terça-feira, 8 de outubro de 2019

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Búzios é uma península recortada por enseadas que o tempo e os agentes erosivos encheram de praias, dentro e fora das baías que, se se estreitam em entradas de garganta, fazem ouvir o constante rugir do mar bravo açoitando as rochas, de onde trazem a areia cor-de-rosa que mescla algumas das línguas de areias delicadas. 

Há quarenta anos atrás ainda tudo era o mato rasteiro que faz o cabelo dos dedos das falésias até praticamente onde chega a ressaca, em diversos sítios, ficando-se pela linha de queda em pontos de promontório. 
E no céu o volar dos urubus que planam por distâncias incríveis sem baterem as asas que as gaivotas, essas, com frequência se atiram sobre as águas calmas que lhes servem o alimento. Como sempre assim foi desde há muitos e muitos milhares de anos.
Só os magotes das casas térreas e com rés-do-chão de cimento dos pescadores sobressaíam frente aos areais de mansos marejares em que aportavam as suas embarcações. 

Agora a exploração turística tomou conta do local e embora a cidadezinha tenha adquirido vida própria, há uma população flutuante que muito se avoluma nos períodos de férias e veraneais, na proporção da miríade de pousadas e hotéis que pululam na paisagem dos morros à beira-mar. 

Felizmente existe um bom enquadramento entre as construções e o mato que as encobre e em que aquelas se incrustam. 
Com isso ganha a beleza natural dos lugares que, na maioria das situações, até ficam ornamentados pela humanização. 



Os miúdos estão encantados com as praias; apesar das águas andarem esquecidas das temperaturas próprias dos trópicos, tanto as minhas filhas como o primo Daniel não se fizeram rogados e, enquanto a parentela óciou pelos areais, lá eles se deram à imitação dos patinhos e assim usufruíram à sua maneira dos encantos da beira-mar. De resto, os meus amores vão apreciando o que vão vendo. A Matilde aprendeu a identificar o quartzo e recolheu algumas amostras comigo. 


Os fusos horários é que são um problema, para todos nós, é claro, mas para eles, ainda mais difícil de controlar. Sem embargo, a Margarida e a Matilde estão a sair-se bem e, pese embora o cansaço acompanharam-nos bem tanto nas caminhadas pelo mato e as praias, como nos passeios noctívagos pelas ruas apinhadas de gente e, no centro da cidade, transformadas em grande centro comercial. 


E o pardalito, com o seu humor que já marca presença entre os adultos. 



Mas a guerra civil brasileira continua. 
Nas imediações da Cidade de Deus, uma favela brava, como aqui se diz, a polícia militar com metralhadores e um carro blindado, tal e qual os usados na Faixa de Gaza ou no Ulster, esperando, em patrulha, qualquer coisa que faça as balas tomarem a voz de comando dos acontecimentos. 


O grande problema no Brasil é a miséria que de tão atroz e prenhe de ignorância, alimenta a raiva que se traduz em roubo e delinquência em vez de ser canalizada para lutas sociais a objectivar a melhoria da qualidade de vida dos pobres e desprotegidos. 
Ora assim criam-se as condições para que se instale a tirania dos narco-traficantes que dominam e ditam as leis em muitas favelas onde as forças da ordem não entram e o braço dos juízes não chega. Ao mesmo tempo que o voto obrigatório faz com que os políticos populistas estejam como peixes na água e possam apoderar-se dos benefícios do poder de estado em proveito próprio, sem se preocuparem e tantas vezes tomando parte na corrupção que mina o tecido social do país em praticamente todos os escalões e domínios. Aliás, tenho para mim que aqueles garantem a permanência no contexto de tamanha ilegalidade e ausência de valores e por isso ninguém, nem mesmo a equipa ou os apoiantes do Presidente Lula da Silva, ex-operário de São Paulo, ninguém mostrou ou dá mostras de se empenhar a sério na elaboração de um sistema de ensino eficaz e realizador que se estendesse à maioria da população jovem, com particular atenção aos núcleos mais desfavorecidos e carenciados. Chegámos ao ponto de advogados comprarem processos aos clientes que por uma tuta e meia cedem os seus direitos indemnizatórios face às morosidades que logo se resolvem em conluio com magistrados, dessa forma metendo ao bolso as gordas maquias que seria justo os lesados receberem. 



A jornada para Búzios teve aventura pelo meio. 

Como a Newma se enganou na via rápida e teve que voltar para trás, acabando por fazer o retorno pelo interior de São Gonçalo, uma daquelas cidades faveladas onde moram os operários e os demais trabalhadores manuais, ruas escuras e esburacadas, quando não em terra batida, marginadas por casas de tijolo à vista e coberturas em forma de terraços. 
Enquanto isso, eu e o Luís esperámos, primeiro em descampado sem luz à beira da estrada e depois no parque de uma área de serviço; mas sempre à mercê de um mau acaso. 



Conhecemos o Carlo e a Fernanda, ela, amiga da segunda mulher do meu cunhado. 

Ele é gestor numa multinacional italiana na área das telecomunicações. É natural de Milão e, há uma mão cheia de anos, conheceu-a quando pela primeira vez veio ao Rio de Janeiro em serviço. 

Pelo que aparentam, continuam apaixonados. 

Sujeito interessante que tem uma visão do mundo assente em padrões e critérios de justiça social. 
Pessoa viajada e culta que teve a grande experiência de atravessar o Atlântico em veleiro, com escala nos Açores cujas ilhas o encantaram, desde as Ilhas Virgens ao porto de Alméria, em Espanha. 



A noite está fresca e só eu resisto acordado para estas páginas. 
Há o barulho de um espectáculo próprio de um lugar em festa. 
Decorre o sétimo festival de jazz da cidade. Uma banda de que não fixei o nome, deu um show muitíssimo agradável na praça principal. 


 Búzios

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