As fases da vida da mulher, de Gustav Klimt
por Ana Camarra
Pronto um cromossoma é uma coisa pequena, mas faz toda a diferença, neste caso duplo X
determina o género feminino.
Designado depois de muitas datas diferentes em alguns países, a ONU estabeleceu o dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.
Haverá quem seja indiferente à data, quem a veja como mais uma data “comercial” onde é suposto oferecer algo às mulheres, quem a use como pretexto para um convívio entre amigas e até quem ache que nem sequer faz sentido.
Sobre a origem da data há várias justificações: uma grande manifestação sufragista em Nova
Iorque em 1908, onde as mulheres reclamavam direito a voto; a primeira Conferência Internacional de Mulheres em Copenhaga em 1910, onde Clara Zetkin propôs a criação do dia ou o brutal incendio numa fábrica têxtil, também em Nova Iorque, em 1911, onde as operárias levavam a cabo uma greve onde revindicavam redução de horário de trabalho, o incêndio terá tido origem num acto criminoso que pretendia que as grevistas desocupassem as instalações, morreram 146 trabalhadores, 125 eram mulheres.
Seja como for a verdade é que as mulheres, metade da humanidade (isto sem ligar aos números) continuam a ser descriminadas por terem nascido com o cromossoma XX, exemplos não faltam.
Mesmo no século XXI, mesmo no “mundo ocidental”, as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens, só na União Europeia essa diferença é de 33%. As mulheres apesar de terem cada vez mais habilitações, continuam a ocupar menos cargos de chefia, de direção ou de governação, a serem mais atingidas pela precariedade laboral, a correrem maior risco de pobreza, a assumir o “grosso” das tarefas domésticas, a serem mais alvo de assédio sexual e de violência doméstica e caramba…isto cansa.
Mas isto é “por cá”, porque em muitas partes do globo as mulheres são encaradas social e até legalmente como seres inferiores, sem direito a decidir a sua vida, sem acesso a educação, à propriedade, a escolher o parceiro limitando-se a passar de pai para marido em acordos onde não lhes é dada opção.
Há zonas onde ainda a transição para a idade adulta é assinalada por uma excisão, uma mutilação que as vai impedir de ter prazer sexual, claro que feita sem condições sanitárias e que podem morrer em consequência disso.
Mas ainda há mais: são as maiores vítimas de trafico humano, são também duplamente vítimas em cenários de guerra onde para além de todo o trauma, muitas vezes são violadas.
E olhando para o passado não muito distante e apenas por cá, Portugal, até ao 25 de Abril de 1974 para além da separação das escolas por géneros, de uma mulher não obter passaporte, tirar a carta, abrir uma conta bancária sem autorização de pai ou marido, houve mais umas coisas, o estigma da mãe solteira ou a proibição de casamento para enfermeiras e professoras.
Tudo isto já chegava para que existisse uma data a assinalar esta coisa de nascermos com dois cromossomas X.
Tudo o que mudou ainda não é por todo o lado e muito pior que tudo aguarda a mudança de mentalidades, porque hoje as mulheres continuam socialmente a ser julgadas por…serem mulheres!
Num padrão “moderno e ocidental” espera-se quase tudo das mulheres: que tenham sucesso profissional, que sejam independentes, que sejam excelentes mães, fadas do lar, boas cozinheiras, boas gestoras domésticas, mantenham a forma física a elegância e já agora que sejam sexualmente activas… mas em exclusivo e já agora não tanto assim que envergonhem o parceiro!
Às meninas continuam-se a dar bonecas, se uma mulher não se cuida provavelmente é lésbica, se é infiel é uma cabra, se é promíscua é um palavrão dos grossos, se é homossexual é porque nunca teve um homem como deve de ser.
Recentemente assistimos a sentenças judiciais que arrepiam, a da mulher que foi assassinada de forma planeada pelo ex-marido e ex-amante, o da mulher que foi à discoteca bebeu demais e caiu inconsciente e fui violada, não uma mas várias vezes, não por um, mas por dois homens, considerou-se que não era grave por ser “tentador” (não consigo imaginar coisa tão pouco tentadora como um homem inconsciente caído num chão de uma casa de banho de local público), a do agressor a quem é retirada a pulseira electrónica porque rebentar um tímpano à pancada não é grave e…tantas, demais!
Só me ocorre outra sentença que me indignou, no final do séc XX, duas turistas que pediam boleia, jovens, de calções, foram violadas, fizeram queixa, recorreram e o colectivo de juízes no acórdão final diz qualquer coisa como ser expectável a agressão que sofreram dado andarem naquela figura na “coutada do macho ibérico”.
Por macho ibérico imagino algo como um javali, mais feio, que os javalis são giros, baboso e
façanhudo.
È claro que há mulheres muito más, e homens vitimas de violência doméstica, mas a verdade é que persistem estas coisas, não é difícil a desconfiança face a uma mulher bonita que ascende no trabalho, solta-se logo o boato que conseguiu trocando favores sexuais, também não é difícil encontrar uma mulher que não tenha tido um episódio desagradável de assédio sexual ou tentativa de violação.
Mas nem santas nem putas.
Portanto ainda não somos iguais nesta balança da humanidade, ainda faz sentido assinalar este dia.
Pensem por um momento em todas as mulheres da vossa vida, a mãe, a avó, as tias, irmãs, mulheres, amigas, filhas, a que lhes serve o café, a enfermeira do hospital, a que varre a rua, a que ensina, a que limpa as escadas, a casa ou o escritório, as que estiveram sempre e as que passaram e imaginem o mundo sem elas, sem nós, mulheres.
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