sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Amorosas Crueldades


O LADO FEIO
DAS LUZES DE NÉON

Por
Abdul Cadre

Engels dizia que a violência é a parteira da História. Assim tem sido e assim continua a ser, mesmo quando travestida de acções menos primárias. É-o na perspectiva marxista de luta de classes e é-o igualmente do ponto de vista do animal que nos coube ser, porque o homem vive em completa promiscuidade com o animal que o suporta; desde a noite os tempos, aprendeu mais com as feras do que com os pássaros, mais com o medo do que com a temeridade, mais com a agressão do que com a fuga.

Frágil perante a natureza agreste, inventou a tribo para optimizar a exploração dos recursos, obter conforto para o corpo, reproduzir-se. Neste desiderato, aqueles com características mais semelhantes, mais próximas da natureza bruta submeteram os que dessa brutalidade menos comungavam.

 Fundaram-se religiões, estabeleceram-se ideologias pregando a igualdade dos homens e os critérios do bem, mas elas próprias permitiram que uns fossem mais iguais do que os outros; inventaram Deus como proprietário do bem e, de imediato e em Seu nome, roubaram, violaram, torturaram, mataram. Aliás, todos nós descendemos de antropófagos, violadores e homicidas. Está no nosso ADN. Foi por isso, muito provavelmente, que as religiões do bem se tornaram o mal de sempre que nenhuma nuvem de incenso conseguiu disfarçar.

Para estarmos instalados na sociedade actual, é evidente que muita coisa sublimámos, mas esta sociedade, se é que nos fez perder os dentes, não nos livrou dos maus instintos nem nos impede os intentos. É claro que já não puxamos da espada e zás, rasteiramos, caluniamos, o fio da espada passou-nos para a língua. Aliás, chamamos democráticas às sociedades que privilegiam os linguarudos.

Já não tememos o Deus que dantes nos convinha e nunca vimos, agora o que tememos é não ter o suficiente do nosso Deus concreto, palpável e verdadeiro a que nos redemos, o senhor do ter, o deus dinheiro.

Hoje até achamos que a ambição é uma virtude – e jamais adiantou chamar-lhe pecado –, a competitividade um dever, como se a vida fosse uma corrida e o outro apenas um degrau de nos elevarmos a Deus, Nosso Senhor, o nosso idolatrado dinheiro a quem servimos e que de pronto nos abençoa na medida justa do nosso egoísmo.

Há quem pense – os ecologistas, por exemplo – que a natureza não gosta do nosso comportamento, e nós bem sabemos como ela é bruta, tão bruta que, quando éramos verdadeiramente brutos, não conseguimos jamais ser tão brutos quanto ela.


Valha-nos isso!

09 Ago 2016


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