quarta-feira, 10 de maio de 2017

Diálogos Digitais a negro e azul na Construção da Perfomance “O meu país é o meu corpo”



“os meus seios têm o contorno das cerejas
acabadas de colher na primavera
do teu toque”(…) “voltei a viver!”

“vejo uma cereja na cor dos teus lábios
é nos teus lábios que já existe/fogo” (…) 
desenhado pelo traço / desenhado pelo tacto”

II Maré de Palavras, Biblioteca da Moita, Câmara Municipal, Escola Superior de Educação Instituto Politécnico de Setúbal

Por José Gil e Barbara Pollastri


1. 
Estes diálogos digitais implicam duas personagens para criar o novelo da narração dos dias de trabalho teatral. Criou-se A e N: A de Azul, N de Negro. Vamos iniciar o artigo pelos diálogos por SMS das últimas horas do último dia;

6-5-2017, 8h

A - … tem uma lanterna em sua casa? (19h38)
N - Começava o dia do primeiro ensaio com público a que chamamos Atelier/Performance. Estamos a trabalhar desde finais de fevereiro, início do 2º semestre adiado pelo incêndio na SAPEC, Mitrena.  Alguns trabalham há 4/5 semanas, desde os primeiros dias de março, com a Páscoa pelo meio. Alguns tem pequenos encontros semanais ou diálogos diários digitais.
N - Lanternas, A, não só fósforos e velas, vou levar fruta (cerejas, uvas sem grainha, pêssegos, maçã verde, morangos) estou no Mercado de Benfica. Abriu a banca da minha fruta preferida. Dia da claridade. (esta mensagem nunca chegou a A, ao entrar no carro que me conduziu a Biblioteca deixei cair o telemóvel e desligou-se durante umas horas).
Vou já no caminho, estação do Oriente (encontro com o Prof. de Coimbra ESE Rui Veloso e outra colega, Ponte Vasco da Gama, Montijo, Moita).
Sei que desde as 7h00 os estudantes vão nos transportes públicos de Sintra, Barreiro, Alcochete, Charneca da Caparica, Setúbal… Eu venho da Amadora e sei como são escassos os transportes ao sábado, mas sei que caminham “os meus andarilhos das sete partidas” (como dizia o dramaturgo de Almada Romeu Correia). Os estudantes já conhecem também CDA o poeta brasileiro mais famoso nas aulas de Drama “pode haver uma pedra no caminho” os jovens sabem e sabem tornear, sabem que um obstáculo pode ser uma nova e melhor oportunidade. Avancem, que eu vou já chegar, quero dizer… já não tenho telemóvel – eles já sabem que andar no palco como na rua treina-se andando de diversos modos. Eles sabem que são “atletas da afetividade”, como dizia Artaud, eles vão ganhando maturidade e reconhecem o respeito pela fronteira do corpo, da pele do outro e sabem que o tacto comunica uma mensagem digital da sua vida espiritual pura.

2. Pedagogos poetas - Os Bloqueadores da escrita

5-5-2017

A - Como nasce o encantamento da poesia? A alegria de encontrar o jovem poeta logo no primeiro poema, o jovem ator no primeiro percurso do palco, na voz difícil da primeira “deixa”.
N - Só escrevendo um poema de amor um poema a uma namorada. Podemos repetir indefinidamente Picasso “a criança nasce artista (poeta, ator) o pior é depois quando cresce. O que acontecerá no nosso desenvolvimento físico, escolar, sensorial, espiritual?

Há pelo menos cinco bloqueadores da escrita e de qualquer tipo de criatividade:
1 -          Professor, eu não escrevo sobre isso (vergonha);
2 -          Professor, eu não sou capaz (medo);
3 -          Professor, o poema, a representação ainda não está pronta, preciso de voltar a reescrever, só mais uma versão um novo ensaio amanhã e depois   (perfeccionismo);
4 -          Professor, se escrevo assim sobre esse assunto cai-me logo o mundo em cima   (culpa);
5 -          Professor, eu já escrevi muito, já escrevi muito eu sou muito melhor que os meus colegas (arrogância);
6 -          (…)

A – Professor, eu não gosto de poesia, para que é que isso serve, não gosto de me expor perante os outros, representar… Se os da outra turma vierem assistir, o nosso grupo não representa. (dicotomia humanidades/artes/ciências).
N – Professor, o sistema bloqueia. “A arte é força imanente/não se ensina não se aprende/não se compra não se vende/nasce e morre com a gente” Canta o povo!
A - Existem, contudo, professores de teatro e de escultura.
N - Até podemos acreditar e ver na televisão os jovens cantores, na internet crianças fazendo lindas esculturas na areia. Tocando piano e é verdade. São, contudo, exceções.
A - Será o talento...
N - Se houver talento e ambiente familiar culto e artístico pode facilitar ou dificultar. O trabalho teatral necessita de escola. “Ser no corpo, na voz” não é obra do acaso há professores de voz e corpo. E um artista tem que observar a realidade, escutar a sociedade, tomar posição, participar à medida que tem a curiosidade de conhecer, curiosidade eterna sem faixa etária.
Nós, na poesia, podemos criar sozinhos, mas também em grupo. O teatro é diferente. O teatro requer pelo menos duas pessoas: uma para representar, a outra para ver, sentir, compreender, debater.
Costumo transmitir aos estudantes que o teatro é sempre um coletivo. Não precisa de muita gente, mas de idades diferentes e experiências de vida diversificadas.
A - A arte deve entrar em nossas casas e escolas todos os dias, como o sol.

3. “O meu país é o meu corpo”

N - Na verdade o teatro faz-se e pode fazer-se em viagem em itinerância, apresentando espetáculos públicos em qualquer porto de abrigo. A escrita criativa, o nosso caderninho impresso ou digital, deve recolher as nossas observações diárias num momento de pausa em cada dia, pelo menos um. A maquina fotográfica, o Tablet ou o telemóvel também fazem parte da nossa mochila… quando vamos representar a um monte, uma escola isolada, uma fábrica, uma praça, um monumento.
A - Serão esses os indutores da expressão dramática, do teatro e da poesia informal.
N - O mais importante é o que transportamos e nos transporta o corpo - sono tranquilo
A - O professor está sempre a falar de corpo são e vida sã.
N - … e continuo. Não há criação sem concentração, meditação, respiração, natação, expressão corporal, dança todas as manhãs.
A - As crianças e os jovens, deficientes, também podem fazer teatro profissional?
N - Para mim é muito delicado falar desse assunto, todos sabem porquê. Como o professor médico pedo-pediatra de Coimbra Luís Borges temos que acabar com o dito “ensino especial”, não com os conteúdos, mas com a farsa burocrática envolvente. Não com os objetivos… Não gosto não quero falar sobre esse assunto. A constituição diz apenas: Educação pública para todos. Cumpra-se!

4.
 4-5-2017, 6h34

Acordo a pensar no Atelier. Desenharemos o nosso corpo, seremos desenhados, contornados com um marcador preto – o que fica no espaço em branco um país, um retângulo, um quadrado, uma ilha, uma península, um continente. E se quisermos sem nenhuma fronteira. O mesmo acontece quando crescemos com o respeito pela nossa pele, pelo toque respeitador, pelo tacto amigo. Atenção sempre a consciência ética do nosso corpo e a consciência da liberdade dos outros corpos que nos envolvem. A nossa liberdade acaba no momento em que interferimos com a liberdade do outro. Cuidado com as agressões. O corpo  é "autopoético" tem constituição aroma, sabor, poesia e teatralidade.

5. ATELIER

Pontos de partida
Escrever a parte do corpo que mais gostamos (lábios, olhos, coração, pé, joelho).
Escrever parte de uma fruta que muito desejamos.
Escrever uma palavra de amor e doçura.
Escrever sobre a nossa explosão na folha branca ou no ecrã do PC, do telemóvel.
Depois ler calmamente antes de voltar a escrever. Tratando-se de poemas para serem ditos, ler em voz alta e cortar artigos ou palavras que duficultam a recitação no palco e que não acrescentam nada a mensagem do poema.
Sabemos, por exemplo, que a “Ode Marítima” é bom para recitar (ouvir o ator João Grosso extraordinário). O Funcionário Cansado, o Cântico Negro o Ser poeta são poemas com musicalidade para recitar.
A - E as metáforas, as imagens devem ser simples para o espetador compreender em segundos.
N - Evitem as reticências o “e”, “mas”… a pontuação exagerada. O ator treinará a pontuação do poema com o encenador entre ritmo de respiração e tempo de escuta do espetador.

6. TEATRO UNIVERSITÁRIO-TEUC-CITAC-Cénico de Direito, TUP, Letras

A - Eu sei que o professor tem dúvidas sobre as atuais práticas universitárias no ensino superior e Universitário. 
N - Assunto interessante para outra altura, apenas uma questão estatística. Quando houve Bolonha a redução das Licenciaturas de 5 para 3 anos, como me disse um colega de escola há dias, perdeu-se 50% da carga horária do teatro nas Licenciaturas. Perdeu-se quase 50% do tempo de um estudante do ensino superior poder fazer de forma autónoma teatro ou outra manifestação artística. Será que depois de Bolonha continuarão a existir bons espetáculos do ensino superior com o TEUC, o CITAC, O Cénico de DIREITO, o T, Letras? Pensamentos soltos num momento em que nos devemos concentrar no ensaio da performance das vozes (quantos estudantes das ditas profissões da palavra fazem rastreios a saúde oral às cordas vocais, comunicadores, professores, performers?)

3-5-2017

- (são 15h15) ... respondo sentada na oficina à espera que me devolvam o carro
- Ok
- OK Tinha-me de facto enviado um SMS esta manhã
- e …
-… OK
-Já há inscrições e público e as pessoas já se podem inscrever até ao dia da Oficina. São as boas noticias da Biblioteca.
- Ótimo Ops... o carro está pronto... até logo...
- Até já!
Novamente em casa depois de compras, farmácia, roupa e loja chinesa (comprei fios de tecidos em vez do que de lã... cores marinhas azul/verde... (são 18h27) e …
(Continuando)
7. SINTESE DO GUIÃO OU MEMÓRIA DESCRITIVA CURTA
ATELIER/ OFICINA/Performance
“O meu país é o meu corpo”
José Gil/Barbara Pollastri
Abordagem de exercícios de Escrita Criativa e de treino de recitação a partir dos indutores:
1-         Imagens Lençóis Bordados e Sombras de Lourdes Castro. (vídeo)
2-         Tema dos Refugiados (conversa nossa baseada no tema e anunciando texto Os Indiferentes)
Desenvolvimento do Atelier/Oficina
A.     Jornais que cobrem o palco e parte da plateia, depende do número de participantes assim como plásticos, folhas brancas A4, esferográficas pretas. Noticias da atualidade, refugiados, América, França… Portugal.
B.     Frutas a decorar a boca de cena (gosto de fazer poemas comendo fruta e bebendo água sou conhecido como o poeta do amor e da gastronomia, à última da hora compradas e lavadas no Mercado de Benfica — Lisboa — boas cerejas do Fundão as primeiras deste ano, uvas sem grainha e muitos doces da Malveira, maçã verde, pêssegos maduros).
C.     Lençóis que cobrem os performers deitados no chão
A- Lourdes Castro Artista Plástica Portuguesa, Madeira – Funchal, 9 de Dezembro 1930) (imagens capturadas 7-5-2017) https://www.google.pt/search?q=Len%C3%A7ois+bordados+Lourdes+Castro&rlz=1C2OPRA_enPT577PT577&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwjhwpWGvd3TAhVLOxoKHeBoBuoQ7AkINA&biw=1366&bih=623 

N - Começamos os dois alternadamente por falar da grande pintora Lourdes Castro sublinhar o tema central da performance o amor a paz… o que é um país? Uma nação? Um estado? Uma região? Uma cultura? Um corpo? Os que continuam indiferentes a tudo… e aos refugiados que por causa da guerra perdem o seu país, naufragam junto ao mar. Alguns um número muito significativo de crianças, mulheres, velhas, homens perdem o corpo logo a vida no mar ou pelas forças de segurança.
N - A Barbara inicia a ideia de que não podemos ser indiferentes a esta catástrofe. A novas fronteiras.
A - “Inicia a ideia” em que sentido?
N - Todos temos as nossas fronteiras, o nosso país, o nosso corpo, a nossa pele, o nosso respeito pelo corpo dos outros, pelo tacto, pelo desejo.
A Barbara anuncia que vamos desenhar simbolicamente corpos nos lençóis de náufragos do séc. XXI à beira da Europa dita desenvolvida, humana e inclusiva. Depois desenham-se contornos de corpos com os lençóis ou os plásticos [o que houver]
A - Desenhar no sentido de contornar os que lá se deitam, certo?
N- Ok e ir falando sobre a música de Albinoni repetida Adágio e falar então sobre o enamoramento o amor entre as pessoas refugiadas, a ajuda, a flor da sua alegria e esperança em passar fronteiras, quebrar com sangue e paixão o arame farpado.
A - Com o vídeo… as imagens fortes. Os bloqueadores habituais da escrita (medo, culpa, vergonha, perfeccionismo, arrogância…) vão ser ultrapassados, em cada palavra que se vai soltar no papel em cada texto ou poema, em cada corpo poema vamos escrever uma ideia de paz, de acolhimento, uma parte do corpo que gostamos mais, uma palavra de revolta, uma…
B. (e se ela soubesse que ia haver fruta se eu não alterasse à última da hora)
N - Por exemplo, o que poderemos escrever:
 “Na flor tranquila/
na mão da Síria/
a minha boca tem flores/
de raiva!”
poema espontâneo rápido em dialogo digital… rápido. Só para te dar um exemplo.
A - OK.
Pergunta-se à pessoa se podemos divulgar em Artigos, redes sociais, Livro foto, rabisco, desenho
- OK.
- Lê-se (Gil e Bárbara) aos performers.
- Lê-se o quê?
N - Inicia a leitura dos Exercícios de Escrita, lê-se palavras, frases versos, poemas completos ou incompletos espontâneos – Sobretudo dar-lhes uma primeira vez VOZ para os Autores com ou sem ajuda se integrarem na Performance recitando/lendo em voz alta os seus versos/ frases poética/nome/idade/localidade? /profissão (se quiserem)
N - Penduram-se os lençóis nas cordas lateralmente. Arrumam-se os jornais e canetas, marcadores
Arruma-se a plateia se estiver desarrumada. Entra Música Albinoni Adágio, luz baixa. Abre-se a porta ao público. Não se deixa entrar ninguém para o Balcão. Pede-se silêncio e concentração. Os atores ao palco / bastidores... ou plateia. O Gil fica na plateia. A Barbara também na plateia ou nos bastidores? E começa a Performance toda no palco excluindo os momentos em que entra o Gil.
A-Depois decidimos onde fico. Dependerá também dos técnicos.

8.
E o Funcionário Cansado começa. Falta distribuir. Vamos introduzir o conceito de “espetadactor” de Boal e do Teatro do Oprimido. Distribuiremos fotocópias com versos aos espetadores para recitarem connosco o Funcionário Cansado (ou precário!). Poema de toda a equipa. O centro será a Patrícia. Os novelos vão rodar e prender sala e palco, plateia e rua…
Vamos deixar para o fim e imaginar nova leitura e escrita do poema de António Ramos Rosa (1958) para outro noutro lugar e tempo (Moita, Maio, 2017)

A proposta da espetadora amiga anónima foi tardia para este evento, mas será pensada noutro:
“Poema de um funcionário (precário)” cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
Dispersou-me os amigos
Tenho o coração confundido
…..
(E o ordenado…miserável)
Estou num quarto só
Num quarto só
Com os sonhos todos
Trocados
Com a vida ás avessas
A arder num quarto só
Sou um funcionário (precário) cansado
Um funcionário apagado
Um funcionário triste
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Palavras soterradas
Na prisão da minha vida
Isto todos os dias do mundo
Num quarto só]
Confesso que eu e a Barbara acolhemos esta hipótese, mas só depois dos aplausos finais. Foi uma confissão de uma espetadora anónima e amiga junto ao bar. A performance esta feita o teatro tem essa particularidade é efémera enquanto dura.
Prometemos, contudo, estudar o assunto para outra performance.
9. DO CORPO AOS POEMAS DOS PARTICIPANTES DO ATELIER
N - Depois de ler os textos e de sublinhar alguns aspetos estou maravilhado.
A - “Voltei a viver” é a frase mais forte e amadurecida de todos os poemas muito jovens. No momento exato para serem reescritos noutros Atelier do Corpo. Porque no nosso Método de Escrita Criativa,
O CORPO SÓ É CORPO EM PERFOMANCE
(Pedagogia de Situação em território de aprendizagem)
Refletimos sobre pequenas notas  texto, muito recente, de Ana Luísa de Oliveira  Pires, Elisabete Xavier Gomes e Teresa N.R. Gonçalves, Experiências 10X10 Arte e Educação, Fundação Calouste Gulbenkian “Teorizando espaços entre arte e educação.
Génese e desenvolvimento de projeto de investigação” (2017) introduzir o corpo poético  no Corpo nos territórios de aprendizagem em metodologia de pedagogia da situação.
Como um bordado esboçar a cores, as metamorfoses faciais nas práticas artísticas, as nuvens irregulares do movimento dos corpos no espaço – ecologia espiritual do ser.
Pedagogia à flor da pele. Quando a ciência tem as palavras “gastas” emerge no silêncio do corpo vivo a visão paradigmática do mais antigo teatro do mundo, como a caverna, o corpo só no espaço então sagrado, ilumina. O mesmo nos acontece na educação, o afeto do corpo.
"Se considerarmos que «o corpo é uma máquina “autopoiética”,
uma máquina que se faz a si própria» (Maturana & Varela, 1980, citado
por Cunha e Silva, 1995), e que o corpo humano é o que mais depende
do lugar e o que mais transforma o lugar, construindo discursos
e construindo-se nos discursos, sendo, simultaneamente, um objeto,
um método e um resultado do conhecimento (Cunha e Silva, 1995), compreendemos a relevância que o corpo assume nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento." (Pires, Gomes e Gonçalves,2017)

10.
Os participantes do Atelier de Escrita Poética e teatral deitam-se no chão do palco e escrevem enquanto comem cerejas e uvas deliciosas, Musica de Albinoni em contínuo.
Tiveram pouco tempo para pensar. Escrevem e avançam nos papéis.
 Apresentamos de seguida o resultado do escrito de mais de uma dezena de participantes com o seu nome de autores jovens e menos jovens.
Experiências de alguns dos poemas  para depois recitarem durante a performance. Aqui vão em versões diferentes. Trabalhamos numa primeira leitura alguns dos poemas de outros apresentamos apenas fragmentos – trabalho in processo para futuro Atelier  na Moita.
Poemas e Autores
 1.
“Boca, cereja
 como gosto de contornar os teus lábios
dessa tua boca que a minha imaginação beija
penso só nesse teu beijo ardente
enquanto os meus lábios trincam esta cereja
debaixo do lençol branco
eu quero sentir apenas a tua pele
o sabor do teu beijo já está doce
doce como mel

Rita Santos, 18 anos
2.
“Olhos
Morangos Abacate/Mel
 deparo-me a olhar para os teus olhos
……
os olhos brilhantes como mel
parecem estrelas brilhando no céu
lembro-me do nosso verão
a comer morangos na praia à luz da lua
…. guardo
no peito
os meus olhos de abacate faziam contraste com os teus
….
um contraste tão lindo
inesquecível
que  me faziam ficar presa
parada  no tempo
…. lembranças
tatuadas nos lençóis brancos
que ficaram
perdidos ao vento
no
tempo

Anónima, 18 anos
(versão com alteração  ligeira)

3.
 cabelo e olhos
cacho de uvas
 trago na memória
esse teu cabelo
tanto me deliciei com ele
que me sinto a comer
um cacho de uvas saborosas
já as provei
as minhas mãos perderam-se nos teus
cachos
as tuas mãos perderam-se
nos meus
elas já não se tocam
derramamos vinho
por vezes muito doce
por vezes muito amargo
....
quando nos olhávamos
deixávamos o vinho
e tornávamos num só

Jéssica Pereira, 18 anos
4.
Maçã
Mão
esta maçã que venero
na palma da tua mão
o teu sorriso é paz
o teu sorriso é amor
o teu corpo desenha
naquele lençol branco
cheia de memórias
de um tempo triste
em que me sentava num barco

Cátia Oliveira, 20 anos
5.
[Poema amadurecido]
os meus seios têm o contorno das cerejas
acabadas de colher na primavera
do teu toque
estou viva
outra vez
Susana. 44 anos
6.
Cereja, maçã, alperce, amoras, framboesas
 Amoras silvestres que refrescam a secura dos teus lábios de verão
Framboesas e morangos que enfeitam os dedos …
Para animar os olhos

Inês, 20 anos
7.
Um morango, uma língua
Um sentir discreto de harmonia
Textura
Prazer no
Campo…
Aconteceu
Uma língua
Num morango

Laura Martins, 18 anos,
(fragmento)
8.
Lábios de morango
Cor perfeita
Nossos

Anónimo
(adaptado)
9.
Lábios cereja
Vejo uma cereja na cor dos teus lábios
Nos teus lábios já existe
Fogo com sabor a
Cereja
Saem palavras
Só esse fogo
Recebo no colo
(nova versão no modo de pontuar, fragmentos)
……………
Só no sabor da cereja consegui apagar
Esse fogo
Uns lábios
Uma cereja
Um fogo

Maria Inês Santos, 20 anos
(fragmento)
10.
Poema
Morango
Face rosada
Sorriso doce
Cabelo ao vento

Angélica Marcos, 53 anos
11.
Morango sangue
Morango da cor do sangue
Vermelho o morango
…e o sangue
Sabor doce
O morango
……
Sabores que coexistem no meu corpo
 Desenhado pelo traço
Desenhado pelo tacto

Rosa Ribeiro, 55 anos
(fragmento)
12.
Tronco em pera
O teu tronco curvilíneo como uma pera
A tua pele macia como pétala de rosa
Despertam em mim as sensações mais
Extraordinárias
Não tanto desejo
Com certeza
Paixão

Inês Lopes, 22 anos
13.
 Poema Repórter
Poema Reportagem
 Ao anfiteatro fui parar
Descalço logo fiquei
No palco fui desenhando
…antes comi fruta
Foi uma cereja que colhi
Cor de pele
Logo ao olho fiz ligação
E com ele logo vi
O que há minha volta
Estava a acontecer

Rui, 50 anos

NOTA FINAL
A-Professor como se pode preparar numa performance, como esta, sobre o amor, a representação de uma dor…
N- É mesmo para terminar – se quiseres representar uma dor (e a raiva por exemplo de um refugiado ao lado de outro morto…terás que estudar e ler Stanislavski. Eu vou pedir-te apenas que me contes para fim uma história curta, verdadeira e triste da tua vida – a memória…a memória , ela pode ajudar à construção de uma dor na tua  personagem…[o Método].
A-A história que lhe posso contar é assim, mesmo para terminar: “Já estamos em maio…muitas vezes ouvi o meu avô materno dizer para consigo “Caro Mario, siamo in marzo”. Sempre achei curioso, mas nunca lhe perguntei o porquê… Depois faleceu. Tinha eu 19/20 anos…chorei tanto, tanto, tanto…acho que foi a primeira pessoa morta que quis ver e beijar…e agora não consigo conter as lágrimas. No seu enterro eu ajudava os meus primos de 3 e 4 anos a mandar flores enquanto o caixão descia e eu chorava, chorava, chorava…O meu avô …que comia o frango de olhos fechados…que adorava os animais…que brincava comigo na praia a gritar “Salvate la bambina!” no meio das ondas e eu ria-me”(…)

José Gil e Barbara Pollastri
Setúbal, 9-5-2017

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