Miguel Boieiro
Fiquei encantado com as lindas flores do fel-da-terra que, este ano, surgiram mais cedo por causa da secura do mês de abril. Não resisti!
É apaixonante visitar o mesmo local da floresta, da charneca
ou da campina inculta em diferentes épocas do ano. A vegetação silvestre vai-se
manifestando de diversas maneiras, seduzindo os seus apreciadores. Varia também
consoante as alterações meteorológicas. Como se sabe, a característica
principal do nosso clima atlântico-mediterrânico é a da irregularidade. Isso é
de tal maneira flagrante que chega a contrariar, em absoluto, os provérbios
tradicionais. Veja-se aquele que estipula “em
abril águas mil coadas por um funil”.
Pois é, mas neste mês de abril da graça do senhor de 2017, só choveu, e muito
ligeiramente, no dia 30. A secura inusitada do início de primavera forçou as
plantas a apressar o seu ciclo de vida e a amadurecer mais cedo para transmitirem
descendência e assim propagarem as espécies.
No princípio do mês fui, de propósito, ao Pinhal das Formas
colher folhas de cardo-mariano e fiquei deslumbrado com a profusão de azuis
proporcionados pelas ervas-das-sete-sangrias. Já em maio, as citadas flores
tinham desaparecido e o que sobressaia eram as hastes floridas do fel-da-terra
salpicando os campos de rosas e amarelos. Fiquei maravilhado porque as flores
são lindas!
Antes de florir, ninguém vê o fel-da-terra porque a planta é
minúscula. Depois ergue-se uma haste de 10 a 40 cm e surgem flores
inconfundíveis com pétalas cor-de-rosa vivo e corolas amarelas. Há ainda outra
maneira de o identificar: basta provar uma das folhinhas que é amarga como o
fel, o que originou um dos seus nomes mais populares. Em muitas línguas
europeias também é conhecido por centáurea, pequena centáurea, centáurea-menor,
planta-da-febre ou erva-febrífuga.
Há várias designações científicas para o fel-da-terra: Centaurium erythraea, Centaurium minus, Centaurium umbellatum, Centaurium
erytbraea, etc., sem contar com inúmeras subespécies que pouco divergem
entre si.
É uma herbácea da família das Gencianáceas, quase sempre anual, com folhas basais em roseta,
caule solitário, glabro, quadrangular, ramificado na extremidade e possuindo
pequenas folhas sésseis, opostas e oblongas. As flores, de cinco pétalas, são
rosadas e por vezes esbranquiçadas, dispondo-se nos ramos como se fossem
lâmpadas de um candelabro. As sementes inserem-se numa cápsula alongada.
Empregada desde remotas eras para baixar a febre
(antipirética), parece que serviu, como conta a lenda, para cicatrizar a ferida
causada inadvertidamente num pé de Hércules, pelo centauro Quíron, ou
vice-versa, já não sei bem.
Entre os principais componentes químicos do fel-da-terra,
temos, em primeiro lugar, os glucósidos amargos e depois, as resinas, os flavonóides,
o magnésio, os sais minerais, o óleo essencial e várias estirpes de ácidos.
Para além de ser antipirética e cicatrizante, a planta é
tónica, estomacal, laxante, depurativa do sangue, estimulante da secreção
gástrica, anti-inflamatória, anti-artrítica, analgésica, carminativa e
vermífuga.
Combate úlceras, feridas e eczemas através de cataplasmas da
planta inteira colocada em cima das partes doentes. Para uso interno pode ser
extremamente útil nos casos de falta de apetite e anorexia, digestões pesadas,
flatulências, insuficiência hepática, prisão do ventre, vermes intestinais, diabetes,
etc.
É também muito utilizada em preparados homeopáticos.
Oliveira Feijão recomenda o infuso de 30 g de fel-da-terra num
litro de água, a tintura (2 a 10 g por dia) e o “vinho” obtido da maceração,
durante duas semanas, de 60 g das sumidades floridas num litro de vinho
moscatel. Tomar no intervalo das refeições.
Jamais se deve adoçar o “chá” porque a bebida é tão amarga
que o açúcar não a faz mais apetecível, pelo contrário, torna-a até deveras
enjoativa.
Samuel Maia, no seu antiquíssimo “Manual de Medicina
Doméstica”, indica-nos um laxante assaz curioso: 4 g de sumidades secas
pulverizadas em miolo de pão ou hóstia.
Finalmente, uma precaução a ter em conta: o uso prolongado do
fel-da-terra pode causar irritação das mucosas gastrointestinais. Como na maior
parte dos tónicos amargos, devemos espaçar os tratamentos, descansando uma semana,
após dez dias seguidos de uso.
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