terça-feira, 16 de maio de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UM SÁBADO TRANQUILO

A chuva devolveu os espelhos às covas que se formam entre as ervas. 



Cinzento, como o dia, vai o país, sem rumo, enrolado mediaticamente num sórdido caso de pedofilia que já fez a figura do Presidente da República descer ao nível das mexeriquices de alcova e o governo desgovernado, sem entender o essencial, curvado à força de interesses alheios ao bem comum e a braços com uma malha de corrupção preocupante, a tal ponto que alguém altamente colocado como a Drª. Maria José Morgado dá como em risco de ficar incontrolável; isto é, Portugal está na iminência de se transformar num daqueles estados em que os grupos de crime organizado gozam de impunidades obtidas de quem garante as regras do jogo. 

Bem, eu devo dizer que nunca nutri grande empatia pela senhora em questão que, para mim, foi manifestamente usada para prender o Dr. João Vale e Azevedo, ex-presidente do Benfica que beliscou fortes poderes esconsos do mundo da bola e que por isso sofreu os efeitos de uma campanha de fogo que culminou com uma acusação por catorze crimes, entre os quais o de branqueamento de capitais e associação criminosa, vindo a ser condenado apenas pelo crime de meter ao bolso dinheiro que, legalmente, pertenceria ao clube. Recordo-me do chinfrim que a então Delegada do Ministério Público fez, com direito a conferência de imprensa após a detenção em que logo ali se mandou às malvas o agora tão proclamado direito à presunção de inocência. Depois foi o que se viu, foi afastada da investigação judicial – é aqui que me parece ficar em aberto a ideia da instrumentalização – e há poucos meses editou um livro sobre este problema da corrupção. 
Seja como for, ela sabe dos atrasos, dos empecilhos e das impunidades de que está a falar e não tenho muitas dúvidas quanto ao realismo e acerto das suas palavras. 


Mas não é só Portugal que vive negros tempos em termos de poderio da criminalidade e do seu impacto sobre o tecido social que se traduz na perversão dos hábitos do respeito pela lei e pelo que é decente e, na sequência disso, nos casos mais agudos e a partir de um certo limite, na própria incapacidade para fazer cumprir as regras do estado de direito. 

É ver o que se passa nas repúblicas da ex-Jugoslávia onde o crime organizado protege as figuras de muitos criminosos de guerra e praticamente domina ou impõe o seu diktat em países que, para além do papel, em concreto, só existem no sofrimento das suas populações. 
Com a honrosa excepção da Eslovénia, todos os outros estados estão sob o joguete de máfias que misturam o narco-tráfico e outros horrores com cliques e guerrilhas de cariz – ou de fachada, direi eu – político. 

Creio é que este, a par com o terrorismo, é o maior perigo que a democracia enfrenta a nível planetário. 

Não sei se algum dia nos veremos livres de tais cancros, mas tenho a certeza que eles sempre manterão aquelas sociedades, por natureza, abertas, sobre a tensão de a qualquer momento poderem sucumbir em face da tirania. 



E eu sou um homem tão feliz com as filhas que tenho. 

Miúdas saudáveis, têm a noção do dever e sabem que depois deste está então a alegria da evasão.
Esta tarde, enquanto a Matilde foi a uma festa de anos de um dos seus colegas de escola, a Margarida ficou na companhia da Alexandra e da Isabel Lima que assistiam ao treino de badminton, na Vélhinha e agora telefonou a comunicar que janta com elas. 

“-Não é preciso, pai. Depois a Alexandra leva-me para casa.” 



E atenção à China comunista. 

A constituição acaba de consagrar a protecção da propriedade privada o que é um bom sinal. Mas muito cuidado perante o desafio que isso representa para o mundo livre. É que por ora ainda por lá grassam tempos de capitalismo selvagem e com os exemplos que temos dos países do Leste europeu com o estiolamento que o comunismo provocou no que se refere aos valores mais básicos da Humanidade, podemos recear uma concorrência desleal que tem potencialidades para vir a pôr em causa conquistas sociais das classes laboriosas. 
É claro que aqui, no contexto da nova divisão internacional do trabalho que se está desenhando sob o presente, os países que enveredarem pelos caminhos produtivos das ciências e das tecnologias de ponta estarão menos permeáveis às consequências de tais ondas de choque, mas para países como o nosso que não dão mostras de apostar nessas vias, o assunto pode vir a ser muito mais sério e mais brevemente do que possamos estar à espera. 


Portugal não apresenta dirigentes à altura do que o futuro nos reserva. 



Cá por casa, os dezanove anos de casamento começam a cobrar a usura sobre os materiais. Há um ano vimo-nos obrigados a trocar o esquentador e hoje de manhã, respectivamente por fim de ciclo de vida e cansaço crónico, comprámos uma nova máquina de lavar roupa e um novo video-gravador. 



Vou ler o Tintim desta semana. (1) 


 Alhos Vedros 
  17/01/2004 


NOTA 

(1) Hergé, O CASO GIRASSOL 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Hergé, O CASO GIRASSOL, Público, Lisboa, 2004

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