peixe, pungo, é uma delícia. Quem se lembra?)
· Bugar – dizer mentiras
· Cuia – uma espécie de prato ou vaso feito de metade de um abóbora seca. Palavrada usada no tupi e em quimbundo!
· Cusunguluca – ser modesto. (Com esta palavra... quem o pode ser?)
Ou então se for a Moçambique e quiser uma bebida fresquinha, doce, peçanzizima (no norte, no sul maheu), se preferir cerveja, uma yovurya.
E sabem quantos nomes já encontrei, em Angola e Moçambique, para o instrumento que no Brasil é mais conhecido por berimbau?
Fica para a próxima.
Por hoje chega. Vamos pensar num acordo universal!
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