Aqui o Sol aparece e desaparece por detrás dos montes e no meio ficam as corcundas e os chapéus de bico que fazem com que a terra se faça a miúde, com vertentes quase a pique e que a mão do homem encheu de casinhas e casarões coloridos a ladearem ruas pavimentadas com pedras negras salientes e multiformes.
Haculumy é o ponto mais alto, acima dos mil e setecentos metros; as vistas são impressionantes.
A disposição do casario reflecte os contornos das colinas e montes e vemo-nos forçados a subir e a descer as vertentes, fugindo, dentro do possível, às mais íngremes e fazendo escalas em pontos de interesse ou em lojas de artesanato que se espalham, aqui e ali, por algumas das ruas secundárias que da praça principal descem em direcção ao rio.
Ouro Preto é uma cidade histórica da rota do início da exploração mineira que de imediato se seguiu à fixação demográfica que os bandeirantes possibilitaram, com as suas expedições, logo no início do século dezassete.
Ainda hoje em dia há laboração em torno do minério e na vizinhança até é possível visitar uma mina de ouro que cessou a actividade há pouco mais de dez anos. À entrada da urbe, do lado de quem vem de Ouro Branco, há mesmo uma grande unidade industrial para aqueles fins. Mas a actualidade do burgo centra-se mais na universidade e em todo o movimento que se gera em seu redor; estamos naquilo que podemos chamar uma cidade universitária o que é bem visível nas muitas repúblicas de estudantes, cujas tabuletas também muito contribuem para o pitoresco e a singularidade do lugar.
E neste fim-de-semana que trás o fim das férias de Julho, nota-se os magotes da estudantada estridente e gargalhante, contente pelo regresso ou o ingresso que, como em todos os sítios assim, são os caloiros quem mais se diverte com os ares dos primeiros dias e nem mesmo a geada da madrugada impede que a boémia dure até aos primeiros cantares dos galos.
Diz-se que Ouro Preto é a cidade das igrejas e na verdade pululam às mãos cheias, com os seus campanários altaneiros e destaque acima dos telhados ou dos balandraus da vegetação e é difícil olharmos a paisagem sem que em ângulo algum deixemos de avistar pelo menos uma. E também é um facto a imponência de algumas delas, tanto quanto à dimensão diz respeito como à riqueza dos ornamentos barrocos dos traçados.
Mas não é menos verdade que aquelas são afinal a imagem comum que tanto os pequenos povoados como as urbes maiores ostentam por estas bandas. Tenho para mim que esse é o principal legado português para este futuro que é o presente que vivemos.
Justamente foram elas um dos nossos objectivos do dia e se bem que não tão ricas quanto seria de esperar – ainda hoje recordo uma custódia do meu tamanho que vi em Parati – mas não duvidando que as peças mais valiosas e impressionantes estejam guardadas, são, contudo, em todos os exemplares em que entrámos, obras de arte dignas de serem apreciadas e gozadas, onde até nos sabe bem empregar um bom lapso de tempo para que meditemos nos mistérios dos primórdios de um local como este.
E lá estão as técnicas de pintura de tectos que nos cria a ilusão de movimento em certas figuras ou nos olhos com que os santos continuam a fixar os nossos quando rodamos para a posição contrária em que nos encontrávamos em relação a eles.
A Igreja de São Francisco de Assis, a obra prima do Aleijadinho, foi a que mais encantos despertou entre a família que anda em viagem.
No entanto há mais para ver, a começar pelas pinturas naifs dos vendedores de rua ou em lojinhas de artesanato, como também edifícios de interesse, como a Casa do Conto, onde para além do mobiliário e documentos de variados géneros de séculos idos, demos de caras com uma exposição de moedas que, desde o início da colonização portuguesa, por ali circularam.
O cansaço que sentimos é bem compensado por aquilo que vimos.
Criamos espaços de repouso, ao fim da tarde, com a recolha aos quartos para que os miúdos brinquem e os pais possam, no nosso caso, ler ou dormitar.
“-Ficas aqui junto dos avós que a mãe vai ver o tio Daniel.” –Disse a Matilde ao pousar um dos seus bonecos aos pés da cama em que me estendi para ler.
Thomas Mann na maturidade, com uma história que parece ter sido escolhida a propósito para ler neste cenário, a busca de identidade de um escritor alemão do norte no fim do século dezanove, (1) justamente a época desta arquitectura civil do lugar e desta pousada também.
Guardámos os carros na garagem; estamos no domínio dos caminhantes.
Ouro Preto
NOTA
(1) Mann, Thomas, TÖNIO KRÜGER
CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Mann, Thomas, TÖNIO KRÜGER, Tradução de Cláudia Gonçalves, Dom Quixote (2ª. Edição), Lisboa, 2003
Sem comentários:
Enviar um comentário