terça-feira, 15 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O Rio é uma cidade sitiada pela criminalidade.
A noite de uma avenida marginal tão bonita e acolhedora como a da Barra é tão árida de movimento humano.

São as ondas que se fazem ouvir em sobreposição ao escasso tráfego junto das calçadas onde as madrugadas são o império das meninas do sexo por uma mão cheia de reais.



Dia de passeio pela cidade.
Automóvel veloz, pelas avenidas e corredores de transito rápido que o temor é muito, ainda que o carioca viva e faça por viver o que de mais próximo pode haver da normalidade.

Batemos os pontos de maior interesse turístico e dos quais se pode obter uma boa vista da metrópole. Subimos ao Corcovado e depois ao Pão de Açúcar. Na descida do Cristo Redentor, também passámos pela vista chinesa, se bem que, por prevenção, sem grandes demoras.

É a primeira vez que o Quim visita o Rio de Janeiro e assim pode apreciar a dimensão da malha urbana e a panorâmica de enquadramento geográfico ímpar, com a baía de Guanabara e as colinas e as montanha que, de longe, a circundam.

O Rio é um casario plantado nos vales de um salpicado de cumes mais ou menos envilecidos e recortados, aqui e ali cónicos, a que a neblina, misturada com a poluição atmosférica, faz o destaque dos pontos mais altos na direcção dos céus.

E se as vistas do Redentor são mais espectaculares, as do Pão de Açúcar são mais bonitas nos pormenores que apresentam no encontro espumoso entre o mar e a terra, ora sobre as rochas escuras e cruas das vertentes que nas águas têm o vale, ora sobre as línguas de areia que o oceano depositou nas reentrâncias que a ponta da Urca faz ao entrar no Atlântico.



Os miúdos sentem a falta das brincadeiras que os acalmam e fazem crescer. Especialmente para a Matilde e o Daniel, é visivelmente penoso o pouco espaço para tais devaneios.

No entanto, não temos como agir de modo diverso e tenho para mim que estas experiências acabarão sempre por lhes enriquecer a educação.



A Newma tem sido incansável para nos receber bem.

Melhor é impossível.

E o mesmo para o Luís, se bem que no seu caso não possa deixar de estar presente no trabalho.


O meu cunhado mudou de vida a meio da vida.

Divorciou-se da Rosana, a sua primeira mulher e mãe de dois dos seus filhos e decidiu redimensionar a empresa e ficar apenas com os serviços de uns quantos clientes em termos de produtos vegetais frescos. Abandonou os liofilizados e as marcas e os negócios em larga escala, para ficar com uma unidade mais pequena no entanto mais flexível e, por conseguinte, mais previsível em termos de durabilidade.
Continua a morar na Barra mas casou pela segunda vez com uma jovem baiana, licenciada em direito, com quem se cruzou por mão de um primo e que um dia aterrou no Rio para estudar na Universidade onde, depois do curso, continuou a trabalhar.
Aos quarenta e seis anos de idade, pai de uma rapariga com vinte e quatro anos que está a entrar no mercado de trabalho e de outra com vinte e três que estuda enfermagem e ainda de um rapaz com vinte e um que estuda biologia e se prepara para uma carreira universitária no âmbito da investigação, o Luís vive agora uma nova paixão, quiçá o regresso a uma juventude impetuosa no âmbito dos amores. Mas a verdade é que é manifesto todo o carinho que lhes sai dos dedos e dos olhares.



É permanente o fervilhar dos rolos brancos que, depois de uma correria, se dispersam na areia iluminada pelo alinhamento de lâmpadas amarelas e prateadas.

Aqui, a Lua não é mentirosa.


 Rio de Janeiro

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