«Eu julgava que nos distinguíamos dos animais por uma razão mais elevada,
mas, afinal, o que nós temos mais do que eles é imaginação.»
(Terra de Nod, Judith Navarro, 1961:172)
As fábulas, que ouvi quando
miúdo, eram o reino da imaginação, apesar de começarem, invariavelmente, assim:
‘No tempo em que os animais falavam…’ Então, eram também os animais pensantes
que me davam belas lições de vida. E foi essa linha que retomei no meu mais
recente livro Bichos à Solta (Lisboa: Edições Vírgula - Chancela do Sítio do
Livro, 77 p., Dezembro 2016). Pus golfinhos, baleias, rãs, cavalos, hamsters,
esquilos, cães, gatos, flamingos, cegonhas a ‘escrever’… postais à minha filha
mais nova.
E deste modo «regressamos a uma das mais poderosas e intemporais intuições da
humanidade, a de que os animais falam e comunicam com os humanos. Os mitos,
tradições e lendas das mais diversas culturas falam-nos de um tempo em que as
diferentes espécies de seres comungavam e comunicavam entre si, não estando
ainda separadas e fechadas pelas barreiras do medo, da agressão, da estranheza
e da indiferença. Essas narrativas evocam uma harmonia original do mundo e da
criação que não deixa de suscitar uma irresistível saudade, por mais que o que
nos dizem pareça hoje estranho a muitos dos nossos contemporâneos, filhos de
uma civilização que se afasta cada vez mais da natureza e do convívio com as
vozes e os afectos dos seres não-humanos.» (Prefácio, p. 13)
Bichos à Solta é um livro juvenil (ou talvez não) que conta, num
registo epistolar, 25 estórias (todas ilustradas por Lionor Dupic e Constança
Souta) que «constituem uma profunda lição de educação ambiental», nas palavras
de Paulo Borges (FL-UL) que assina o prefácio.
O corvo marinho de faces brancas
(ou cormorão), deste graffiti do
Muraliza 2014 que Third, o autor (Nuno Palhas, nascido em Vila Nova de Gaia, em
1979) associou à fundação do município de Cascais - 1364), não foi incluído
neste meu nono livro. Na terceira parte da obra, andam por lá outras aves, como
a mais alta da fauna portuguesa – o
narcísico flamingo:
«E é por essas zonas mais sossegadas e protegidas que muitas aves
migratórias, como nós, os flamingos, descansam na longa viagem entre o norte da
Europa, frio, e a África, a sul, quente. Por ali nos “reservamos”, sempre em
grupo, naqueles sapais das antigas salinas, nos esteiros da Moita, ou até na
baía do Seixal, de águas baixas e ricas de vida piscícola. Nesse período, não
nos esforçamos em grandes voos. Antes nos miramos nas águas tranquilas enquanto
vamos tratando da nossa plumagem de tons rosa. Somos um pouco narcísicos,
confesso. Mas não descuramos as “refeições”: o nosso longo pescoço em Z,
desaparece por entre as penas, quando mergulha, em movimento rápido, à procura
de alimento.» (Flamingos, a elegância bizarra, p. 58)
e as cegonhas parteiras que a
ciência escolar tratou de varrer do imaginário infantil, em nome de uma
educação sexual positivista e precoce (?):
«Como reparaste, somos uma ave de grande porte, mas de movimentos
lentos e tranquilos (nada que se compare com o nervosismo saltitante de pardais
ou andorinhas). Estamos em sintonia com estas serenas planuras do Sul que nos
acolhem. Adoramos viver na Comporta, a caminho das praias de Tróia, e nos
férteis arrozais de Alcácer, nas margem do Sado, fontes do nosso bem estar. (…)
Já te questionaste por que apreciamos os pontos altos para nidificar? Não é a
mania das alturas ou o simples prazer de olhar o mundo de cima para baixo.
Talvez seja para nos resguardarmos do Homem, não se pode confiar nele (…)»
(Cegonhas-brancas do Sado, p. 60)
Bichos à Solta, disponível em
http://www.sitiodolivro.pt/Bichos-a-Solta ou na Livraria Ferin (Baixa de
Lisboa), é um bom presente para filhos, netos e todos os adultos que se
preocupam com a defesa do Ambiente e dos Animais.
Luís Souta
PS: A todos os leitores do Estudo
Geral, desejo um novo ano com boas leituras e empenhamento (crítico) na causa
Ecológica.