por Luís Santos
O CONCELHO DE ALHOS
VEDROS
Nesses tempos do antigo Concelho do Ribatejo (secs.
XIII/XIV), Alhos Vedros constituia conjuntamente com Santa Maria de Sabonha,
hoje freguesia de São Francisco pertença do concelho de Alcochete, os dois
principais centros territoriais do tempo.
Como diz José Manuel Vargas, "Em meados do séc. XIV,
Alhos Vedros caminhava no sentido da sua autonomia municipal, separando-se do
concelho do Ribatejo, do qual era, junto com Sabonha, uma das suas sedes
concelhias. Desde 1384, pelo menos, que se conhecem referências a um paço do
concelho em Alhos Vedros e a diversos ofícios da administração municipal (...).
Importante também será dizer que os direitos senhoriais de
Alhos Vedros, desde finais do século XIII, eram em larga medida pertença da
Ordem de Santiago. Mas, continuando a seguir Vargas, "Por uma carta régia,
datada de 1395 (28 de Agosto), sabemos agora que todos os direitos, rendas e
senhorios de Alhos Vedros e do seu termo foram comprados por Gonçalo Lourenço
de Gomide, escrivão da puridade de D. João I".
Anote-se que:
i) "escrivão da puridade" era um cargo à época de
altíssima importância na hierarquia da administração régia, um
"quase" primeiro-ministro dos tempos atuais;
ii) Gonçalo Lourenço de Gomide é avô de Afonso de
Albuquerque, governador e vice-rei da Índia.
A IGREJA MATRIZ E DOM
DINIS
Embora não se conheça a data certa da sua edificação,
pensa-se que a Igreja Matriz de Alhos Vedros tenha sido construída no século
XIII, contando, por isso, perto de 800 anos!
Houve quem tivesse referido que a construção do seu núcleo
inicial tenha acontecido em meados do século XII (1146), e que foi construída
em cima de uma mesquita árabe que já existiria na freguesia, então ocupada
pelos mouros, mas a verdade é que não se pode afirmar com rigor que quer a
Igreja, quer o lugar de Alhos Vedros, pelo menos com este nome, tivessem origem
antes da reconquista cristã, pois que, como se tem dito, o documento escrito
mais antigo que refere a existência da Igreja Matriz é de 1298…
O ano de 1298 leva-nos até D. Dinis, nascido em 1261, depois
coroado Rei de Portugal no ano de 1279 e até 1325. Diga-se, antes de mais, que
falar de D. Dinis é uma forma simbólica de referir toda uma nação, todo um
povo. Há referências no seu reinado à existência de um estaleiro de construção
naval na área do antigo concelho de Alhos Vedros, denominado de Ribeira das
Naus do Coina, no lugar da Telha Velha, hoje concelho do Barreiro, que
trabalharia em complementaridade com a Ribeira das Naus de Lisboa, o grande
estaleiro do império oceânico, messiânico, português. Como é sabido, foi D.
Dinis, que fundou a Marinha Portuguesa. Fernando Pessoa, no seu livro
“Mensagem”, designou-o como “o plantador das naus a haver”.
Ficou mais vulgarmente conhecido pelo Rei Lavrador, poderoso
que foi o seu jeito reformista na política agrícola do país, jeito reformador
que também teve na educação e, vai daí, funda o “Estudo Geral”, em Lisboa, a
primeira Universidade Portuguesa que muito ajudou a dar “novos mundos ao
mundo”, como diria Luís de Camões, já que vamos com poetas.
Foi ainda D. Dinis, rei e poeta, que protegeu os famosos
Templários, ao arrepio do Papa e da poderosa corte francesa, que juntos deram a
terrível ordem do seu aniquilamento. O nosso Rei não só os protegeu como lhes
manteve os privilégios, tendo em Portugal a Ordem do Templo passado a Ordem de
Cristo, a tal que teve um papel determinante na expansão ultramarina.
Não poderíamos acabar esta alusão a D. Dinis sem falar na
sua Santa companheira, a Rainha Isabel de Aragão, ao que parece mulher muito
piedosa, amiga dos pobres, espírito pacifista e, dizem, milagreira. Foi ela que
introduziu em Portugal a famosa festa do culto popular do Espírito Santo que
cultuava a partilha de bens pelos mais pobres, ocupava-se com a libertação
social dos desavindos e, ponto alto da festa, sempre se coroava simbolicamente
uma criança como imperador do Reino. Ora, como nós sabemos, e insistindo com
Fernando Pessoa, “o melhor do mundo são (mesmo) as crianças”.
SÃO NUNO DE SANTA
MARIA POR AQUI?
D. Afonso IV, filho de Dom Dinis e seu sucessor, rei de
Portugal entre 1325 e 1357, na esteira das políticas do pai, desenvolveu muito
a Marinha Portuguesa, nomeadamente a Marinha Mercante. É ainda durante o seu
reinado que se fazem as primeiras explorações atlânticas e se descobrem as
Ilhas Canárias. A existência de um estaleiro de construção naval, neste
período, no concelho de Alhos Vedros, estaleiro complementar ao da Ribeira das
Naus, como já se disse, faz com que a sua história se relacione de perto com o
incremento desta política nacional virada para o mar.
D. Afonso IV, infelizmente, acabaria também por ficar na
história pelas piores razões, ter mandado matar Inês de Castro...
Como a sucessão monárquica do poder se faz preferencialmente
por legítimo filho primogénito, quando D. Pedro, filho de Afonso IV, ascendeu a
rei, perdido de amores por Inês, não teve tempo nem vontade de fazer um com a
rainha, acabou por ter que ascender na liderança do reino um D. Fernando
ilegítimo que, por sua vez, morreu cedo e, continuando na mesma senda, só
deixou filha única que haveria de fazer casamento em Castela, acontecimento
que, por pouco, não levou o país consigo.
Como é sabido, Portugal salvou-se de Castela na Batalha de
Aljubarrota, ali para os lados de Alcobaça, com o Condestável Nuno Álvares
Pereira no comando de um pequeno exército que, por astúcia de tática militar,
infligiu pesada derrota aos castelhanos. Como é sabido, Nuno Álvares Pereira,
pessoa de grande vocação espiritual e religiosa, foi beatificado em 1918 e
canonizado em 2009 com o nome de São Nuno de Santa Maria.
Mas, ao que vem a nossa terra para aqui chamada?
Sabemos que D. João I está ligado à história da região. Por
aqui se terá refugiado em luto quando da morte da Rainha Filipa de Lencastre,
na companhia do seu filho bastardo, D. Afonso, em palácio que se julga ter sido
pertença deste. Este seu filho ilegítimo, por sua vez, era casado com D.
Beatriz Pereira de Alvim, filha única de Nuno Álvares Pereira. Ora, embora não
conheçamos documentos que o atestem, é muito provável que também Nuno Álvares
tenha andado por aqui com D. João I, seu rei e compadre, cumprindo luto e
arquitetando a partida para a conquista de Ceuta.
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