A
mulher do aposentado Velho Artur
O banco do
jardim sentava semi-confortavel Artur, o velho pensionista, de olhos fitos no
eucalipto que avistava ao longe.
Os dias que este colhia e a idade amassava, corroendo-lhe
o corpo ao longo dos anos, eram para si nada mais nada menos que um pacto feliz
que fizera com a morte. Dir-se-ia mesmo que estavam unidos por união de factos
tanto através do silêncio com que encarava a árvore como pelo negro dos dias
que se iam multiplicando no seu corpo, que apesar de negros não lhe prestavam
dor física alguma.
Por isto Artur, o velho pensionista era feliz
com a sua morte, que lhe trabalhava a alma e a carne sem dor alguma. Sentia
mesmo que estava unido a ela pelas melhores razões pensando de quando em
quando: “Chegaste, ai estás perfeita de ti em mim sem dor alguma na tua foice”.
Houve um
breve movimento de cabeça que o fez fixar a visão num formigueiro do outro lado
do passeio á sua frente, deu um toque com a
bengala no chão enquanto observava as formigas devorando um escaravelho
de estrutura grande para a sua classe. De barriga para cima esperneava-se em
rápidos movimentos enquanto as formigas lhe trespassavam o crustáceo do corpo
num último adeus á vida.
O velho observava sereno, o bicho de mãos
dadas com a sua morte. “ Sim havia dor naquele corpo” pensava.
Levantou a
bengala e com um suspiro e um lento fechar e abrir de olhos bateu com a bengala
no chão. Pensava no sol, na lua, no tempo e na pensão salarial que de há trinta
anos até àquele dia nunca havia falhado.
Avistou num canteiro próximo, deitada entre
meio das folhagens, uma cadelinha de rua com cinco cachorrinhos mamando
euforicamente nas tetinhas da mãe. “Quando se nasce a morte vem a reboque,
quando nascemos estamos para morrer” pensou o Velho.
A generosa
relação que ele tinha com sua morte fazia-o viver uma vida que o levava a crer
que estava morto, de certo modo achava-se morto com a vida que tinha, mas não
sentia qualquer remorso com isso nem tão pouco sentia a dor predominante da
morte.
Mas isto que Artur pensava, começou-o a
pensar a partir do momento em que se reformou, “Depois da reforma cai nos
braços da bela foice ela que faça de mim o que quiser, será sempre bela
enquanto não me beijar a dor”.
Bocejou, e
pegou na bengala semi-estendida no banco e bateu com ela no chão quatro vezes,
mais quatro, e mais quatro, começou a assobiar ao som da bengala, pegou no
chapéu, levantou-se e começou a andar e tropeçou num ferro junto ao caminho com
uns chinelos que mal lhe protegiam os pés. Resmungando agarrado ao pé disse
para si: “Porra, já te disse que não me beijes assim”
Diogo Correia
04-04-2015
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