quarta-feira, 6 de novembro de 2019

O CÉU ESTÁ COBERTO DE TI PAI


José Gil


O CÉU ESTÁ COBERTO DE TI PAI

a Manuel Gusmão, poeta,

ativei o cavalo que galopas no digital da solidão
toca Eric Satie neste momento de humidade do céu
o céu está coberto de ti no cérebro sensível de todos
os atores jovens no palco
como em todas as pessoas nas arenas e plateias
os atores são uma tribo intranquila e resiliente
exigentes e capazes de ariscar
tens gavetinhas pai em todo o corpo como Dali no
interior escondido
no movimento mais lento do amor entre nós
toca a testa na mão clara dos cabelos curtos
da rotação do teu corpo amor
no meu no último dia
as minhas pernas saltam da cama de madrugada
guardo nestes poemas as rugas da face
escrevo como quem bebe limonada de resistência
a garganta dói e está rouca no verão em longos sorvos
assobiados de crueldade humana de evitar o fim da
pobreza da ignorância da iliteracia
o céu
és amor sem saberes
a minha gaforina desgrenhada
aqui vou deixar morrer o poema
o silêncio está a refluir
ontem a pé na estrada
só de madrugada no campo pequeno
um carro veio contra mim em marcha atrás
senti o corpo frio com o mármore
e depois travou perto de mim
parecia estar no palco
sobre um asfalto sintético negro
alguns móveis muitos livros
encarnações de mofo
até uma cheirava a bafio
os miolos cheios de larvas e enguias podres

há quanto tempo não vou ao cinema
conheço-te a tricotar todos os dias
uma malha de vida e sangue
o teu sentido oculto como Pessoa,
"e não teres sentido oculto nenhum" ator

Praias de Cascais,
20:39h
31-10-2019

José Gil,
Foto Catarina Gil

Sem comentários: