HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
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E foi de África que, em duas vagas distintas e separadas no tempo por mais de um milhão de anos, a espécie homo partiu para colonizar o globo, primeiro como um ramo, o homo erectus que viria a desaparecer mais tarde, quando a segunda emigração do sapiens sapiens pelas terras do velho mundo era uma realidade consolidada e com francas probabilidades de irreversibilidade.
Mas não nos precipitemos que dos australopitecos a essa época medeiam aproximadamente quatro milhões de anos, durante os quais terão coexistido naquele continente várias famílias desses mamíferos bípedes que tinham adquirido o hábito de se munirem com utensílios que inicialmente foram tão só aproveitados entre aquilo que a Natureza lhes oferecia, para mais tarde virem a ser propositadamente produzidos, sendo que no contexto dessas populações, há mais ou menos duzentos mil anos, terão aparecido os primeiros homens modernos.
A verdade é que os australopitecos permaneceram recolectores o que acabou por os levar à extinção pois, se por um lado se encontravam menos apetrechados para enfrentarem as consequências de alterações climáticas, por outro lado devem ter sido empurrados para as zonas menos ricas em alimento, até que as taxas de natalidade deixaram de superar as de mortalidade e o número desses indivíduos deve ter descido consideravelmente abaixo do limiar em que uma população não tem como naturalmente evitar o desaparecimento.
Em contrapartida, aqueles que Louis Leakey, Phillip Tobias e Jonh Napier apelidaram de homo habilis, descobriram a produção de utensílios e, com a caça, provocaram a primeira grande revolução no que à busca de alimento diz respeito.
Com um cérebro maior – setecentos e setenta centímetros cúbicos contra os quinhentos daqueles outros primatas mais antigos – e naturalmente com maior destreza física e com mais e melhores capacidades cognitivas, estes exemplares tiveram à disposição as vantagens que um território virtualmente infinito, quer em tamanho, quer quanto aos recursos, tinha para lhes proporcionar.
Assim, mesmo com saldos fisiológicos pequenos e ainda que geograficamente condicionados pela necessidade da proximidade de água, tiveram sucesso reprodutivo ao longo de alguns milhões de anos e souberam aperfeiçoar instrumentos de pedra bem como selecionar os melhores materiais para os fazer, tendo ainda construído abrigos com que aumentaram a sua mobilidade.
É claro que então já se havia adquirido um imenso capital no desenrolar da vida em grupo, possivelmente com o desabrochar e amadurecimento dos sentimentos e afectos. Mas o homo habilis trouxe também um maior refinamento das capacidades intelectuais e de comunicação que melhor o apetrecharam quanto às faculdades de previsão e consequentemente para estabelecer e perseguir objectivos. Ao contrário do Australopitecos, essencialmente vegetariano, estes primeiros homens fizeram-se omnívoros e com isso se prepararam para a conquista de novos territórios.
Pois foi entre estas populações que há volta de dois milhões de anos terão surgido indivíduos com crânios mais volumosos que, por isso mesmo deveriam ser portadores de capacidades físico-mentais mais desenvolvidas que os seus semelhantes. Coisas tão simples como uma memória melhor ou maior perícia no uso dos próprios membros do corpo podem muito bem ter sido vantagens decisivas para obterem mais e mais ricos alimentos. Além disso, entre outras coisas devem ter experimentado e aperfeiçoado a linguagem impondo, definitivamente, a caça como meio de obtenção de comida, vindo a capacitar-se para atingirem animais de grande porte que, tudo o indica, anteriormente apenas ousavam esquartejar quando tinham a felicidade de se depararem com algum exemplar morto ou indefeso.
O mais certo é que por via de cruzamentos sucessivos se apuraram os crânios com os mil duzentos e cinquenta centímetros cúbicos que nos permitem falar de um outro homo, o erectus que sairia de África para o continente asiático, a partir do qual chegaria à Europa e à Austrália. Apto a identificar e a transformar as matérias-primas em qualquer local dos territórios que ia desbravando, sabendo abrigar-se das intempéries e defender-se dos predadores, ágil e hábil a encontrar boas zonas de caça e ricas em outros alimentos, capaz de falar e rir e de guardar memória, havendo também provas que estes seres usaram a abstracção, foi pois com todo esse legado que estes nossos antepassados foram os primeiros colonizadores do velho mundo.
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