Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
domingo, 6 de julho de 2025
domingo, 8 de junho de 2025
O Encantador de Patos
Raul Angel Iturra
Carta para Carlos Roque Santos no dia da sua morte
Vi-o
sair do seu sofá ao pé do meu no corredor da entrada do lar, meu caro, como
sempre tem feito para ir à sala de convívio para ver o futebol. Qualquer jogo é
válido para si meu querido amigo Carlos. Foi a arrastar os pés, como sempre, a
puxar/alastrar essas pantufas já meio desfeitas por tanto uso; e eu já farto de
lhe dizer: “levanta os pés, homem! parece um velho caquético! não o é!” Eu não
sei bem o que é caquético, nem o meu amigo, mas a palavra soa bem, então o
Carlos levantava os pés para andar ou pelo menos não os arrastava no perímetro
da minha audição. O Carlos tem por hábito fazer tudo o que lhe seja pedido.
Mesmo se não gostava de dizer muito obrigado cada vez que eu lhe media a tensão
arterial, eu dizia-lhe: lembra-se meu caro? E o Carlos proferia essa palavra
que lhe soava mal.
Esses cinco anos sempre um ao pé do outro,
cimentaram um precioso convívio entre nós dois, não lhe parece? Se se lembrar
bem tudo começou quando o Carlos apareceu no lar vindo da sua casa e foi
colocado em quarentena por causa de um vírus que andava por aí e que diziam que
matava. O Carlos não cumpriu a quarentena, andou pelo corredor livremente e eu,
com medo, fui ter consigo e perguntei-lhe “qual é o seu nome?”. O Carlos
disse-me o seu nome, mas eu não entendi e acrescentei “sou o Doutor Raul
Iturra, o senhor devia estar no seu quarto sem sair por causa do contágio…”. O
meu amigo deu-me um olhar admirado e esticou a mão que eu não quis tocar, com
medo de ficar contagiado. O Carlos nunca entendeu as alternativas às convenções
sociais, não as aceita, nunca as aceitou. Entendi depois, transcorrido um
tempo. Pareceu-me destemido e sorridente, mas muito convencional, tempo depois
entendi que era assim consigo e adaptei-me à sua forma de ser. Nesse dia
lembro-me de lhe ter dito que não devia sair do seu quarto por ordem médica e
na altura meu amigo pensou que o médico era eu por me ter apresentado como
doutor. Meu caro amigo, não sabe que há doutores noutras ciências! Nunca o
entendeu, nunca o aceitou, não é caro Carlos? Recordava tudo isso e mais
enquanto ia andando a arrastar os pés entre o seu sofá e a sala de
convívio.
Recordo ainda, como por exemplo, que era alto, magro,
cabelo branco e ralo, olhos azuis profundos, que tinha sido loiro antigamente.
Era um homem bonito; que, se meu caro lembra, era disputado pelas mulheres,
o que veio a confirmar ao longo da nossa amizade. Lembra-se Carlos que um
dia nós dois homens velhos, falávamos de meninas e do encantador que era
beijá-las e fazer amor com elas, descrevendo aspectos dos seus corpos e do que
mais gostávamos nelas e disse-me “sabe da tal mulher” - deu-me o seu nome e
acrescentou “foi a minha amante…” shui! gritei desgostoso, isso não se diz,
homem! salve a honra da senhora. Se quer falar dela diga que foi sua namorada
sem dizer como se chama, caramba!” lembra-se disso! penso que se lembrou porque
nunca mais me citou nomes de senhoras bonitas das que, como dois velhos verdes,
não parávamos de falar de como era quando você e eu éramos jovens. Conversas
que nestes tempos da juventude eram com detalhes eróticos que agora já não
usamos. Normalmente só falamos de lembranças do passado, o presente para si e
para mim são apenas reminiscências. O Carlos disse-me um dia que sentia falta
das mulheres, mas não sei se o Carlos tinha alternativas. Em miúdos inventávamos
para nos exibir frente aos nossos jovens amigos, especialmente frente aos mais
atraentes que queríamos enxovalhar com os nossos triunfos. Não sei se o Carlos
bonito como era, teve muitos amores, meu amigo muito formal, nunca me contou
detalhes.
Mesmo com senhoras do lar tem sido atencioso, como com
a tal Lourdes de 98 anos que aparecia no nosso corredor à espera do jantar e
meu caro lhe oferecia sempre seu sofá para ela se sentar; ela embaraçada dizia-lhe
sempre não, mas o Carlos não suportava ver uma mulher em pé, levantava-se de
imediato.
Sabe Carlos, sempre tive pena da sua distância entre
si e a sua única filha da qual nunca mais soube “Não nos dávamos bem”
dizia quando falávamos de família; eu manifestava a minha tristeza sem
reparar que comigo era igual. Nunca mais soube de uma das minhas filhas, o que
nunca lhe contei, era-me difícil aceitar esta realidade. O meu amigo é mais
prático, se uma relação não é possível cada um segue com o seu caminho, sem
pranto nem saudade. Vou-lhe dizer mais tarde que admiro como sabe ter cuidado
de si, eu ainda não aprendi muito embora esteja a imitá-lo.
Fica clara essa forma de ser, pragmática no seu
espantoso desejo de comer muito, sempre com repetição. Eu dizia-lhe “homem já vai para os
noventa quilos, as meninas não gostam dos pesos pesados, custa-lhes
suportar tanto por cima dos seus frágeis corpos que tanto gostamos”. Essa
sua forma prática de entender a vida pareceu-me óbvia quando um dia lhe perguntei
com quem se parecia na sua família: “ao pai, à mãe, avós, irmãos?” Disse-me que
a ninguém, eles eram mais do tipo escuros e que não tinha irmãos…os pais nunca
lhe disseram de onde foram herdados os cabelos loiros, os olhos azuis nem a
pele branca, “nem sei se fui adotado” costumava-me dizer, encolhia os ombros
com a sua naturalidade, não lhe interessava.
Meu caro Carlos, à nossa idade a vida acaba sem
explicação, de repente, em silêncio. Acabam de me dizer que sentiu-se mal, que
caiu, que correram ao pé de si dois funcionários a ampará-lo…O rapaz
funcionário o ajudou, o abraçou e o meu Carlos amigo parou de respirar em
apenas um minuto, nos seus 87 anos que ia cumprir em Junho. Muita idade, muita
doença do coração ao longo da sua vida…, teve assim uma morte que chamamos
“santa”, nem reparou. Meu caro amigo, jeitoso, namorado, comilão, autoritário
de forma amável, dou-lhe um abraço com dois beijos para o acompanhar dentro da
eternidade. Choro a sua morte, que ainda não me parece verdade…seu amigo
doutor, como dizia sempre quando me chamava…vi-o sair do sofá ao pé de mim e
nunca mais voltou, mas será sempre meu caro rapaz jeitoso, mesmo na sua
velhice…
Raul Iturra, o encantador de patos
Barra Mansa, 3 de Junho de 2025
quarta-feira, 4 de junho de 2025
José Pacheco. Fazendo a Ponte.
Foi professor primário e universitário. Crítico do sistema tradicional de ensino, defende uma escola sem turmas, sem testes ou exames, sem reprovações, sem campainhas Para ele, a aula tradicional é um sistema ultrapassado de
reprodução de conteúdos que impede cada criança, cada pessoa, de se cumprir em
corpo e alma.
Em meados de
2017, era impulsionador de dezenas de projetos para uma nova educação no Brasil
e colaborador voluntário no Projeto Âncora,
que segue o mesmo método de ensino da "Escola da Ponte". Uma escola focada na autonomia e
protagonismo do aluno, no “aprender a aprender”, na “autoformação orientada”, centrada
numa relação estreita entre professor e aluno. “A Escola com que Sempre Sonhei
sem imaginar que Pudesse Existir”, como diz o título do livro do grande
pedagogo brasileiro Rubem Alves.
A famosa Escola da Ponte em Portugal está a fazer 50 anos.
José Pacheco um dos seus criadores vive há 25 anos no Brasil, mas o projeto
ficou bem ancorado e, até hoje, continua bem vivo, assente num modelo
pedagógico de vanguarda que o distingue dos princípios políticos educativos que
orientam a gestão da escola pública no país.
Embora radicado no país irmão, José Pacheco vem
habitualmente a Portugal participar em encontros vários, onde discorre sobre os
seus ideários pedagógicos, e a praxis em que eles se erguem, sendo que é esse
um dos méritos que se lhe reconhece, não se reduzir à elaboração de ideias num
plano exclusivamente teórico, mas antes servir-se da teoria para desenvolver
práticas bem consolidadas. A Escola da Ponte em Portugal, o Projeto Âncora no
Brasil, são dois desses significativos projetos, também sustentados pela
publicação de uma centena de livros pelo mundo inteiro.
Nos últimos anos tem vindo também a globalizar as suas
ideias na criação de uma “rede de comunidades de aprendizagem”, com encontros
regulares online, onde com vai partilhando e debatendo as suas propostas educativas.
Este ano, 2025, meses de abril e maio, preparou para
Portugal uma série de Encontros sobre Educação, Guimarães, Lisboa, Setúbal…
onde, onde em articulação com entidades e colegas, vem falar das suas
mundivivências pedagógicas e lançar dois novos livros: “Porque não há mais
Escolas como a Escola da Ponte?” e “Inovação Mata Inovação”. Curiosamente, a
sua obra, embora publicada em vários países do mundo, não está publicada e é
pouco conhecida em Portugal. Porque será?
É evidente que as ideias em que José Pacheco alicerça o seu
pensamento não surgem unicamente das experiências acumuladas enquanto
professor, num percurso já com mais de cinco décadas. Herdeiro que se diz do
movimento social do “Maio de 68”, iniciou a profissão ainda no tempo da “velha
senhora”, leia-se, ainda durante o regime fascista em Portugal, antes da
Revolução Democrática do 25 de abril de 1974, período em que chegou a ser preso
político, por oposição ao regime.
As suas ideias são sustentadas pelos desenvolvimentos pedagógicos
da modernidade, muito particularmente, depois do aparecimento do movimento da
“Escola Nova”, que António Sampaio da Nóvoa adjetiva como “a melhor geração
pedagógica de sempre”, uma síntese herdada de ilustres educadores e professores
que alguém apelidou como os “filhos de Rousseau”, tais como, Dewey, Montessori,
Steiner, Freinet, Freire, Adolfo Lima, António Sérgio e, como diz Pacheco,
muito particularmente Agostinho da Silva. Como disse neste abril no Encontro de
Guimarães, foi quando conheceu a obra de Agostinho da Silva, avidamente lida de
uma ponta a outra, que consolidou o ideário pedagógico com que se lançou no projeto da Escola da
Ponte.
Agostinho da Silva que, aproveite-se a deixa, também passou 25 anos da sua vida no
Brasil, onde lecionou em várias universidades, do norte ao sul do país, tal
como criou vários Centros de Estudos, como por exemplo, o Centro de Estudos
Afro-Orientais, na Universidade de São Salvador da Bahia, e o Centro de Estudos
Portugueses, na Universidade de Brasília, onde acaba por fechar a sua atividade
docente, depois do golpe militar que instaurou a ditadura no país.
Agostinho da Silva regressa a Portugal em 1969 e, além do mais, é nele que José Pacheco, como o próprio diz, vai encontrar o impulso decisivo que o levaria aquele ímpar projeto de inovação pedagógica. Mas, acrescente-se que no arranque inicial do Projeto não estava só, com ele estavam mais duas professoras, cujos nomes pouco aparecem a público, que erguendo os valores da liberdade, responsabilidade e solidariedade, o ajudaram a “Fazer a Ponte”.
Luís Carlos R. dos Santos
maio/2025
Referências principais: José Pacheco, Educação Nova, Escola Moderna, Célestin
Freinet, Agostinho da Silva, Rubem Alves.
domingo, 25 de maio de 2025
Novo Livro de Luís Souta - CONVITE
O 13º livro – A TRÍADE DISJUNTIVA: Literatura, Antropologia e Educação (Lisboa: Ex-Libris, 300 p., 19,5€), a 27 de Maio de 2025, às 18 h, nas instalações da APE (Associação Portuguesa de Escritores). A Tríade Disjuntiva: Literatura, Antropologia e Educação é composto por duas partes. A primeira – «Literatura: o pão nosso de cada dia» –, de carácter mais teórico, centra-se na literatura e nas suas relações (ténues) com a Antropologia e (dúbias) com a Educação. Na segunda parte – «Graffitar a Literatura» – inclui-se um conjunto de trinta textos, em que se parte sempre de trabalhos de street art (de vinte graffiters nacionais e estrangeiros), com o propósito de (re)descobrir obras de escritores portugueses e estrangeiros.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Cartografia do Invisível
sábado, 3 de maio de 2025
Paulo Landeck, um poema
Um pássaro sem rumo
procura na asa exaurir seu destino
Desafia-vos desnorteado
pela provável inversão dos
magnéticos polos terrestres
Como se todas as leis fossem
ditadas pelos homens
e os seus estudos
capazes de apontar ambivalentes
polos geográficos terrestres
e de forma profunda imaginar eixos
para navegar toda e qualquer
inclinação ao raio solar.
Só sei que lá fora o céu está
pesado
e ainda assim
muitas são as aves que apreciam
chuvas e poças
Ainda a rua nos pareça um recorte
de vida deserta.
domingo, 27 de abril de 2025
Crónicas de Viagem
Luís Santos
FRONTEIRA. Uma simples linha branca que separa 2 Estados: pé
direito em Itália, pé esquerdo no Vaticano.
Domingo de Páscoa. Não fomos cumprir promessa, nem fomos em
peregrinação, mas assistimos às Comemorações na Praça de São Pedro.
E mais não disse... mas pressente-se: Partir desta forma, numa data destas, parece-nos uma boa escolha.
FLORENÇA
Como contar isto?
Regressámos lá
um antro de arte a céu aberto
infinita beleza
nas coisas mais simples
gelado e café
arquitetura, pintura, escultura
Miguel Ângelo, David, Pietá
Vénus,
o Amor
e vimo-La
em carne e osso,
deusa na terra nascida.
Receba as flores que lhe dou
ROMA, Para terminar a trilogia da viagem.
Sempre instigante a sua leitura de trás para a frente, como
se tivesse em si tudo e o seu contrário.
E, de facto, a capital do grande império, do "mar
nostrum", dos grandes exércitos, das hordas de escravos, do "dolce
far niente", Vénus, da beleza e do amor, dos divinos bacanais, do vinho,
do circo romano, do polegar do imperador. O espetáculo do sangue, do estalar
dos ossos, homens e animais, ao vivo e a cores.
Da região do Lácio, da última flor do lácio, Língua
Portuguesa, inculta e bela, Olavo Bilac, entre outras latinas, e muitas mais
latinas que ao mundo se haviam de dar.
Do cristianismo. Concílio de Niceia. Faz mil e setecentos
anos.Jubileu 2025.
Francisco.
Morrer assim, entre cristalinos valores, no curso do rio da
história, fraternidade e liberdade, em busca da paz, com o Coliseu nas costas,
acaba por dar mais dignidade ao projeto.
Portugal, etc.
No tempo longo tudo muda... muito. Embora, intrinsecamente, tudo permaneça, mais ou menos, na mesma. Como no ciclo da chuva. Natureza.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
O Encantador de Patos
Raul Angel Iturra
Francisco
Hoje foi
verdade, hoje aconteceu, depois de uma prolongada doença e de outras doenças
prévias, Jorge Mario Bergoglio faleceu como todos sabemos; todos esperavam este
desfecho, milhares oravam para ele melhorar, ninguém dizia “coitado do
homem, a agonizar e a ser arrebitado, não o deixam descansar”. Era o nosso
comentário com a minha mulher durante esse mês de fevereiro quando ele estava
doente. Acordávamos de manhã para ouvir a notícia da sua morte e nunca mais
acontecia. Tínhamos pena desse acontecimento. Finalmente hoje, 21 de
Abril de 2025 descansou do seu mundo paradoxal, esse que diz que ao morrer um
fiel vai ter com a sua divindade, vai à glória eterna, ao prémio se foi bom, ao
tormento se não respeitou a doutrina cristã como dogma de fé para os
católicos, dogma que foi usado hoje para anunciar a sua morte “Hoje a sua
santidade o Papa Francisco voltou à casa do Pai”, esse dogma que do Pai
saímos e que junto dele voltamos, esse consolo cristão para suportar o nosso
desaparecer da história material.
Foi
eleito como Papa pelo colégio cardinalício em março de 2013. Ninguém o
conhecia, seu nome era apenas conhecido pelo seus concidadãos argentinos e pela
Cúria Romana. Curioso, investiguei e soube que vinha da Argentina, país vizinho
de onde eu nasci, Chile e de que fui forçado a abandonar faz já 52 anos
pela ditadura que matou o meu presidente Allende e milhares dos meus
compatriotas, como todos sabem. A minha pesquisa sobre Bergoglio revelou-me que
ele não teria protegido seus fiéis do governo também assassino, da Argentina.
Nessa altura escrevi um ensaio para o blog Banda Larga da Worldpress que
intitulei “Jorge Mário Bergoglio um Papa com um passado traidor e fascista”. Os
documentos que usei assim acusavam. No entanto, a minha editora disse-me que era
cedo demais para esse título, que era melhor esperar e ver. Não esperei,
publiquei. Anos volvidos reparei que tinha sido um grande erro, a minha amiga
editora tinha razão. Resolvi escrever um texto de desagravo, Jorge Maria
Bergoglio merece, não pelos dogmas de fé, bem ao contrário, mas pela sua
dinâmica acção dentro da sua igreja para restaurá-la e sobre a sua actividade
no mundo da interacção social entre pessoas e países, tinha sido o Papa do
desagravo.
Quando a guerra da Rússia - Ucrânia começou, ofereceu-se como mediador e ainda, como refém se fosse preciso para acabar com essas mortes de civis inocentes e esse êxodo impossível. Não vingou. Mais tarde Israel ataca os Palestinianos e provoca mortes inocentes, esse genocídio que todos denunciam como o mais horrendo desde o genocídio nazi dos Judeu nos anos quarenta do seculo passado; ele fala da “guerra dramática e ignóbil” “massacre incrível de seres humanos”, falou disso no dia em que o mundo cristão comemora uma ressurreição, fala de paz para Gaza ainda horas antes de tornar ao Pai, como se diz na sua doutrina.
É chamado o Papa da simplicidade por retirar ritual supérfluo na liturgia da sua religião chamada universal, daí católica, por definir que na sua igreja “todos tem cabimento na instituição e na fé”, por acolher o terceiro sexo como não pecadores, embora não aceite o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo por ser contra a doutrina genética tradicional - o casamento é para dar continuidade aos seguidores de Deus, não para amar. Retira sumptuosidade e parafernália aos rituais da liturgia, reformula o ritual do papado, a eleição de um Papa e o enterro do mesmo é agora mais simples, cria cardeais africanos, asiáticos como parte de uma reformulação do poder legislativo dentro da hierarquia católica. Cria outro equilíbrio do poder retirando-o da Europa, admite mulheres em rituais religiosos, esse género descurado pelos crentes através do tempo e da história e tenta fazer justiça à homosexualidade e pedofília dos religiosos da sua instituição. Esperávamos que definisse o matrimónio sacerdotal e a inclusão de freiras nas celebrações litúrgicas. Não conseguiu, retornou ao Pai antes. Reitero, porém, que foi o Papa da simplicidade dentro de uma doutrina recheada de liturgia milagreira de obscuridade e penitência que pune o corpo. Ouvia, definia, não punia. Redefiniu a economia vaticana e católica universal, retirou bispos e cardeais da gestão do Banco Ambrosiano e o cunhar da moeda de um estado minúsculo de poucos metros quadrados. Era humilde e muito divertido, ria e fazia rir até nas audiências papais. Era latino. Escrever
um ensaio para me desculpar do anterior não foi atempado. Morreu quase poucas
horas a seguir ao dia do dogma da ressurreição que foi comemorado ontem no
mundo cristão… dizem que no fim dos tempos, ele como todos também, vai
ressuscitar.
Não era, contrariamente ao que escrevi antigamente, em base documental, um Papa que tinha sido traidor e fascista. Foi um Papa que será canonizado como santo pela Igreja Católica.
Raul Iturra
O encantador de patos
Barra Mansa 21 de Abril 2025
Editado por Claire Smith
sábado, 12 de abril de 2025
Coluna do Encantador de Patos
Raul Angel Iturra
PARECE COMO SI FUERA AYER
Los años pasan como si fueran un suspiro. Era en la casa de los Abuelos, Padre y Madrasta de la Mamá, que después de cinco años de esperar el nacimiento del heredero primogénito de la familia Iturra Redondo, ese niño pasaba más tiempo en la casa de los padres de su madre, Doña Flora Redondo Carretero de Iturra Merino, que era aún el hogar del niño y sus padres, porque el papá del bebé viajaba mucho como Ingeniero de Barcos de la Marina Mercante de Chile, grado adquirido en la Universidad Católica de Valparaíso, en donde conoció una linda joven de 20 años que estudiaba lenguas y matemáticas. No faltó el tiempo para que se enamoraran uno del otro. La casa de la estudiante ocupaba una manzana entera de casas, en donde daban hospedaje a los estudiantes de la ciudad universitaria, entre las calles Rancagua esquina de calle Victoria. En corto espacio de tiempo y con la ayuda de su amiga de la infancia, Fanny Lozano, española como la estudiante, el estudiante de Ingeniería pasó en breve a ser más un miembro de la pensión que los Redondo del Cacho Solís, ofrecían, ella D. Carolina, él, Don Ángel. Había distancia y respeto. La parte de la casa en la calle Rancagua, era para la familia; la muy grande de Victoria, para los pensionistas. Dormida, baños, comida, almuerzo en el gran comedor de la parte de Victoria.
No pasaron muchos años, ya Ingeniero él, ella matemática, en el Raúl Iturra Merino pidiera con la ayuda de Fanny Lozano, la mano de la estudiante para casarse con ella. A los 24 años se pusieron las argollas de novios y a los 26 se casaron, con una fiesta de la grande familia en la casa de Victoria. Más de 200 personas fueron convidadas a la ceremonia en la Iglesia de los Doce Apóstoles y al festín en la calle Victoria.
Cansada de siempre estar sola, la ahora Señora de Iturra, trabajaba para abogados y para el negocio de la fábrica de calzado de su padre. Con determinación, cuando en Chile apareció la empresa norteamericana que fabricaba electricidad, el Abuelo del niño y su hija, llenaron los formularios para pedir trabajo de Ingeniero en la fábrica, que más tarde pasó a ser Chilectra, en Laguna Verde, bahía cerca de Valparaíso. La sorpresa fue la del Ingeniero Iturra Merino, a quién le encantaba viajar. Pero, resignado, aceptó el puesto, se quedó en tierra y yo fui hecho, habiendo nacido en el Hospital Deformes, al lado de la Iglesia del matrimonio, que ya no existe por su demolición y la Construcción del Congreso de Chile.
Los años pasaron en eses suspiro, los aires de Laguna Verde, en donde el ingeniero dirigía la empresa, que más tarde pasaría a ser en parte suya por la compra de acciones cuando fue chilenizado en los años 60. Fueron 20 años para los hijos que, crecidos y con grados, abandonaban la casa que los crió. Blanquita, Flor María, Jaime y María de los Ángeles, nacieron en esa casa, pero todos en el hospital Deformes. La antigua estudiante parecía una coneja: no había año en que no naciera un hijo. Uno de los choferes del ingeniero, de la empresa más bien que le daba chofer, decía: la Señora está en estado interesante. Y era verdad: cada curva del camino hacía parar el auto y vomitaba.
Con hijos crecidos y a trabajar en sus profesiones, en los años 60 se quedaron solos. Hicieron en Valparaíso una casa para acompañar su soledad, que acabó por ser la última que tuvieron. El Ingeniero tenía muchas en Concepción, como herencia de su madre y madrasta, como está relatado en mi libro de 2011: Memorias de un extranjero extravagante, 300 páginas, año 2011, que puede ser leído en http://aviagemdosargonautas.net/2012/02/13/memorias-de-un-extranjero-extravagante-nova-serie-de-raul-iturra/ . Laguna Verde aparece como el lugar del divertimiento, de las ferias, en que la familia iba a divertirse, a la playa y a comer y a beber. Las casas de Rancagua con Victoria, pasaron a ser de Laguna Verde!
Pero los años también no pasan en vano para la familia. Los hijos crecen, se casan, tienen sus hijos, van a vivir al extranjero y el que fue el joven matrimonio, pasó a ser una casa de dos.
Se fueron el Ingeniero y la matemática lingüista a la de Valparaíso, en donde primero el falleció en 1990 y en el año 2000, el 9 de Mayo, la ya abuela y bisabuela antigua estudiante, con sus noventa años de edad.
Como para el funeral de su marido ingeniero, Valparaíso todo paró, para el de ella paró Viña del Mar. Ella quería estar segura de que sus funerales serían como estimaba conveniente. En uno de mis grandes viajes a Chile, la llevé a escoger que tipo de caja quería, féretro, quién diría la misa y quienes irían y los que no. Desconfiada, porque yo no estaba siempre en Chile, fuimos a un notario donde todo se registró. Y su Misa de funeral fue celebrada por el Monseñor que ella escogió, Jaime Fernández de Viña del Mar. Los que no irían, era sabido: la edad no perdona y la mayor parte de loes eternos convidados a Laguna Verde, habían entrado a la eternidad, solo que, y quedará viva, la hija más joven de Carolina y Ángel, Carola Redondo Solís de Gajardo, que, en sus ochenta y algunos años, tiene una familia mayor que todos los Redondo, Carretero, Solís, Iturra González, Gajardo Redondo y otros.
Ya la había cuidado en los inviernos chilenos, veranos de Portugal. Me habían visitado con el Ingeniero en Cambridge. Los pasee por Inglaterra, donde también habitaban nuestra hermana segunda, marido e hija, todos más jóvenes que yo. Había sido el primero, pero esa llegada a Laguna Verde rindió frutos más tarde, hasta el punto de ser cinco hermanos y un sobrino criado por ella, hija de su hermana viuda.
En la vida de Laguna Verde, la antigua estudiante, ahora madre y patrona, se encargó de que el Ingeniero mejorara las casas de los trabajadores, enseñó a sus mujeres las mejores dietas que alimentaban sin engordar a las personas, y las casas pasaron a tener muebles de estilo comprados en casa de comercio de Valparaíso. Fundó el Centro de Madres de Laguna Verde y cuando escribí la ley de Juntas de Vecinos y Centros de Madres y fue aprobada por el Congreso como ley esencial de la vida de hogares calmos y tranquilos, fue llamada por el Gobernador de Valparaíso, denominado Intendente, para formar todos los de la Provincia. Ella sola no podía y solicitó un equipo que la ayudara, con pagos en recompensa y muchas Señoras de los trabajadores de Laguna Verde pasaron a trabajar en la Intendencia de la Provincia, viajando a los pueblos y ciudades más desconocidos, para practicar esta ley.
Su madre, su grande tristeza, falleció cuando ella tenía 5 años. La lloró hasta sus noventa…Aún cuando la segunda mujer de su padre, fue siempre la mamá, y como tal se comportó con ella.
Tenía otros trabajos de representación, como su madre, abuela, bisabuela y así hasta Segovia en el Siglo XV, ser damas de compañía de la Reina de España, papel que desempeñó a la perfección cuando la democracia volvió a Chile y los Reyes de España lo visitaron. Era la dama de Doña Sofía de Grecia, Dinamarca y España. Con ella visitó a los presos políticos de la dictadura y ayudó a libertar a muchos. Con Lady Baden-Powell, fundó las niñas escoteras de Chile.
Pertenecíamos a dos mundos diferentes: ella era española, yo no. Era Monárquica, yo también no. Había fundado la falange de Chile que apoyaba al dictador de España, yo no.
Y de no en no, es mejor recordar que me enseño a leer y a escribir siendo aún hijo único e hizo lo posible para que yo tuviera profesores privados en casa.
La dejé de ver cuando quedó viuda el año 90 del siglo pasado, pero la reencontré en 1994, cuando el Presidente Aylwin me convidó a pronunciar conferencias a Chile. Ella fue a todas, con su amiga del alma, la viuda del mejor amigo de su marido, el también ingeniero Enrique López Roossveart, su amiga Aída Meza de López, que siempre estuvo con ella. A quien ayudó a morir.
Construyó una Iglesia de piedra sólida para la población, porque el sitio de las Misas era también de diversión y no le parecía digno.
Como otras cosas que quedan en el secreto de la familia. Su peor error fue dejar de trabajar por imposición del Ingeniero. Con tanta tierra en casa, servidumbre y tías solteras y nanas para sus hijos, bien podía haber dejado la parvada con ellas, más donde capitán… el marinero calla.
Son los recuerdos de por qué su funeral paró el tráfico de Viña del Mar. Había estado con ella dos meses antes de su muerte y no podía volver de inmediato: mis deberes universitarios me lo impedían.
El Lunes 9 de Mayo del año 2000, a las seis de la mañana, después de haber hablado con ella al teléfono durante varios días: había recuperado su memoria, esa llamada mejoría de la muerte y me contaba historias de su infancia y otras mias que solo supe en esos días.
Madre de todos los hijos propios y de otros, este 9 de Mayo, serán 13 años en que a las 6 de la mañana pediste la mano a Margarita, la enfermera que pagábamos para ti, y sin ninguna queja, se fue a reunir con su marido que llevaba más de diez años a su espera en la eternidad.
No te olvides esas noches de vuestra infancia en que todos te pedíamos la por la y que ibas de cama en cama a los seis, diciendo:
Por la señal de la santa cruz+
De nuestros enemigos +
Líbranos, Señor, Dios nuestro +
En el nombre del Padre y del Hijo y del Espíritu Santo +
Amén.
Y de cama en cama, todos esos años ibas dejando a todos conformes. Y conformes estamos, aun los agnósticos como yo y mi familia!
Como si fuera ayer y lo recuerdo como en la infancia. La vida es un suspiro. El día del funeral me acompaño todo el Martes por la tarde, la madre de un antiguo discípulo mío, Bebé Cirilo, en cuanto oía el funeral por los celulares de la familia. Con mi ausencia, mi hermano tercero hizo el trabajo que me correspondía por ser el mayor y ahora, jefe de familia: la oración fúnebre frente a la multitud de todos los sitios que eran millares más de los que pensamos.
Florentina María Redondo Carretero de Iturra Merino, ¡debes tener olor a santidad!
Tu hijo
Raúl Iturra
Y no te olvides de la porla…..
domingo, 6 de abril de 2025
Agostinho da Silva, Dispersos
"Hoje, as pessoas andam metidas nessa trapalhada de uns
defenderem o capitalismo - ou o liberalismo dentro do capitalismo, é a moda
mais recente - ou, pelo contrário, defenderem o sistema do Estado com a
economia planificada e autoritarismo, julgando que essa é que é a luta
fundamental, quando, no fim de contas, a disputa entre capitalismo e a outra
coisa (como se lhe quiser chamar, socialismo, comunismo), vem de uma raiz comum
- da obrigatoriedade do trabalho; simplesmente o capitalista obriga o cavalheiro
a trabalhar porque se não o fizer morre de fome, e os outros obrigam-no senão é
declarado anti-social... Um caminho certo da economia seria encontrar a maneira
de abolir o trabalho. Mas, vendo bem, não tem que se ter preocupação com isso,
sabe, porque o trabalho está-se abolindo a si próprio!"
- Agostinho da Silva, A NOSSA OBRIGAÇÃO É SER POETA À SOLTA
(Entrevista a Carlos Câmara Leme) [1986], IN DISPERSOS, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, 1988, pp. 166-167.
domingo, 30 de março de 2025
Do Diário de Vida de Raul Iturra
Vamos Embora meu Diário Querido!
Vamos andando para fora deste lar, Diário Amigo, tens-me
acompanhado anos sem fim, com calma e simpatia, nesta intimidade do meu quarto,
a única possível, ao pé do meu colega de habitação e eu acompanhado por estas fotos de família, única lembrança possível da minha vida anterior. Lá está essa
da minha senhora mãe com esse vestido preto e ajustado, o colar de pérolas
verdadeiras, elegante, esguia, um pé em frente de outro, as mãos cruzadas em
sinal de oração sustendo seu livro de missa, séria, um certo sorriso a
brilhar na sua boca, perto do meu pai, seu marido, esse senhor digno e bonito
que eu abraço, e esse eu sorridente e feliz vestido com o hábito de noviço
dominicano nos meus 17 anos, no dia em que ingressei no mosteiro para um dia
ser sacerdote pregador. Foto que assinala um dia alegre para essa ultra
católica mãe, triste para o não crente pai que assim perde um filho, cheio de
riso para mim que ansiava amar ao próximo e converter pecadores; tudo isso vejo
e lembro nos minutos de sair da cama, às cinco da manhã, para ir escrever no
gabinete que o lar disponibiliza para mim; pensamentos de lembrança com amor
que me fazem sorrir, quão crente e religioso era eu nesse tempo! Como eu
subordinava meu ser a quem eu pensava que fosse a vontade de Deus… tornar-me
sacerdote era o meu intuito…o silêncio do meu quarto permitia-me essa digressão
no tempo…um “ah! era assim que eu pensava”...”era assim que eu decidia”....
Sorri com simpatia pensando no meu ser de então.
Lembrava Querido Diário como eu mortificava a minha carne
com silícios e chicotadas para não ter pensamentos que furassem a minha
castidade agora entregue à Divindade… Meu colega de quarto resmungou entre
sonos e distraiu a minha recordação… que volta… e vejo-me sair desse mosteiro
poucos meses depois do dia da foto em procura de estudos e de amor, e romper a
castidade de amor e de sexo em que nem uma masturbação tive, para assim, em
estado de pureza louvar o Criador…Era assim o meu acreditar de então.
Lembrava-me disso nessa fria manhã do dia de me ir embora do
lar em que vivi, tão semelhante como me tinha ido fora do dito convento…
Pensando no meu futuro decidi que o que eu queria era defender os injustiçados,
ajudar os criminosos, socorrer os sem abrigo e decidi então ser advogado, uma
espécie de sacerdote cível sem obrigação de castidade, pobreza e obediência,
três votos que na solidão da casa de repouso lembrava-me serem sementes do meu
futuro… Sorri com essa lembrança nessa madrugada em que me mudei para casa da
mulher da qual eu estava namorado e que desejava… À saída do mosteiro não tinha
um amor para motivar o meu abandono da cela monástica, mas sim o tive para
fugir dessa outra subordinação às regras de uma casa de velhos, pensava eu na
hora de sair da cama, na minha intimidade, submissa às regras civis… Como
tentei de as manipular na solidão da minha escrita e nas minhas persistente
leituras no corredor, onde me sentava e onde me ia entretendo nesses nove anos
de enclausuramento causados pela manipulação mentirosa de uma minha descendente
que me classificara como incapaz de entender o real e fechara-me nessa
instituição. Quando abandonei o mosteiro tinha uma vida toda para construir e
ser alguém dedicado a trabalhar para outros; mas abandonar o lar de velhos era
um recuperar de uma vida de amor e de desejo com a mulher que amava, de calma e
simpatia, de namoro, de trabalho como se eu fosse entendido em aves e terra… pensava eu tudo isso no dia da minha partida, meditava na teologia que eu
estudei , nas qualidades de Deus, no amor fraterno… mas nessa madrugada meditava
em como amava essa carismática e atraente mulher, era recuperar uma vida que
tinha começado anos passados, uma atração que me fazia feliz, arriscado e
forte… era ser jovem outra vez, era para mim retomar uma vida a dois … para ser
autónomo e feliz... era tanto o meu pensar para essas horas da madrugada…
No lar lutei para restituir a credibilidade em mim, apostei
para que os outros fossem felizes, servi os meus colegas de idade, assim como
sobrevivi com o apoio incrível da mulher que amo e que me deu apoio
incondicional, assim como a minha outra descendente que não me largaram e
acompanharam-me durante anos… também com o apoio de uma “amiga gorda” com a
qual falava infinitamente… Ideias e lembranças, todas, na madrugada da minha
partida.
Saí do lar… tinha eu adoecido pela falta de dopamina, a
secreção que permite pensar, andar, calcular, o neurónio restabeleceu-se,
cresceu, recuperei faculdades com a ajuda de uma médica do lar… corri ao
tribunal, pedi a mudança de filha acompanhante, ganhei a minha causa, foi-me
dito que podia viver onde quisesse… cá estou eu com a senhora que acreditou em
mim e me fez feliz. Foi com ela que fomos de visita à minha vida anterior, aos
amigos das aldeias que estudei, sobre as quais escrevi quatro livros, a minha
família galega como se denominam a si próprios, dias de felicidade e de atenção
deles para connosco…de uma simpatia e bom tratamento que me permite esquecer a
violência com que me tratara a descendente que me fechou no lar que agora
abandonei finalmente… nem consigo lembrar as formas duras que foram empregues
por essa minha descendente e sua família para me desqualificar socialmente… para
que meus amigos e colegas fugissem de mim… para me isolar e não receber as
honrarias que a sociedade me quis dar… e que contudo teve um final feliz para
mim. Assim exponho as lembranças do apoio que pude dar aos velhos do lar, que
tenho escrito neste livro, que agora, por amor de Deus, só quero acabar para
não sofrer mais por causa das manipulações da dita descendente… perdi uma filha
e dois netos mas ganhei uma vida de amor e tranquilidade. O editor deste meu
livro e de amigos que me acompanharam nesses nove anos, eles sabem quem
são, têm convertido a minha vida no paraíso que sempre sonhei…
Tive dois mosteiros, o de sacerdote a servir uma divindade,
na qual eu já não acredito, e o de uma casa de repouso onde fui maldosamente
encerrado. Dos dois consegui safar-me sem grandes dificuldades ou tristezas
para minha vida que agora é feliz e plena… passei a ser um encantador de patos
como a mulher que amo me denomina, besos e abrazos Diário Querido que me tens
acompanhado toda a minha larga vida de quase 85 anos… tanto ano… Diário Amigo.
Professor Doutor Raul Iturra, Catedrático Emérito do
ISCTE-IUL
Texto Editado por Claire Smith, Antropóloga
Barra Mansa, Março 2025
Notinha: Na foto, Raul Iturra, Quinta Barra Mansa, Fontanelas, Sintra, Portugal - fotografia de Maria do Céu Raposo.
domingo, 9 de março de 2025
Quando eu for grande quero ir à Primavera
por Luís Santos
QUANDO EU FOR GRANDE QUERO IR À PRIMAVERA
É o título de um livro do Professor José Pacheco. Grande
homem. Tudo pelos alunos, por uma boa educação, ajudando-os tanto quanto
possível a construírem-se como pessoas de excelência, sobretudo os mais
frágeis, os abandonados à sua sorte, numa natureza dura de contrariar. Em
breve, vindo do Brasil, onde vai desenvolvendo um extraordinário projeto de
educação, voluntário, regressará à nossa Escola para nos oferecer a todos, mais
uma das suas belas lições.
José Pacheco leva-nos a Rubem Alves, um outro pedagogo e
poeta dos grandes, brasileiro, que fisicamente já nos deixou. E deixou-nos
muito. Como, por exemplo, “A Escola com que sempre sonhei, sem sem imaginar que
pudesse existir”, a tal Escola da Ponte, Vila das Aves, que há muitos anos
funciona como um farol que nos orienta.
Uma citação do livro de Rubem Alves que se refere: “O pássaro pousa no ombro de todos os que sobreviveram à pergunta: o que queres ser quando fores grande?...”
Juntamos também um poema dos nossos:
Estudar é procurar
o caminho de lá chegar,
aprender a ser
Ir à escola é ir estudar
Ensinar é ajudar a crescer,
a ser feliz
Ir à escola
não é (só) ir trabalhar
é ensinar e aprender,
a brincar
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Do Diário de Vida de Raul Iturra
A minha família e eu, Diário Amigo...
"...Caralho...onde será que andam estes rapazes...José Luís! Luís
Migueeel...! andem cá...! Venham caralho...! O “inri” disse-me que iam andar
bem... que o Luís Miguel podia caminhar...puxa onde é que andam estas merdas...
Luís Migueel!?! José Luíis!?! Joosé Luís..!! andem cá...! disse-me este senhor,
o “inri” como a palavra de Jesus quando estava crucificado…, esse que se senta
perto da porta de entrada… que vocês andam na vindima... será...? …talvez este
corredor por onde ando me leve para o caminho... Luíis Migueel…!, José
Luíis...!! tira-te daí puta... sai do meu caminho sua bêbada... esta é a minha
rua...puta... sai...ai!, aí há uma porta...vejo um pátio que de certeza leva-me
à estrada que me leva à vindima... José L…, L... Miguel...será que foram à casa
da Ivonne... a minha filha ...Luíiis... não pode ser, ela dá aulas... ha! cá
está a porta que me tira de aqui... mesmo...vai dar ao caminho onde me disse o
senhor que era a vindima… é só um salto... é só andar e rápido porque faz-se
noite e vejo mal... meninos!... a comer pois... onde é que estão
meninos?... paparoca!!... vejo pouco ...o sol entrou... caralho... olá, vem aí
um carro... vou correr pró mato para não me atropelar... atão... vem aí uma
senhora e um senhor... não queero…, não me agaarrem...! que eu não grite? como
não vou gritar se me estão a agarrar para eu não ir à vindima ter com os meus
rapazes! …o que vão eles cear? não vê que trabalham o dia inteiro e têm fome...
largue sua puta bêbada... soltem-me... meus filhos são doentes e vou levá-los à
casa... larguem-me digo!... não quero entrar no seu carro... ai caralho... está
me a magoar... Luís...Zé Miguel...! …larguem-me os braços... não vou entrar...
aí... aí... aí..." Foi o que disse a minha amiga magra do lar, enquanto
empurrava portas e afastava velhos para fugir da casa de repouso. E foi o que
fez com sucesso. Ela foi encontrada pelos funcionários que saíram de carro a
correr à sua procura no entardecer, numa tarde de inverno, alarmados e
assustados pela sua segurança. Por sorte foi que uma senhora a viu na estrada a
andar sem tino e gritar o nome de pessoas, calculou que ela era do lar e
avisou-nos. Não era a primeira vez que essa mulher de 94 anos que vivia no lar,
sempre em procura dos seus filhos já adultos, mas com atraso mental… zangava-se
com todos e fugia para tratar deles... a família colocou-a no lar, mas todos os
dias a sua angústia crescia por não os ver. Ela batia nas pessoas todas porque
não podia tratar desses adultos doentes, que eram crianças para ela…
Um dia meditava eu, com tristeza, nesta mãe frustrada que
procurava os seus filhos, quando ouvi de repente pontapés e golpes na porta do
refeitório e um pranto de agonia que interrompeu a minha meditação... "deixem-me
entrar ... abrem a porta pois... tenho que ir trabalhar para lavar os pratos do
jantar que cozinhei para os miúdos deste jardim de infância...abrem a porta...
não sejam maus, devo acabar meu trabalho para esses pequeninos, por favor... se
não trabalho como é que posso tomar conta do meu marido... e desses pequenos...
abrem...!! por favor!..." dizia a pequena cozinheira de metro e meio
de altura que, em desespero, temia não cumprir ao que estava obrigada no seu
emprego. A senhora chorava com grande mágoa. Então eu tomei as suas mãos,
beijei a sua cabeça e tentei acalmá-la porque sofria mais do que uma senhora
idosa como ela podia suportar. Sua sobrinha veio visitá-la como fazia sempre
todas as três semanas e desta vez contei-lhe a desventura da sua tia. Ela
disse-me que mais nada podia fazer por ela, e já era muito, que a sua tia era
uma viúva sem filhos que se tinha fartado de trabalhar para cuidar do seu
marido doente e tinha adoecido quando ele morreu… regressando à infância... Por
isso, essa pequena mulher ia a todos os quartos à procura de roupa para levar
para a casa do seu marido...que a esperava para jantar. Um triste fim de vida
para quem contribuiu para o bem estar dos filhos de outros, que na sua
esterilidade não foi capaz de conceber. Por isso ela adotava emotivamente os
filhos dos outros... que ia perdendo a cada ciclo, nessa elementar ação de os
alimentar, o mais humano dos trabalhos… alimentar para manter crianças vivas e
felizes! Ó Querido Diário uma luta sem fim, esse anseio desesperado de dar
conforto às suas crianças agora imaginárias, esse manter vivo o homem que
amava, uma louvável acção aprendida no seu duro lutar pelos outros.
" Anda Esmeralda - essa irmã defunta que ela ressuscitou, senta-te aqui comigo, querida irmã, aquece as minhas mãos pois eu não consigo, dá-me essa manta para me agasalhar antes que venha o nosso irmão João ma tirar e que eu fique com frio… ele vai dizer que já tenho manta nas pernas, para que quero mais... e quê... eu queria outra manta agora para as minhas costas... anda menina, dá já!… que morro de frio... essa manta não é de ninguém, digo-te é minha pois… anda… dá cá mulher... olha! ... repara abriu-se a porta da rua... vamos já fugir com este senhor que a abriu… carago…”. E dizia o velho que abriu a porta “abri a porta não sei como, consegui tirar o fecho de cima... vou correr para treinar à bola o meu plantel... assim continuo ativo para que os meus filhos se orgulhem de mim... dinheiro eles já têm…, trabalho também, falta-lhes ter o prazer de contar com um pai bem conhecido e muito aplaudido pelos outros... vamos minha senhora para o campo da bola?" "Vamos senhor sim com a minha irmã Esmeralda..." "… que bom sermos tantos... tem que me aplaudir muito!..." "aplaudimos Esmeralda?” "Que diz ela senhora..." "Diz que não entende a merda da bola, mas que como vamos fugir juntos vai bater palmas para agradecer..." "Bom então..." "Vamos depressa...?" "...vamos pois, vão gostar de me ver treinar, estou certo..."
Aí parou a aventura que vi e ouvi. Fui calmamente ao gabinete da direcção
referir deste projeto de escapada e a aventura cessou... Tinham conseguido
abrir a porta e sair para bem deles foram travados no seu intento, mas
desapontados na realidade por eles fabricada.
Relatos de situações recriadas bem melhores que a que o lar
ou as suas famílias fossem capazes de lhes inventar ou sugerir. Para familiares
e funcionários do lar eram transgressões por mentes doentes, não uma elaboração
feita por seres humanos agora isolados que antes tinham sido habituados a
carícias, a ter responsabilidades, dar e receber amor, a ter uma família e que
perderam desde o dia que entraram no lar e tiveram que inventar uma alternativa
para acompanhar essas emoções vazias. Para a família era um congeminar de
mentes doentes, não era entendido como algo que se procura, com essas
elementares criações e assim encontrar um amor que já não têm. A pior das
faltas num lar. Os velhos são pessoas que amam e tentam recuperar uma vida
doméstica perdida com imaginária criação.
Querido Diário, tudo isso é uma atentado contra família,
carinho, maturidade e passa a ser substituído com um grande investimento de
ternura em seres com atividades inventadas. É difícil entender este
comportamento mas parece-me que deveria ser respeitado como um direito de
recriar uma família com o aconchego amoroso necessitado por todo o adulto
maior... beijos e abraços Diário Querido...se não falo contigo, com quem falo
então...?
Professor Doutor Raul Iturra, Catedrático Emérito do
ISCTE-IUL
Texto Editado por Claire Smith, Antropóloga
Barra Mansa, Fevereiro 2025
sábado, 15 de fevereiro de 2025
UMA LÍNGUA DE FOGO
sábado, 1 de fevereiro de 2025
Do Diário de Vida de Raul Iturra
A Minha Gorda Amiga
Uma homenagem
É com alegria e sorrisos, meu Diário Querido, que vou-me lembrando dessas conversas de quase nove anos que tive no lar onde resido com a minha gorda amiga, já mencionada por mim nos capítulos anteriores. Gorda como metáfora de uma mulher linda, com cara de porcelana como boneca, lisa, sem nenhuma ruga nos seus 86 anos. Anos que eram celebrados por todos nós no 22 de Abril de cada ano. A senhora alta, esguia, apesar dos quilos a mais que tinha em certos anos, porque desde sempre tem adorado comer. Era bom dente, melhor garfo, eram abundantes as bolachas e chocolates... Uma senhora mesmo senhora, cativante, vestida com roupa que tem tido por hábito mudar todos os dias. Levava mais de uma hora no seu quarto para escolher o vestido que mais assentasse aos seus caprichos do momento. Roupa grossa no inverno, com casacos compridos adequados à cor do fato, sempre com vestidos porque: “as calças são para homens e eu não sou, sou mulher que gosta de atrapalhar homens bonitos com a minha roupa”, gostava ela de dizer e de pôr em prática. Daí as largas horas que gasta em se arranjar e para pentear os escassos cabelos sobreviventes da sua cabeça...ela os pintava...quase cor ruiva que gostava para parecer mais arrumada… Sugeri-lhe, um dia, deixar de pintar o cabelo, ela aceitou e passaram a ser de cor branca, parecendo-se assim como mulher digna da alta sociedade, como ela gosta de ser classificada. Por norma, esta distinta mulher quer andar com pessoas bonitas e bem apresentadas e por isso mandava-me, ao longo destes anos todos, atar um lenço ao pescoço e colocá-lo dentro da camisa. Mandava-me comer, comer e muito "para que desapareçam as covas da sua cara, Sr. Doutor, para que fique assim mais bonito"...Gosta dessa elegância nos outros. Desde o primeiro dia que partilhamos o lar gostou do proprietário da casa de repouso, um homem jovem, bonito, bem vestido e perfumado. Odor que ela adora. Ela nunca deixou de me oferecer água de colónia: “caso o perfume tão bom que usa o Sr. Doutor e que eu gosto se esgote...". Sempre me chama Sr. Doutor e obriga os outros a usarem este adjectivo para falarem comigo. Um senhor Doutor quando não usava “Senhor Professor Doutor que escreve tantos livros”. Tem sido um bom garfo e melhor vestida ainda, mas a falar...fala todo o tempo...calmamente, lentamente, informada, especialmente de bispos e papas, santos e anjos, um saber litúrgico sem igual. Cansava-me tanta palavra, especialmente porque gosto de ler em silêncio. Parar aquilo era só com comédia: fecho o olho esquerdo que ela vê desde o seu sítio enquanto mantinha aberto o direito para ver televisão no tempo em que eu gostava de ver programas. "Está a dormir?.." dizia-me e eu respondo..."Estou a dormir profundamente...", mentia eu e ela aceitava e assim calava-se. "Que dia é hoje querida amiga?" “segunda..." "pense bem... ontem veio a sua filha que só aparece aos sábados..." "não me diga que é domingo.." "é..." "atão...há missa.." e eu punha o canal correspondente na liturgia do domingo dos católicos e ela ia orando ao longo do que o oficiante dizia...em profundo silêncio perante os outros ali sentados...e ai dos que falam...!! Recebem um grito de fúria "caluda...é a missa...não se fala...respeito". Ela católica devota, eu anticatólico frenético e militante, passei a respeitar profundamente a sua inabalável fé... ela quase uma santa na sua devoção...e o terço! ai, meu Deus...três ou quatro por dia...era eu o seu coro ou procurava-lhe outros acompanhantes, havia muitos, era só coordenar os que iam rezar com ela, eu organizava e ela gostava da minha iniciativa, contava com ela, era esperada. Aprendi muita geografia de Portugal com as suas histórias de viagens quando procurava velharias que vendia na sua loja na estrada de Sintra, o que sempre gostou de fazer nos trinta e cinco anos de atividade como também aprendi a geografia da sua terra: "Sou da aldeia com ovelhas que eu pastoreava enquanto lia os romances do Camilo (Castelo Branco) e a vida do Santo António, pertenço à freguesia do carvão, do distrito dos antigos escravos que os romanos não foram capaz de conquistar”, ensinou-me ela. Eu agradecia...um par de vezes disse-me que sonhava comigo, eu curioso, queria saber o que sonhava. Ela: "Aí não! É só comigo, tenho vergonha de lhe contar..."...outra vez desafiou-me "o Sr. Doutor comprimenta as senhoras com um beijo e a mim nada..." Lá fui eu, beijei sua bochecha e ela feliz com esse carinho, “...não vou lavar a cara nos próximos dias..."!! Num lar de idosos havia pessoas que morriam, eu sabia e vinha-lhe contar e a minha muito querida amiga rezava terços pelas suas almas durante três dias porque "ele está no julgamento divino e com o terço ajudo-o….". Com a passagem do tempo, a minha maravilhosa amiga emagreceu e passou de mulher forte a elegante, linda, bem vestida a uma senhora mais querida ainda na sua magreza. Ela adorava a minha mulher. Tinha sempre um presente para ela nas suas visitas com beijos sem fim. Cara de porcelana, uma beleza velha desperdiçada, querida por todos no lar: ela não grita, não se zanga, opina e tem sido ouvida como ninguém, com uma dignidade sem arrogância que a todos cativa. Não fosse eu casado e amante da minha mulher a teria namorado, essa dama que quando uma descendente minha retirou-me com maldade o uso do meu telefone ela deixou-me usar o dela sem pagamento. Minha mulher ofereceu-lhe uma cruz dourada com pedras de cores de fantasia e ela a todos dizia que era um presente de ouro com pedras preciosas, porque não podia ser por menos vindo de uma senhora que ela, essa minha antiga amiga gorda depois elegante e muito bonita, mas mesmo muito bonita, recebeu da sua amada amiga, minha mulher. Essa minha querida matrona elegante e calma entrou ontem na eternidade e hoje vai ser enterrada, eu a choro profundamente mas aceito a realidade com calma, não tenho outra opção, descansou...Querido Diário, vamos lembrá-la enquanto estivermos vivos e vamos nos encontrar na ressurreição em que ela acreditava.
Professor Doutor Raul Iturra, Catedrático Emérito do ISCTE-IUL
Texto Editado por Claire Smith, Antropóloga
Barra Mansa, Janeiro 2025