quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Pelos Vencidos


por Agostinho da Silva

[...] “A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor.


   Por isso mesmo estarás sempre ao lado dos vencidos que se tratam com arrogância, com brutalidade ou com desprezo; não te importarás que as suas ideias sejam diferentes das tuas, mover-te-á o olhares que são homens e não hás-de duvidar nem um momento da infinita possibilidade que neles há de um mais definido pensamento e de um mais perfeito proceder; não os vejas condenados para sempre à mesma estrada que tomaram; que exista para ti a esperança das reflexões e dos regressos.


   Ao teu amigo ou adversário dirás sempre a verdade a respeito dos vencidos, sem que te impeçam o afecto ou o ódio: levanta a voz, seja qual for o lugar ou o instante, a favor dos que, tombados na luta, ainda têm de sofrer as prepotências; protesta, enquanto te deixarem protestar, contra a vileza, contra a cobardia dos que esmagam quem têm à mercê, dos que torturam os corpos e as mentes, dos que se armam contra os desarmados; e, quando não te deixarem protestar, protesta ainda.


 
 Nessa batalha a ninguém feres; vais servir os próprios que censuras; pode ser que às tuas palavras se convertam os Césares e deixe o centurião tombar a espada; pode ser que os cativos se redimam; mas, se nada conseguires de imediato, terás dado ao mundo um exemplo de liberdade interior e de firme coragem; terás lançado a tua pedra – e não das menores  – para a grande construção; terás ganho para a vida uma força ante a qual, mais tarde, se hão-de aplanar os ásperos caminhos e abater os alterosos obstáculos.”


Agostinho da Silva, in Textos e Ensaios Filosóficos I, Âncora Editora, Abril 1999 (p.112,113)

(Folhas à Solta, nº75, Associação Agostinho da Silva)

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