quarta-feira, 17 de março de 2010

Dormir é existir


Hoje apetece-me viajar, ou não serei eu viajante, em todo o mundo começa a nascer a sede de uma viajem qualquer. A cada esquina estendem-se diálogos com que se reflecte a dádiva que é estar vivo e assistir ao sol a nascer e morrer todos os dias escolhendo aparecer e desaparecer através das nuvens.
Por consequência e por acaso ele agora encontra-se condicionado por pequenas nuvens negras, mas não é nada que impeça aos homens de existir, apesar de encontrarem o tormento na sua ausência.
Estando eu presente no café pensando como quem gosta de dormir tapado no inverno, atrai-me a natureza de que sou feito em qualquer estação do ano. Sou um homem julgo, crescendo e sentindo todo o tempo a passar por metamorfoses nas quatro fases do ano. Com sentido aquilo que se apresenta ao meu olhar diverte-me como uma bebedeira sem pés nem cabeça, em que as cores brincam ao sabor do vento e a imaginação transcende com elas o outro mundo que a matéria não consegue alcançar.
A existência é a vida de um ser com alma e quando se tem alma já se é tudo podendo também ser nada em que o seu sentido é a biografia que a morte escreve de quem morreu.

- Quanto é o café? – Pergunto ao empregado – um euro por favor, saio e deixo gorjeta. Ao sair do café tenho a sensação de que meu corpo pede que o tempo acalme e que a chuva se contenha, pois quem anda á chuva molha-se, e um corpo coberto de roupa molhada incomoda-se reclamando.
Nisto ando mais uns metros e a chuva pára, dando lugar a que o meu ouvido ouça uma melodia breve que me acaba de chegar de qualquer incerto sítio, como se aquela melodia fosse um rasto da chuva que passou. Cada vez mais perto dela reconheço-a: “um trompete”, ando uns passos dobro a esquina, e eis que me aparece um trompete suspenso por uma força humana sem ver qualquer tipo de ser humano manipulando-o, mas na verdade ele está a ser manipulado por alguém, tento ver melhor e continuo a não ver ninguém, fica assim a levitar no espaço produzindo a tal melodia que contamina agora a cidade.
- Onde está a nossa cidade? – Pergunto, não há ninguém na nossa cidade, ninguém á esquerda, á direita, em baixo e em cima. A melodia do tal trompete tinha acabado de quebrar todo o quotidiano citadino, fazendo com que todas as pessoas caminhem para lá do real imaginário. Assim desapareceram todas as pessoas, excepto eu, ser, corpo, alma e razão.
Isto é a consciência utópica desaguando sobre mim pensei, aquilo a que a psicanálise chama de sonho. Esta sensação é-me familiar e de alguém que liberta as suas fantasias dormindo, que em determinado momento está-se em lado nenhum, mas em simultâneo encontramo-nos a contornar todas as esquinas do universo.
OOOOHHHH que na minha cabeça o desejo quebra-se, e a náusea matinal ergue-se perante o corpo que acaba de despertar.

Diogo Correia

6 comentários:

luis santos disse...

Parabéns Diogo. Grande texto, pleno de jovialidade. Sabedoria é saber preservar a poesia com que nascemos. E o resto é conversa...

Abraço.

A.Tapadinhas disse...

Quero divertir-me, também, com uma bebedeira em que as cores brinquem ao sabor do vento...

Só falta dizer quais são os pincéis e a tinta, que deverão ser usados...

Abraço,
António

MJC disse...

Amigo Diogo, confesso:

Não páras de me surpreender.

Magnífico texto.

Parabéns.

Croca

Diogo Correia disse...

Oi pessoal.

Este texto surgiu a partir de um pedido do amigo Luís Carlos, que consistia em escrever um texto em prosa.

Obrigado a todos os que leram

Abraço

MJC disse...

Pois então apetece-me pedir ao Luis Carlos que te peça para escreveres mais.
Prosa ou poesia ou poesia e prosa conforme apeteça mais.

abraço,

croca

Anónimo disse...

O titulo chamou-me a atenção... sobretudo porque gosto de dormir... mas depois de ler é isso mesmo "dormir é existir"... Quantas vezes não acordamos de um sonho pela manhã e a sensação com que acordámos dele nos acompanha o dia todo? Boa escrita, continua.

Alexandra Viegas