José Gil
O CÉU ESTÁ COBERTO DE TI PAI
a Manuel Gusmão, poeta,
ativei o cavalo que galopas no
digital da solidão
toca Eric Satie neste momento de
humidade do céu
o céu está coberto de ti no cérebro
sensível de todos
os atores jovens no palco
como em todas as pessoas nas arenas e
plateias
os atores são uma tribo intranquila e
resiliente
exigentes e capazes de ariscar
tens gavetinhas pai em todo o corpo
como Dali no
interior escondido
no movimento mais lento do amor entre
nós
toca a testa na mão clara dos cabelos
curtos
da rotação do teu corpo amor
no meu no último dia
as minhas pernas saltam da cama de
madrugada
guardo nestes poemas as rugas da face
escrevo como quem bebe limonada de
resistência
a garganta dói e está rouca no verão
em longos sorvos
assobiados de crueldade humana de
evitar o fim da
pobreza da ignorância da iliteracia
o céu
és amor sem saberes
a minha gaforina desgrenhada
aqui vou deixar morrer o poema
o silêncio está a refluir
ontem a pé na estrada
só de madrugada no campo pequeno
um carro veio contra mim em marcha
atrás
senti o corpo frio com o mármore
e depois travou perto de mim
parecia estar no palco
sobre um asfalto sintético negro
alguns móveis muitos livros
encarnações de mofo
até uma cheirava a bafio
os miolos cheios de larvas e enguias
podres
há quanto tempo não vou ao cinema
conheço-te a tricotar todos os dias
uma malha de vida e sangue
o teu sentido oculto como Pessoa,
"e não teres sentido oculto
nenhum" ator
Praias de Cascais,
20:39h
31-10-2019
José Gil,
Foto Catarina Gil
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