O LADO FEIO
DAS
LUZES DE NÉON
Por
Abdul
Cadre
Engels dizia que a violência é a parteira da
História. Assim tem sido e assim continua a ser, mesmo quando travestida de acções
menos primárias. É-o na perspectiva marxista de luta de classes e é-o igualmente
do ponto de vista do animal que nos coube ser, porque o homem vive em completa
promiscuidade com o animal que o suporta; desde a noite os tempos, aprendeu
mais com as feras do que com os pássaros, mais com o medo do que com a
temeridade, mais com a agressão do que com a fuga.
Frágil perante a natureza agreste, inventou a tribo
para optimizar a exploração dos recursos, obter conforto para o corpo,
reproduzir-se. Neste desiderato, aqueles com características mais semelhantes,
mais próximas da natureza bruta submeteram os que dessa brutalidade menos
comungavam.
Fundaram-se
religiões, estabeleceram-se ideologias pregando a igualdade dos homens e os
critérios do bem, mas elas próprias permitiram que uns fossem mais iguais do
que os outros; inventaram Deus como proprietário do bem e, de imediato e em Seu
nome, roubaram, violaram, torturaram, mataram. Aliás, todos nós descendemos de
antropófagos, violadores e homicidas. Está no nosso ADN. Foi por isso, muito
provavelmente, que as religiões do bem se tornaram o mal de sempre que nenhuma
nuvem de incenso conseguiu disfarçar.
Para estarmos instalados na sociedade actual, é
evidente que muita coisa sublimámos, mas esta sociedade, se é que nos fez
perder os dentes, não nos livrou dos maus instintos nem nos impede os intentos.
É claro que já não puxamos da espada e zás, rasteiramos, caluniamos, o fio da
espada passou-nos para a língua. Aliás, chamamos democráticas às sociedades que
privilegiam os linguarudos.
Já não tememos o Deus que dantes nos convinha e
nunca vimos, agora o que tememos é não ter o suficiente do nosso Deus concreto,
palpável e verdadeiro a que nos redemos, o senhor do ter, o deus dinheiro.
Hoje até achamos que a ambição é uma virtude – e
jamais adiantou chamar-lhe pecado –, a competitividade um dever, como se a vida
fosse uma corrida e o outro apenas um degrau de nos elevarmos a Deus, Nosso
Senhor, o nosso idolatrado dinheiro a quem servimos e que de pronto nos abençoa
na medida justa do nosso egoísmo.
Há quem pense – os ecologistas, por exemplo – que a
natureza não gosta do nosso comportamento, e nós bem sabemos como ela é bruta,
tão bruta que, quando éramos verdadeiramente brutos, não conseguimos jamais ser
tão brutos quanto ela.
Valha-nos isso!
09 Ago 2016
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