quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Histórias da Nossa Terra


por Luís Santos



O CONCELHO DE ALHOS VEDROS

Nesses tempos do antigo Concelho do Ribatejo (secs. XIII/XIV), Alhos Vedros constituia conjuntamente com Santa Maria de Sabonha, hoje freguesia de São Francisco pertença do concelho de Alcochete, os dois principais centros territoriais do tempo.

Como diz José Manuel Vargas, "Em meados do séc. XIV, Alhos Vedros caminhava no sentido da sua autonomia municipal, separando-se do concelho do Ribatejo, do qual era, junto com Sabonha, uma das suas sedes concelhias. Desde 1384, pelo menos, que se conhecem referências a um paço do concelho em Alhos Vedros e a diversos ofícios da administração municipal (...).

Importante também será dizer que os direitos senhoriais de Alhos Vedros, desde finais do século XIII, eram em larga medida pertença da Ordem de Santiago. Mas, continuando a seguir Vargas, "Por uma carta régia, datada de 1395 (28 de Agosto), sabemos agora que todos os direitos, rendas e senhorios de Alhos Vedros e do seu termo foram comprados por Gonçalo Lourenço de Gomide, escrivão da puridade de D. João I".

Anote-se que:
i) "escrivão da puridade" era um cargo à época de altíssima importância na hierarquia da administração régia, um "quase" primeiro-ministro dos tempos atuais;
ii) Gonçalo Lourenço de Gomide é avô de Afonso de Albuquerque, governador e vice-rei da Índia.

A IGREJA MATRIZ E DOM DINIS

Embora não se conheça a data certa da sua edificação, pensa-se que a Igreja Matriz de Alhos Vedros tenha sido construída no século XIII, contando, por isso, perto de 800 anos!

Houve quem tivesse referido que a construção do seu núcleo inicial tenha acontecido em meados do século XII (1146), e que foi construída em cima de uma mesquita árabe que já existiria na freguesia, então ocupada pelos mouros, mas a verdade é que não se pode afirmar com rigor que quer a Igreja, quer o lugar de Alhos Vedros, pelo menos com este nome, tivessem origem antes da reconquista cristã, pois que, como se tem dito, o documento escrito mais antigo que refere a existência da Igreja Matriz é de 1298…

O ano de 1298 leva-nos até D. Dinis, nascido em 1261, depois coroado Rei de Portugal no ano de 1279 e até 1325. Diga-se, antes de mais, que falar de D. Dinis é uma forma simbólica de referir toda uma nação, todo um povo. Há referências no seu reinado à existência de um estaleiro de construção naval na área do antigo concelho de Alhos Vedros, denominado de Ribeira das Naus do Coina, no lugar da Telha Velha, hoje concelho do Barreiro, que trabalharia em complementaridade com a Ribeira das Naus de Lisboa, o grande estaleiro do império oceânico, messiânico, português. Como é sabido, foi D. Dinis, que fundou a Marinha Portuguesa. Fernando Pessoa, no seu livro “Mensagem”, designou-o como “o plantador das naus a haver”.

Ficou mais vulgarmente conhecido pelo Rei Lavrador, poderoso que foi o seu jeito reformista na política agrícola do país, jeito reformador que também teve na educação e, vai daí, funda o “Estudo Geral”, em Lisboa, a primeira Universidade Portuguesa que muito ajudou a dar “novos mundos ao mundo”, como diria Luís de Camões, já que vamos com poetas.

Foi ainda D. Dinis, rei e poeta, que protegeu os famosos Templários, ao arrepio do Papa e da poderosa corte francesa, que juntos deram a terrível ordem do seu aniquilamento. O nosso Rei não só os protegeu como lhes manteve os privilégios, tendo em Portugal a Ordem do Templo passado a Ordem de Cristo, a tal que teve um papel determinante na expansão ultramarina.

Não poderíamos acabar esta alusão a D. Dinis sem falar na sua Santa companheira, a Rainha Isabel de Aragão, ao que parece mulher muito piedosa, amiga dos pobres, espírito pacifista e, dizem, milagreira. Foi ela que introduziu em Portugal a famosa festa do culto popular do Espírito Santo que cultuava a partilha de bens pelos mais pobres, ocupava-se com a libertação social dos desavindos e, ponto alto da festa, sempre se coroava simbolicamente uma criança como imperador do Reino. Ora, como nós sabemos, e insistindo com Fernando Pessoa, “o melhor do mundo são (mesmo) as crianças”.

SÃO NUNO DE SANTA MARIA POR AQUI?

D. Afonso IV, filho de Dom Dinis e seu sucessor, rei de Portugal entre 1325 e 1357, na esteira das políticas do pai, desenvolveu muito a Marinha Portuguesa, nomeadamente a Marinha Mercante. É ainda durante o seu reinado que se fazem as primeiras explorações atlânticas e se descobrem as Ilhas Canárias. A existência de um estaleiro de construção naval, neste período, no concelho de Alhos Vedros, estaleiro complementar ao da Ribeira das Naus, como já se disse, faz com que a sua história se relacione de perto com o incremento desta política nacional virada para o mar.

D. Afonso IV, infelizmente, acabaria também por ficar na história pelas piores razões, ter mandado matar Inês de Castro...

Como a sucessão monárquica do poder se faz preferencialmente por legítimo filho primogénito, quando D. Pedro, filho de Afonso IV, ascendeu a rei, perdido de amores por Inês, não teve tempo nem vontade de fazer um com a rainha, acabou por ter que ascender na liderança do reino um D. Fernando ilegítimo que, por sua vez, morreu cedo e, continuando na mesma senda, só deixou filha única que haveria de fazer casamento em Castela, acontecimento que, por pouco, não levou o país consigo.

Como é sabido, Portugal salvou-se de Castela na Batalha de Aljubarrota, ali para os lados de Alcobaça, com o Condestável Nuno Álvares Pereira no comando de um pequeno exército que, por astúcia de tática militar, infligiu pesada derrota aos castelhanos. Como é sabido, Nuno Álvares Pereira, pessoa de grande vocação espiritual e religiosa, foi beatificado em 1918 e canonizado em 2009 com o nome de São Nuno de Santa Maria.

Mas, ao que vem a nossa terra para aqui chamada?

Sabemos que D. João I está ligado à história da região. Por aqui se terá refugiado em luto quando da morte da Rainha Filipa de Lencastre, na companhia do seu filho bastardo, D. Afonso, em palácio que se julga ter sido pertença deste. Este seu filho ilegítimo, por sua vez, era casado com D. Beatriz Pereira de Alvim, filha única de Nuno Álvares Pereira. Ora, embora não conheçamos documentos que o atestem, é muito provável que também Nuno Álvares tenha andado por aqui com D. João I, seu rei e compadre, cumprindo luto e arquitetando a partida para a conquista de Ceuta.

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