segunda-feira, 22 de março de 2010

O Jorge já não mora aqui




Foi com muita surpresa e imensa dor que ao atender o meu telemóvel no dealbar do dia 16 de Março ouvi atónito e quase incrédulo a voz do meu amigo João Sequeira embargada e triste exclamar: - O nosso amigo Jorge já se foi! - Silêncio, depois as palavras de circunstância e pelo meio e centro de tudo o mais o Pedro, o filho do Jorge, o menino homem em tão breve tempo privado de mãe e pai. Retratar os conteúdos do Jorge seria e será obra para mais do que um homem. As facetas onde o Jorge mostrou obra feita que se visse, clara, transparente, são tantas que seria preciso um bom aguarelista, um óptimo escultor e em última análise o Povo. Povo esse que acorreu ao cemitério do Pinhal do Forno, transformando aquele lugar de despedida num mar de gente de todas as condições sociais, camaradas de Partido, colegas de trabalho, autarcas, colaboradores da Misericórdia de Alhos Vedros e de todas as suas valências, Abrigo do Tejo, Pedro Rodrigues da Costa, São José Operário, Varino e Charlot. Todos irmanados na dor, todos conscientes que ia a enterrar um homem de consensos, afável, brincalhão e acima de tudo responsável. O Jorge não brincava em serviço. Quando penso no Jorge vem-me à memória a figura deFrancisco Julião, imortalizado por Jorge Amado. Ao meu vizinho e amigo Jorge, também Frederico, também Fatia e Bajanca, direi de forma lapidar. Valeu a pena Jorge um mar de gente este à tua beira. Foi bom de ver. O teu corpo já aqui não mora, mas o teu exemplo onde a lealdade assumiu tom maior incentiva-nos a prosseguir rumo à utopia. Vou terminar este desabafo fumando agora um cigarro por mim e outro por ti, porque como muito bem sabemos a vida são dois dias. Já não nos ouves, mas a tua presença mora por toda a rua, por toda a freguesia, por todo o Concelho e por aí adiante, onde se agita a luta pela liberdade.

(ao Jorge Bajanca)

Guitarra toca baixinho
que o meu amigo dorme
toca baixinho guitarra amiga
que o meu amigo descansa
mas toca guitarra minha
que o meu amigo gostava de cantigas
consola o seu dormir
toca baixinho
o meu amigo partiu sereno
e nós estávamos cá
E tu guitarra universal
tocavas e tocavas e tocavas
baixinho como o nosso amigo gostava
sem sobressaltos
de mansinho
Agora apagamos as velas
saímos
o nosso amigo partiu
ao som de vermelhas gargalhadas
compassadas
carregadas de ritmos
com solidariedades envolventes
como almofadas de veludo
povoando de esperanças
os garimpeiros dum mundo novo.

Leonel Coelho

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