quinta-feira, 5 de abril de 2012

d´Arte - Conversas na Galeria LXXXIII


Procissão Senhor Jesus das Chagas Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 80X70cm

Procissão
Recebi a chamada de uma amiga que me pediu para colaborar na angariação de fundos, para a Misericórdia do Barreiro. A sua ideia era organizar, com quadros doados por um vasto leque de artistas, uma exposição de pintura com uma característica especial: Todos os quadros teriam o mesmo preço, independentemente do seu valor comercial, ou da notoriedade do pintor. Concordei com o pedido e acertei a data da entrega.
Seleccionar uma obra para doação é menos complicado do que avaliar professores...
Quando percorri mentalmente as que tinha em casa e que eu considerava concluídas, lembrei-me, quase de imediato, da solução perfeita para o problema: Tinha recentemente dado por acabado um trabalho que tomou conta de mim, seguindo um caminho que eu nunca tinha imaginado. Passo a contar:
Num belo Domingo de Abril, acho que foi a 16, data do meu casamento, fui com a família às tradicionais festas de Sesimbra.
Era dia de procissão e quando passou o andor com a imagem do Senhor Jesus das Chagas, fiquei impressionado: A imagem do Senhor, de alguma maneira falou comigo. Não era minha intenção mas acompanhei durante algum tempo a procissão, para tirar fotografias.
Quando finalmente tive as fotos em meu poder, o maior problema foi seleccionar aquela que seria melhor para a tela que tinha projectado. Depois de um sem número de esboços acabei por me decidir por uma que cumpria algumas das premissas que tinha imposto: Cristo não podia olhar de frente, porque os olhos das imagens não têm beleza, mas tinha de estar em primeiro plano. Queria dar nota do envolvimento da multidão de devotos e das forças vivas que acompanham estas cerimónias. Feita a escolha, pus mãos à obra.
Não tive qualquer espécie de problema com o esboço que fiz. Tinha na minha memória, nítidas, as cores que queria plasmar na tela. Mas... as cores do Cristo na imagem, ficavam mortas, como as dos bonecos de barro, e eu não gostava do que via... A pouco e pouco, fui trazendo vida à imagem com as cores da carne palpitante e do
“sangue a gorgolejar das artérias abertas
pressuroso e vivo
como vermelhas minhocas despertas...”
Tanto realismo colocou Jesus de castigo no meu estúdio: Na minha casa todos ficavam impressionados com o Cristo sofredor e cabisbaixo... – Outra vez – pensei. Esta imagem, do século XVI, segundo a lenda, foi lançada ao mar pela mulher de Henrique VIII, quando da revolta dos anglicanos contra o papado, e recuperada perto do Cabo Espichel. Obra sobre um tema religioso, que não tinha grande futuro na minha casa.
Solução perfeita para uma oferta à Misericórdia, não acham?
No dia da inauguração da exposição, quando comecei a dar a volta para ver os quadros expostos, ao chegar ao meu, já tinha o sinal de vendido. Durante o beberete, a minha amiga apresentou-me a senhora que comprara a obra e que queria falar comigo. Depois das banalidades sociais da ocasião, a senhora disse-me:
– Quando entrei, vi imediatamente o Senhor Jesus das Chagas, de que sou muito devota. A expressão que lhe deu, apesar da sua situação, não revela sofrimento e traz-me muita paz e conforto. É por isso que o quero na minha casa – disse-me, com os olhos a brilhar.
A tristeza e o sofrimento do Senhor Jesus das Chagas, no meu lar, transformou-se, por milagre, em paz e conforto, na casa da devota senhora.

Feliz Páscoa para Todos!

2 comentários:

estudo geral disse...

Inspira-me um poeta amigo a versejar com ele "...um prego preto preso na polpa da mão ao sol..." tal como, de súbito, dada a feminidade do rosto, me vem à memória um desenho do Kira, pintor barreirense, onde pregada no sacrifixo está uma Mulher... (sacrifixo: palavra que substituirá crucifixo e sacrifício).
Mas aquela mão não engana, é de Homem. Lá em baixo o povo olhando e alguém que cruza os braços em varanda com colcha. Por outro lado, o ângulo da foto revela uma grande proximidade em relação ao Deus, o que não admira, portanto, que tenham comunicado. É que nem é preciso falar muito alto, basta dizer em segredo.
E, pronto, já passou a procissão. Para quando o fim das chagas, Senhor?

Santa Páscoa para Todos.

A.Tapadinhas disse...

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

As chagas (e os chagas), é que não vão passar tão cedo!

Consolo-me comendo uma amêndoa, enquanto olho para o meu quadro "Flor de Amendoeira"...

Boa Páscoa!

António