domingo, 5 de abril de 2015


A mulher do aposentado Velho Artur


O banco do jardim sentava semi-confortavel Artur, o velho pensionista, de olhos fitos no eucalipto que avistava  ao longe.
  Os dias que este colhia e a idade amassava, corroendo-lhe o corpo ao longo dos anos, eram para si nada mais nada menos que um pacto feliz que fizera com a morte. Dir-se-ia mesmo que estavam unidos por união de factos tanto através do silêncio com que encarava a árvore como pelo negro dos dias que se iam multiplicando no seu corpo, que apesar de negros não lhe prestavam dor física alguma.
  Por isto Artur, o velho pensionista era feliz com a sua morte, que lhe trabalhava a alma e a carne sem dor alguma. Sentia mesmo que estava unido a ela pelas melhores razões pensando de quando em quando: “Chegaste, ai estás perfeita de ti em mim sem dor alguma na tua foice”.
 
Houve um breve movimento de cabeça que o fez fixar a visão num formigueiro do outro lado do passeio á sua frente, deu um toque com a  bengala no chão enquanto observava as formigas devorando um escaravelho de estrutura grande para a sua classe. De barriga para cima esperneava-se em rápidos movimentos enquanto as formigas lhe trespassavam o crustáceo do corpo num último adeus á vida.
  O velho observava sereno, o bicho de mãos dadas com a sua morte. “ Sim havia dor naquele corpo” pensava.
Levantou a bengala e com um suspiro e um lento fechar e abrir de olhos bateu com a bengala no chão. Pensava no sol, na lua, no tempo e na pensão salarial que de há trinta anos até àquele dia nunca havia falhado.
 Avistou num canteiro próximo, deitada entre meio das folhagens, uma cadelinha de rua com cinco cachorrinhos mamando euforicamente nas tetinhas da mãe. “Quando se nasce a morte vem a reboque, quando nascemos estamos para morrer” pensou o Velho.

A generosa relação que ele tinha com sua morte fazia-o viver uma vida que o levava a crer que estava morto, de certo modo achava-se morto com a vida que tinha, mas não sentia qualquer remorso com isso nem tão pouco sentia a dor predominante da morte.
  Mas isto que Artur pensava, começou-o a pensar a partir do momento em que se reformou, “Depois da reforma cai nos braços da bela foice ela que faça de mim o que quiser, será sempre bela enquanto não me beijar a dor”.

Bocejou, e pegou na bengala semi-estendida no banco e bateu com ela no chão quatro vezes, mais quatro, e mais quatro, começou a assobiar ao som da bengala, pegou no chapéu, levantou-se e começou a andar e tropeçou num ferro junto ao caminho com uns chinelos que mal lhe protegiam os pés. Resmungando agarrado ao pé disse para si: “Porra, já te disse que não me beijes assim”

                                                                                                  Diogo Correia

    04-04-2015

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