segunda-feira, 16 de abril de 2012

Coisas de Mineiro sabido


Com um abraço aos amigos 
Algo para relaxar....
                                                                                       



Muitas são as histórias de médicos contadas nestas paragens do interior de Minas Gerais. No inicio de século passado, quando  o sertão ainda era pouco habitado e as corrutelas  de difícil acesso,  os médicos  viajavam léguas e léguas em estradas de terra batida para atender chamadas em áreas rurais de pacientes ou enfermos impossibilitados de se locomover. O médico era requisitado, a qualquer hora do dia ou da noite, no consultório ou até mesmo em casa. A história que vou relatar é conhecida pelos profissionais mais antigos como sendo verdadeira.

Numa noite de temporal, beirando a meia-noite, batem à porta da casa de um doutor da região.  Sonolento, resmungando o inconveniente da hora, sai da cama e, em  pijama, abre a porta da entrada da casa. Era um homem grande e forte que,  no alpendre, pede para lhe falar. O vento forte fez com que o médico o convidasse para entrar, o que ele prontamente atendeu trazendo lama das botas e água acumulada nas abas do chapéu para o tapete do hall.
Direto, sem rodeios, o peão perguntou-lhe quanto o médico lhe cobraria para ir até o Ribeirão da Onça. 
É muito longe? Pergunta o médico.
Bem,  uma poucas léguas... Responde  o peão.
Vamos no meu carro?A estrada está boa? Pergunta o profissional.
O peão "meio" sem convicção diz:
Quando saí de lá a estrada "tava" boa ...mas o preço o Sr. é quem faz...
O médico pensou, para vir me chamar a estas horas da noite o problema deve ser sério, e depois um profissional não deve recusar um chamado, pode ser um caso grave! Fez os cálculos e cobrou um preço justo para ambos, considerando a situação e o horário. Vestiu  o sobretudo e a roupa e sobre o pijama, colocou os sapatos, pegou a maleta,  avisou a mulher, e foi para a estrada com o caboclo, depois de muito custo para o velho  carro pegar.
A tempestade tropical não dava trégua. A chuva caía violenta diminuindo a visibilidade, apesar do trabalho incessante do vai-e-vem do pára-brisa do calhambeque. Os raios rasgavam o negrume do céu, como faíscas brilhantes anunciadas pelos trovões retumbantes que faziam tremer a terra. O caminho que levava a Ribeirão virara um lamaçal onde o carro derrapava em zig-zag com frequência.  Os buracos cheios de água e lama, pouco visíveis naquela turbulência, eram uma cilada constante a cada palmo rodado. De repente, apesar de todo o cuidado, o carro resvalou e caiu num atoleiro. O susto e a contrariedade fazem o médico soltar um palavrão, coisa pouco elegante a pessoa educada como o ele. Já estava arrependido de ter saído para atender sem tomar conhecimento do caso com mais detalhes.  No banco ao lado,  o peão,  prestativo, logo se ofereceu para ajudar naquela situação difícil:
"O dotô pisa fundo e eu empurro o bicho para frente". O médico pensou, reconfortado, olhando a musculatura hipertrofiada do peão, bem visível, debaixo da roupa molhada; quem sabe esse fortão não consegue nos tirar desta enrascada.... E  assim depois de várias tentativas, muita fumaça, esforço  e gritaria, o carro saiu do atoleiro.  Mas,  para temor e desconfiança  do motorista o  grandalhão, todo enlameado, sentou-se no banco traseiro, deixando  o médico com a pulga atrás da orelha. Este sentiu um arrepio correr-lhe a espinha, ao lembrar-se de uma situação semelhante que se passara  com um colega que fora assaltado e roubado na estrada da mesma maneira...Armados com facas, os bandidos o renderam. Quiseram até cortar os dedos do profissional para tirar-lhe a aliança e o anel de formatura, pois com a idade ele engordara... A sorte foi que o médico tinha vaselina na pasta, e , para gozação dos malandros, usou-a para soltar os anéis.
Preocupado, disfarçadamente, com uma das mãos procurou a maleta, abriu-a  e buscou no fundo dela, debaixo dos apetrechos de médico, o revolver. Naquelas bandas,  antigamente,  as armas de fogo eram indispensáveis e inseparáveis companheiras de  aventureiras jornadas... 
A cada lufada de vento crescia o medo e o arrependimento, até que,  finalmente,  chegaram à casa do caboclo, que sorrindo disse:
Pode largar a garrucha “seu dotô” chegamo... . E meio sem-graça,  entrou na casa chamando a esposa, aos berros...
Joana, ó Joana...ocê tá melhor?
Do quarto sai a mulher de camisola, espreguiçando-se, espantada com toda aquela barulheira... Ora, home, eu não tô doente...e como é que ocê conseguiu chegar, com esse temporá...eu só ia te esperá amanhã....
Sem entender nada o médico olhava estupeficado aquela cena doméstica, até que o espertalhão do caboclo, sem saída,  explicou :
Pois é ...eu perdi o ônibus, sem lugar pra ficá, e sem taxista que quisesse  me trazer até aqui por dinheiro nenhum do mundo,  a solução foi procurar o doutor ...
Dizem também que o médico não fez por menos. Consultou os dois, pediu exames preventivos, cobrou honorários com acréscimos de atendimento noturno e fora de logradouro, gastos de gasolina, limpeza do carro, risco de vida, ...E ainda ganhou do sabido caboclo frango em pé, ovos, picuás de verduras e frutas, e a promessa de uma leitoa pro final do ano!
Coisas de caboclo folgado, coisas de mineiro sabido...
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 12/04/12

Sem comentários: