quarta-feira, 4 de março de 2020

Apontamentos sobre a Índia Antiga


Baghavad-Gita ou "A Canção de Deus"
(Imagem do Google)

Luís Santos

A Índia conheceu várias civilizações e nela encontramos várias cosmogonias.

A Civilização do vale do Indo, a primeira grande civilização que surge na Índia, há 6 mil anos atrás, situou-se na zona do NW da Índia e Paquistão. Atingiu o seu apogeu 2.500 anos antes de Cristo. Utilizavam uma escrita de muito difícil tradução que limita o seu conhecimento. São contemporâneos do Antigo Egipto e dos Sumérios.

Em 1500 a.C., desenvolve-se a civilização Ariana no Vale do Ganges. Esta civilização floresce enquanto a do Vale do Indo desvanece. Não se sabe se constitui um prolongamento da primeira. Os povos de raiz indo-europeia descendem desta civilização. Vários autores desenvolvem o tema das culturas indo-europeias, como são os casos de Georges Dumézil, Émile Benveniste e Max Müller.

A Filosofia Clássica Indiana, em última instância, procura responder a duas questões: a natureza última da realidade e respetivas consequências no nosso destino pessoal. Para a sua compreensão é importante perceber-se que a cisão entre fé e razão ocorrida no Ocidente, não se encontra na Filosofia no Oriente.

Os Hinos Védicos, são os textos sagrados mais antigos da Índia. A palavra "veda" significa conhecimento, saber, passível de audição (que pode ser escutado). Em síntese, textos sagrados a serem escutados para serem apreendidos. As Upanishad, é o nome dos textos que, posteriormente, refletem sobre a cultura védica, mas que, simultaneamente, assinalam uma rutura com o período anterior. Estes textos dão-nos uma explicação sobre a origem das coisas, mas também sobre o que podemos realizar no interior de nós próprios. Atingem o seu momento pleno no século VI a.C.. Upanishad etimologicamente significa “estar sentado junto de” (do Mestre que explica os Vedas).

O Budismo, quando aparece pode considerar-se uma interpretação radical das doze Upanishad. Buda viveu no século VI ou V a.C. As primeiras cinco são prévias ao seu nascimento e as últimas sete são posteriores.

ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES DO HINDUÍSMO

Sâncrito, Língua Sagrada da Índia, uma sociedade divida em castas distintas, Brãhmana, ksatriya, Vaisya.

Hinduísmo é o desenvolvimento até aos nossos dias de um sistema magnífico de crenças e tradições que advém da interpretação dos textos sagrados da Índia.

Brâman, é a suprema divindade, o Absoluto, é incognoscível pelo homem. Princípio incondicional de criação de toda a realidade. A própria realidade. Um princípio supremo que está para lá dos próprios deuses.

Trimúrti, é a tripla parte manifesta da divindade suprema. Como um ser limitado, o ser humano somente percebe três aspectos de Brâman. A trimurti é composta pelos três principais deuses do hinduismo: Brama, Vixnu e Xiva, que simbolizam respectivamente a criação, a conservação e a destruição.

Atman, o sujeito interior de tudo o que um indivíduo faz. Um unificador interior de todos os nossos comportamentos. Agente interno que coincide com o próprio Absoluto e que se tiver “despojado” lhe pode aceder.

Chama-se de Brahmanismo às práticas rituais religiosas mais antigas feitas na Índia por sacerdotes brahmanes. Há que cumprir os ritos para atingir a dimensãos dos deuses.

Dharma, aquilo de que depende a ordem do mundo. A prática correta dos rituais é fundamental para manter a ordem no mundo, tal como é a sua forma original.

Entre as 4 grandes idades do mundo, atravessamos o período de maior decadência, o período em que, metaforicamente, a “vaca sagrada” está assente apenas numa pata.

Samsara, roda da vida que gira sem parar. Enquanto a existência estiver condicionada, o ciclo de renascimento/morte perdurará. Os seguidores do hinduísmo acreditam em vários deuses e na reencarnação, pois que os seres humanos morrem e nascem várias vezes. Cinco fatores que fazem o ser entrar no ciclo do samsara: ignorância, orgulho do eu, aversão à dor, perturbação/aflição e medo da morte/apego à vida.

Karma, designa a cada momento a ação condicionada pelas ações do passado e com consequências posteriores. É condicionado e condicionante. A sabedoria permite cessar a ignorância, ou seja, a produção kármica. Toda a experiência de dualidade, “eu sou um, tu és outro” produz o ciclo kármico.

Mumuksha, o desejo que fornece a possibilidade de libertação.

O Yoga é o contínuo exercício que permite pôr fim ao karma. A necessidade de cessação dos movimentos mentais. A procura de um êxtase, de uma consciência unificada. O Yoga deve levar-nos ao ponto zero da manifestação, a um processo de involução. Ser senhor dos próprios pensamentos, de pensar só quando é necessário.

Jivanmukta, aquele que se liberta da vida, que transcende os próprios deuses.

SOBRE O HINDUÍSMO

As escrituras sagradas hindus dividem-se em dois grupos:
- Os Sruti, (textos de revelação), onde são considerados Hinos Védicos, as Brãhmana-Upanisad e Ãranyaka. Todos estes textos do período védico pertencem à forma oral e só no período clássico passaram para a forma escrita. A recitação dos hinos sagrados sempre foi mantida, até hoje, ininterruptamente desde há milhares de anos.

- Os Smrti (textos da tradição), constituídos pelos textos épicos Mahãbãrata e Rãmãyana, pelas crónicas Purãnas e códigos de lei e ética.

Entre os textos sagrados indianos, as Upanishad têm particular relevância na transição da cultura védica para o hinduísmo. As Upanishad são o principal ponto de referência de Adi Sankara (788-820), o autor que mais marcou o desenvolvimento da filosofia clássica indiana e do hinduísmo. Tal como de Vivekãnanda (1863-1902), um dos grandes pensadores sobre a escola de Sankara. Foi um estudioso das filosofias ocidentais na Universidade de Calcutá e, igualmente, dos textos sagrados da Índia.

O princípio filosófico primordial é a equivalência entre ãtman e brahman. Atman, é um corpo vivo que respira = self = sentimento de si. Brahman é a própria realidade, o que existe em si e por si. É esta a síntese suprema de Sankara: a mesma identidade entre Atman e Brahman. Ou seja, aquilo que existe no interior de cada um é a própria realidade. Ser, Consciência, Felicidade Suprema (beatitude, bem estar), os principais objetivos.

Num texto das Upanishad - Taittirtya Upanisad – diz-se que nós não temos só um corpo, mas sim 5 corpos:
1-annamaya kosa (1ª camada) – o corpo que resulta da comida (o corpo físico)
2-prãnamaya kosa (2ª camada, cobre o primeiro corpo) – corpo de que resulta a respiração (o corpo que sente, o corpo subtil), do qual não se pode descrever a essência
3-manomaya kosa (3ª camada) – corpo que resulta da fusão dos outros dois corpos
4-vijñamaya kosa (4ª camada) –  corpo que tem a capacidade de compreender
5-ãnandamaya kosa (5ª camada) – a consciência, a camada que nos dá a felicidade.

Como trazer o corpo de felicidade suprema (ãnandanaya kosa) para o primeiro estado em vez de ser o último? Para Sankara isso consegue-se através da meditação, do Yoga. Para si, o texto de referência é sempre as “Upanishad”. Em última instância, aquilo que Sankara pretende demonstrar é que a realidade última está em nós. A experiência do Si é a mesma experiência da realidade. Nós somos Tudo e Todos.

As principais escolas da filosofia clássica indiana são as seguintes: Sãmkhya, Yoga, Vedãnta, Mimamsã, Vaisesika, Nyãya, Buda Dharma e Jainismo. As duas últimas são tradições heterodoxas que não se revêm nos textos sagrados do hinduísmo, embora tal como nele, também as Upanishad constituem uma das suas principais fontes de conhecimentos.

BHAGAVAD-GITA, ou “A CANÇÃO DE DEUS”

Bhagavad-Gita é um capítulo do “Mahabharata”, o grande épico indiano que é um dos textos sagrados do hinduísmo.

O grande protagonista do livro que fala na primeira pessoa, Krishna, o avatar de Vishnu, ou seja, a própria divindade, dialoga com Arjuna, seu discípulo guerreiro, em pleno campo de batalha. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre o seu dever, e recebe iluminação diretamente do Senhor Krishna que o instrói na arte da auto-realização.

 Há quem o considere o maior das “Upanishad”. É o texto inspirador de Ghandi. Influenciou muitos escritores ocidentais como foi o caso Aldous Huxley. “Irmânia”, livro de Ângelo Ribeiro, autor português do século passado, também revela a sua influência. Einstein dizia que “quando lia o Bhagavad-Gita e pensava nas leis do universo, tudo o resto se tornava vulgar”.

Esta obra releva, sobretudo, o amor devocional, o amor divino, acima de quaisquer conhecimentos ou ação, daqueles que agem com os sentidos equilibrados, ou dos que agem não agindo, relembrando a boa maneira do taoísmo.

A essência de Krishna é o universo inteiro. Tudo é sagrado. Tudo é uno. O uno e o múltiplo são inseparáveis. Deus é a totalidade, transcende o bem e o mal, ou seja, pode ser bom, mas também pode ser mau!

Krishna diz a Arjuna: “Tu e eu existimos desde sempre”; “os corpos perecem, mas a alma não”; “o Uno não tem início, nem fim – não nasceu, nem morrerá”; “o apego ao prazer, a aversão à dor, a valorização da dualidade são limitações humanas”; “Deus é tudo em todas as coisas” (igual ao que diz São Paulo,  nos “Coríntios”). Continua Krishna: “Só aquele a quem conceder uma particular graça é que me pode ver, mais ninguém” (…) Mas enquanto homem, Arjuna, não aguenta muito tempo a perceção e a visão de Deus, e só quer que a experiência acabe…

Sem comentários: