Passeios erráticos pelo sobe e desce da cidade.
Cruzámo-nos com o pintor César que faz aguarelas dos recantos e vistas de um burgo tão colorido como os seus quadros, de que trouxemos dois exemplares e que a propósito de uma luta entre cães, nos explicou que o mais pequenote estava ali corajosamente a defender a sua dama, uma cadelita branca, “-Ela até que nem é estouvadinha e eles andam sempre junto.”, muito embora naquela tarde andasse a ser perseguida por dois cães vadios.
“-Eu expliquei p´rá ele que os cachorro são ruim. Eu falei mais de quinze minuto. Tu tem cuidado. Mas o que é qui cê quer? Ele não me prestou atenção. Agora tá aí fugindo que nem um desalmado.”
No museu histórico lá está a forca de Tiradentes, o general do exército colonial que chefiou uma revolta independentista contra a coroa portuguesa ao tempo de D. Maria I.
A sentença que o condenou à morte e lhe confiscou todos os bens é um texto implacável. Chegou ao pormenor de determinar que lhe separassem o corpo em quatro pedaços e lhe empalassem a cabeça em lugar público, não sem lhe incendiarem a casa e cobrirem as ruínas com sal para que nada mais ali crescesse.
Entre as provas reunidas no julgamento e que informaram a acusação está uma pequena brochura em francês a respeito da constituição dos Estados Unidos da América e o livro dos direitos.
Quarenta anos mais tarde nasceria o Brasil, como império independente, sob a égide do príncipe de Portugal.
Nos momentos da aguada, a família aproveita para se fotografar.
Mas hoje jantámos na pizzaria mais agradável em que já alguma vez estive.
Uma cave rectangular sobre comprida, com paredes em pedra e mesas e bancos de madeira, mas com uma sonoridade própria para conversas entre convivas que não impediam que se distinguisse nitidamente o canto de um único intérprete, com viola e que nos encantou com recriações de Djavan e Milton que acabaram por ser o quinto sabor das pizzas.
Depois escutámos um concerto por uma orquestra de mulheres, evento que teve lugar num palco instalado na Praça do Palácio dos antigos Governadores e inserido no Festival de Inverno.
Surpresas de viajante.
E eis uma de todo inesperada.
“-Olha Margarida que engraçado o nome nesta placa. O São Lourenço é o santo padroeiro de Alhos Vedros. Vamos ver esta igreja?”
E lá desviámos por uma espécie de portão de adro e contornarmos a fachada até à porta de entrada.
“-Olha que engraçado, Margarida, o tecto tem pinturas iguais às da igreja de Alhos Vedros.”
“-O senhor, está gostando?”
E foi assim que do outro do lado do oceano a não sei quantas horas de diferença horária da terra em que nasci e onde me habituei a ver tectos iguais àqueles, aquele sacristão me contou toda a história do martírio de São Lourenço e os significados de toda a simbologia que está associada à cena principal que é a sua condenação ao fogo em que, de acordo com a lenda narrada, ele terá sido assado.
“-É a grelha em que o santo foi assado.”
E cheio de humor e do seu sotaque cantado, contou-nos que o mártir brincava com os carrascos dizendo que o virassem para o outro lado, pois já estava bem tostadinho daquele.
Ainda não foi há muito que o Nuno Cortez esteve comigo na igreja de Alhos Vedros, para escutar um recital de cântico gregoriano e me perguntou quem tinha pintado os tectos – que vale a pena ver, deve dizer-se – e o que significavam as imagens.
Infelizmente para ele, deu de caras comigo que não soube responder-lhe.
A Luísa e a Matilde chegaram junto de nós, quando o homem ria com o facto de termos ido tão longe para aprendermos uma história da terra em que nascemos.
Ouro Preto
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