terça-feira, 14 de agosto de 2018

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

What a Saturday! 

Finalmente começaram as obras de alvenaria para a incorporação do sótão no apartamento. Por causa disso, os últimos dias têm sido cheios por andares de cá para lá, telefonemas para este e aquele e o som das pancadas motorizadas do martelo eléctrico, tudo confluindo para que o tempo deste diário tenha ficado para trás. 
Mas é assim, não há alternativa e a remodelação é necessária. 



Hoje passam trinta anos sobre o dia em que o Estado Novo caiu. 

Apesar dos erros e dos excessos cometidos e dos danos provocados no tecido económico pelas nacionalizações, a verdade é que o país está melhor, mais desenvolvido; os portugueses vivem melhor, com mais qualidade de vida e mais poder para aceder aos bens de consumo do que antes da revolução de Abril. As liberdades, essas, foram as aquisições mais importantes. 

É claro que sempre é possível alegar que poderíamos estar mais próximos da desejável equidade com os países mais ricos da União Europeia, bem como podemos esticar o dedo a défices políticos e sociais que a nossa sociedade apresenta. 
Mas isso são culpas de outro rosário que não podemos atribuir aos intentos com que os militares justificaram o levantamento para a mudança de regime. 
A esses devemos estar eternamente gratos e ponderados os pratos da balança, ninguém com bom senso dirá que os perigos que naquele dia correram terão sido em vão; eu direi que valeu a pena. 

Diz-se agora que, em setenta e três, a economia estava em crescimento, o que era um facto e que, mais tarde ou mais cedo, a situação teria que evoluir no sentido de uma abertura democrática, o que nos teria poupado os desmandos do período revolucionário. Não entendo o que se possa querer concluir daqui; com efeito, estamos a falar da História que poderia ter sido o que não faz sentido algum. 
O que se passou foi que o marcelismo não foi capaz de resolver o problema colonial e por ser idiossincraticamente anti-democrático – e isso é claro, por exemplo, quer pela leitura da biografia do líder, o Professor Marcelo Caetano, (1) quer pelas cartas que o próprio trocou com Salazar (2) – nunca mostrou suficiente disponibilidade para liberalizar o sistema político, tanto no sentido da livre escolha eleitoral e do parlamentarismo, como no da afirmação e institucionalização do estado de direito. 
E quando o poder caiu, de imediato acabou por, em boa parte, cair na rua, pois não havia estruturas organizadas que, em tempo útil, fossem capazes de o substituir, garantindo a continuidade das instituições até que as paulatinas modificações ou pura e simplesmente supressões pudessem tomar efeito. 
A impreparação dos portugueses para a vida livre só pode ser atribuída ao salazarismo e foi ela a mãe de todos os desmandos que se seguiram à vitória do movimento dos capitães. 

Outra questão de lana caprina que tem ocupado os media nos últimos dias é a que se desenvolveu em torno de saber se Abril foi evolução ou revolução. Como se a PIDE tivesse evoluído… Ou, ao contrário, não tivéssemos chegado ao ponto de se falar na instauração do socialismo entre nós. (3) 
Enfim, malhas que a nossa intelligentzia tece. 



Dia solarengo e quente, de cantar o pintassilgo e o rouxinol. 
E a brisa, leve, fazendo com que as folhas brilhem na luz de uma tarde em que se comemora a alegria. 



Na quinta-feira os alunos continuaram os exercícios e as fichas em torno da nova palavra, a respeito da qual efectuaram trabalho de casa e no dia seguinte trabalharam com números e as já habituais contas de somar e subtrair; além disso e como é habitual, tiveram as aulas de música e educação moral religiosa. 



Cá pelo burgo é que nem por estarmos num aniversário com número certo, o trigésimo, quando os filhos de Abril já procriaram, nem por isso as comemorações gozaram de um toque que, por mínimo que o fosse, fizesse a diferença. 
Nem da parte da sociedade civil, nem por parte dos partidos, não houve qualquer iniciativa significativa para preservar a memória desse dia e dos que se lhe seguiram e da resistência aos que o antecederam, a esses tempos de chumbo e bico calado. 
E se o movimento operário, a luta anti-fascista e até a história do próprio Partido Comunista também passam por aqui. 
Infelizmente, assim se perdem oportunidades para fazer afirmar a democracia e aprofundar o nosso conhecimento, o nosso apego e o nosso empenho a seu respeito. 

Neste aspecto, demos os parabéns ao Executivo da Câmara Municipal do Porto que organizou uma série de conferências com personagens que estiveram no centro dos acontecimentos da revolução. Com toda a liberdade, ali estiveram, entre outros, Mário Soares, Lurdes Pintassilgo e Vasco Gonçalves que de sua justiça apresentaram os seus pontos de vista sobre aquele passado incontornável e também o presente da sociedade portuguesa. 
Quanto a mim e entre aquelas de que tive conhecimento como é óbvio, foi a melhor iniciativa para comemorar Abril e contribuir para que arbitrariedades e atrocidades do regime policial e totalitário a que pôs termo não se repitam. 



Há uma dança de andorinhas em frente da minha secretária. 



Pina Moura, ministro da economia ao tempo em que foi privatizada uma empresa do sector energético a favor de um grupo espanhol, foi empossado como líder representante desse mesmo grupo em Portugal. 

O descaramento desta rapaziada perdeu a noção dos limites. 



E ficou a saber-se que o Major Valentim Loureiro, os mais altos dirigentes do Gondomarense e do Conselho de Arbitragem, um funcionário deste organismo e uma mão cheia de árbitros, estão a ser investigados por casos de corrupção, para estes últimos, o mesmo se aplicando aos dirigentes e ao funcionário que acumulam falsificações de documentos e de corrupção passiva e tráfico de influências para o Presidente da Liga. A todos foi aberto processo que poderá ou não vir a ser arquivado. Mas, para já, todos saíram sob aplicação de medidas de coacção que implicam proibições de funções e de comunicação entre uns e outros e uma caução de duzentos e cinquenta mil euros para o Major. 

Eis pois o grande caso de corrupção no futebol português. 


Curiosamente, chovem os artigos de loas ao trabalho de Pinto da Costa no Futebol Clube do Porto só pelo simples facto de jornais falarem de um alegado pedido de favor que teria feito a Valentim Loureiro. Ui que alarido. Nos comentários de leitores, no Portugal Diário de sexta-feira, houve até quem produzisse ameaças. 
Como se costuma dizer, quem não deve não teme e quem não teme não faz ameaças. 



No Iraque permanece o impasse em torno do líder xiita radical que se barricou numa mesquita, em Najaf. 



E agora vou brincar com os meus amorzinhos. 
A Margarida já joga “Scrable” com mestria. 


Alhos Vedros 
  25/04/2004


NOTAS

(1) Serrão, Veríssimo, MARCELO CAETANO
(2) Freire Antunes, José, SALAZAR CAETANO – CARTAS SECRETAS (1932-1968)
(3) Carvalheira Antunes, PERSPECTIVAS DOS TRABALHADORES FACE AO PROCESSO POLÍTICO


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Carvalheira Antunes, PERSPECTIVAS DOS TRABALHADORES FACE AO PROCESSO POLÍTICO, Diabril (1ª. Edição), Lisboa, 1976
Freire Antunes, José, SALAZAR CAETANO – CARTAS SECRETAS (1932-1968), Preâmbulo do Autor, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993
Serrão, Veríssimo, MARCELO CAETANO

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