terça-feira, 2 de agosto de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

TRABALHOS DE PAI

Bem, este está a ser um fim-de-semana prolongado para as minhas gatinhas. A greve geral da função pública, na sexta-feira, permitiu uma folga inesperada que, pelos vistos, muito bem aproveitada foi com brincadeiras e jogos que têm durado até para lá das dez da noite. Rica vida. Como a Matilde cumpriu os deveres na tarde de quinta e a Margarida teve a sorte suplementar de não ter trabalho de casa para fazer, as preocupações deram lugar à fantasia que tanta falta faz ao bem crescer. E entre o sótão da Beatriz e os espaços desta casa, assim se têm feito as horas do lar. 


Ontem à tarde, a Margarida completou o trabalho sobre a História de Alhos Vedros no que não gastou mais que duas horas. 
Por motivos óbvios, fui eu quem dactilografou os textos que ela elaborou sobre alguns dos edifícios e construções mais antigas da Vila. Naturalmente respeitei o manuscrito e, para lá desta pequena ajuda, não tive qualquer outra interferência na realização do projecto. 

Atribulações de pai que assim teve que interromper a leitura vespertina. 

Mas devo dizer que o piolhinho merece nota máxima. 

O pai é claro, logo se encheu com um sorriso interior. 

O certo é que a miúda pensou e pôs em prática um trabalho a respeito das antiguidades do lugar, para o que escreveu pequenos textos a partir de fontes orais, escritas e de observação. Assim, após o conjunto das notas referentes aos objectos narrados, transcreveu a entrevista que fez ao senhor Padre Carlos e que lhe serviu de base principal dos dados processados. Tudo isto foi compilado num arranjo de folhas de acetato e a respectiva baguete a fazer de lombada, devidamente decorado com uma capa desenhada a cores e com o título manuscrito, “Álbum das Recordações Antigas de Alhos Vedros”. Embora o meu anjinho tivesse preferido usar as fotografias em conjunto com as palavras, respeitou a sugestão da colega de grupo e apresentou-as sob a forma de um placard em cartolina. 
Não se vê, mas ela consultou um livro para obter elementos sobre a Misericórdia e a pretensa cadeia e, para além das fotos, visitou o cemitério da Vila onde registou o ano da inauguração, visível no portão de entrada e, pelas datas mais recentes que observou nas campas, induziu o fim da sua utilização. 

Que encanto. 
Este meu tesouro aplica os conhecimentos com toda a naturalidade. 



Eduardo Chevarnadze parece estar prestes a abdicar da presidência. 
Felizmente, ainda que sob mediação do ministro dos negócios estrangeiros da Rússia, a transição do poder não implicará derrame de sangue. 
O propósito será repetir as eleições para o cargo de Presidente e para o Parlamento. 
Faço votos para que isto signifique o reforço dos hábitos democráticos naquele estado, embora deva confessar que nada sei sobre a situação naquela ex-república soviética. 

À época, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, Chevarnadze coadjuvou Gorbatchov no desmantelamento do império soviético que o deixou cair sob pressão dos sectores mais conservadores do então Partido Comunista da União Soviética 
Por um ou outro artigo de sua autoria que na altura tive oportunidade de ler na nossa imprensa, pareceu-me ser um homem sinceramente empenhado nas ideias democráticas. 
O que o dia a dia georgiano lhe permitiu, não sei. 
Daí o desejo, a esperança, sem qualquer fundamento que aquelas gentes possam encontrar o caminho da liberdade. 



Na quinta-feira, o último dia da semana estudantil, a aula foi mais curta que o habitual e centrou-se nos exercícios em torno da palavra sapato. 
Depois do almoço, os alunos regressaram à escola para se deslocarem ao pavilhão da Vélhinha onde participaram numa sessão sobre prevenção rodoviária. 
E a verdade é que ontem, no regresso da hora da natação, a pardalada veio a falar sobre o significado dos sinais de trânsito. 



E nessa noite desloquei-me à Escola Básica do segundo e terceiro ciclos José Afonso, a fim de assistir a uma assembleia de encarregados de educação do agrupamento vertical com o mesmo nome que engloba todas as escolas do ensino obrigatório em Alhos Vedros e ainda os jardins-de- infância da rede pública, supostamente para discussão de uma futura associação de pais correspondente àquela estrutura organizativa. 
Pois perdi o meu tempo. A reunião não teve qualquer preparação prévia por parte da comissão organizadora e, seria fatal, foi mal conduzida. A maior parte da sessão falou-se dos problemas disciplinares do estabelecimento anfitrião e das tricas comportamentais da escola primária da Quinta da Fonte da Prata; chegamos ao ponto de assistir a recriminações entre os presentes a propósito dos gestos civilizados dos respectivos filhinhos e, não fossem as palavras de uns professores da comissão executiva do novel agrupamento, só nos minutos finais teríamos abordado o tema do encontro – que, singularmente, nem teve ordem de trabalhos – e tão só para deixar que alguém se oferecesse para fazer parte dos corpos directivos da futura associação. 

Para já vamos esperar para ver. 
Haja o que houver, será este o primeiro ano de actividade pelo que não tem qualquer termo comparativo. Será, por isso, o ponto de referência para futuros propósitos e práticas. 
Aparentemente, não existe qualquer ideia nem modelo exequível para coordenar os trabalhos que, necessariamente, terão que desenvolver-se nas diferentes unidades de ensino do conjunto. 
Em conformidade, não será de mais pedir que seja esse o saldo deste primeiro mandato. Seria suficiente para lhe atribuirmos nota positiva. 
Sinceramente, receio bem que tal não venha a acontecer. 

Mas a história começa mal. 
Aquelas pessoas nem tinham conhecimento da existência da Associação de Pais da Escola Básica nº. 1 que está legalmente constituída e responde por um triénio de trabalho com provas dadas e balanço altamente positivo. Ora se é verdade que isto só lhes fica mal, não deixa de evidenciar a ausência de uma visão de conjunto para aquilo que se espera. 

Cá para mim não será desajustado se não perdermos de vista a utilidade daquele organismo que muito colaborou para que as melhorias na escolinha da Margarida permitam agora à Matilde a experimentação de um ensino em condições mais confortáveis. 
Oxalá que este sucesso se repita. 



A temperatura desceu. 
O Sol esconso dos últimos dois dias deixou que às chuvas sucedesse um vento frio sob uma luz que já não tem força para aquecer o ar. 
Só as nuvens se acinzentam para decorar o azul. 



A desonestidade intelectual em torno do problema iraquiano continua. 
Só falta o descaramento que permita dar vivas pelas balas iraquianas. 
Mas ninguém aponta uma alternativa para a guerra ao terrorismo e ninguém é capaz de mostrar que este não é um perigo letal para o nosso modo de vida. 
Esta guerra começou a onze de Setembro e foi desencadeada pela Al-Qaeda com os massacres que, nessa manhã de vergonha, operacionais daquela rede terrorista levaram a cabo em Nova York e Washington. Esquecer este pormenor é faltar à verdade. Não compreendê-lo representa a impossibilidade de requerer e apoiar a união das democracias ocidentais neste combate, sem a qual nos arriscamos a permanecer sob o efeito de uma chantagem insuportável. 

E nós não podemos ficar reféns de fanáticos imbuídos de uma visão do mundo em que a sharia é a única lei aceitável. 


Em França, o poder político já está manietado pela pressão que o integrismo exerce sobre os cinco milhões de muçulmanos que actualmente residem naquele território. A falta de firmeza com que o estado laico lidou com o problema dos chadores nas escolas públicas é disso uma prova. 

Deus queira que eu esteja redondamente enganado. 



Portugal continua a sua bolinagem sem rumo à vista, em velocidade de cruzeiro, até que algo extraordinário aconteça. 



A Matilde já usa a escrita nas brincadeiras. 


E eu vou buscar a Margarida que às cinco deixei na festa de aniversário da Sara, uma colega de escola. 
E aproveitarei o que resta do Domingo para ler. 
Aqui voltarei amanhã. 


 Alhos Vedros 
  23/11/2003

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