Foi pois espontânea e inesperadamente que eu iniciei o primeiro diário da Margarida.
Quando por volta dos seis meses de vida da minha querida filha dei conta do trabalho realizado, de imediato compreendi o interesse do mesmo e decidi que se prolongaria até ao dia do seu primeiro aniversário.
Em Janeiro desse mesmo ano escrevera um artigo (1) em que registava a minha primeira abordagem ao racismo e, para além da continuação dessa pesquisa, tinha planos para escrever um romance que contava iniciar quando a Primavera estivesse no zénite.
Entretanto habituei-me à conversa a propósito do piolhinho e senti que não poderia desperdiçar essa oportunidade.
Era a primeira vez que eu experimentava a pena naquele género e a verdade é que o estava a fazer de forma inédita; tanto quanto sabia e ainda hoje assim permanece, nunca antes fora escrito um diário que tomasse para mote o primeiro ano de vida de uma filha.
Com isso ganhava aquele volume o estatuto de peça do conjunto da minha obra literária, ainda para mais contendo uma outra deambulação em águas estranhas, especificamente no domínio do conto infantil. Tinha assim motivos mais que suficientes para tentar levar aquele trabalho até ao fim, logicamente, com o melhor e máximo zelo que me fosse possível.
É claro que depois disso eu continuei a produzir tanto ficção quanto análise antropológica, assim como acabei por cumprir os planos do romance (2) planeado enquanto fui dando cor às páginas daquele primeiro diário.
Mas quando a Matilde estava para nascer, a Luísa recordou-me o dever de repetir para ela aquilo que fizera para a irmã.
Ora no balanço desse livro deixei em aberto a hipótese de aplicar a operação aos primeiros anos de escolaridade das minhas filhas (3) e como materializei a intenção com a mais velha, tornou-se evidente que a minha experiência no plano da diarística ficaria completa com este quarto trabalho de uma série que, pelo que têm em comum, forma assim um conjunto que poderia designar como os diários das minhas filhas.
Justifica-se pois toda esta produção pelo seu ineditismo quer quanto ao objecto central do discurso, quer pela forma em que a mesma foi executada e apresentada.
E já que estou em maré de recapitulações, devo reparar uma falta que sempre ficou no primeiro destes volumes.
Na convalescença de uma forte gripe que apanhei logo nos primeiros dias do piolhinho, li uma compilação de cartas trocadas entre Salazar e Marcelo Caetano e que certamente por esquecimento não referi ao falar da enfermidade por que passara. (4)
E recordo como naquelas epístolas (5) se pode compreender melhor a personalidade do delfim do que na maior parte da ensaística que por aí anda a respeito do homem de que um recente estudo de Vasco Pulido Valente é um bom exemplo. (6)
Dez anos depois, lavro aqui a reparação deste lapso.
Hoje os alunos trabalharam com os números para o que realizaram vários e diferenciados exercícios e fichas do livro de Matemática.
Ah! E outra coisa a respeito dos diários.
Fora do domínio dos textos de carácter antropológico, foi com eles que comecei a assinar com o meu próprio nome, com isso transcendendo o âmbito que delineara para o projecto Sebastião Sorumenho.
Quando findar estas páginas, terminarei igualmente esta parcela da minha literatura.
Deus me ilumine até lá.
Alhos Vedros
03/02/2004
NOTAS
(1) Gomes, Luís F. de A., AND US AND THEM (BREVES PALAVRAS SOBRE O RACISMO)
(2) Sorumenho, Sebastião, OS QUANTA E EU
(3) Gomes, Luís F. de A., O DIÁRIO DA MATILDE – O MEU PRIMEIRO ANO DE VIDA
(4) idem, O DIÁRIO DA MARGARIDA – O MEU PRIMEIRO ANO DE VIDA, pp. 17 e ss
(5) Freire Antunes, José, SALAZAR CAETANO CARTAS SECRETAS 1932-1968
(6) Pulido Valente, Vasco, MARCELLO CAETANO AS DESVENTURAS DA RAZÃO
CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
Freire Antunes, José, SALAZAR CAETANO CARTAS SECRETAS 1932-1968, Preâmbulo do Coordenador, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993
Gomes, Luís F. de A., AND US AND THEM (BREVES PALAVRAS SOBRE O RACISMO), CACAV, Alhos Vedros, 1995; O DIÁRIO DA MARGARIDA – O MEU PRIMEIRO ANO DE VIDA, Dactilografado, Alhos Vedros, 1995; O DIÁRIO DA MATILDE – O MEU PRIMEIRO ANO DE VIDA, Dactilografado, Alhos Vedros, 1997
Pulido Valente, Vasco, MARCELLO CAETANO AS DESVENTURAS DA RAZÃO, Gótica (3ª. Edição), Lisboa, 2003
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