quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Pitágoras, a sua Escola e os "Versos de Oiro"


por José Flórido
1/4/2017

 "Tal como o íman atrai o ferro, também os nossos pensamentos e os nossos atos atraem a resposta divina" (Pitágoras)

     Pitágoras nasceu na ilha jónica de Samos, por volta de 570 a. C. , tendo fundado em Croton, na Itália meridional, uma escola célebre, de carácter filosófico, religioso e político, onde floresceram as Ciências Matemáticas, a Música e a Astrologia, mas a disciplina do silêncio, o ascetismo, assim como a meditação e a contemplação, também faziam parte integrante do seu método de ensino.

    Diz-se que esteve no Egito e na Babilónia, onde adquiriu muito do seu saber. No Egito, estudou profundamente as Matemáticas sagradas, a ciência dos números ou dos princípios universais, que lhe permitiram compreender a involução do espírito na matéria e a sua evolução para a Unidade. As doutrinas dos outros filósofos, como Tales e Anaxandro, pareceram a Pitágoras contraditórias, levando-o, por isso, a procurar a síntese e a unidade. Considerou a existência de uma Lei Ternária, que rege a constituição do Cosmos, e de uma Lei Septenária, que preside ao seu desenvolvimento (e que se pode expressar através das sete notas musicais).

   O objetivo da escola de Pitágoras não era propriamente ensinar a Ciência esotérica a um círculo de discípulos escolhidos, mas, principalmente, aplicá-la à educação da juventude e à vida do Estado. Nesta escola, só aqueles que eram designados Mestres podiam ensinar as Ciências físicas, psíquicas e religiosas, sendo os jovens admitidos às lições dos Mestres e aos diversos graus de Iniciação, de acordo com a sua inteligência e boa vontade. Mas a aceitação dos noviços era difícil, porque Pitágoras impunha muitas restrições à sua entrada, dizendo que nem toda a madeira servia para fabricar a estátua de um deus. Porém, uma vez admitido, o noviço era convidado pelos outros jovens a participar nas conversas, onde acabava sempre por revelar o seu caráter e a sua verdadeira natureza. Pitágoras observava-o então de modo indireto. Estudava os seus gestos e as suas palavras, dando especial importância à sua maneira de rir, porque considerava o riso a revelação mais profunda da alma. O discípulo tinha então de se submeter a duras provas para se decidir da sua continuidade na escola. Uma dessas provas consistia em passar uma noite absolumente só numa caverna, onde se dizia que surgiam aparições aterradoras. Aqueles que não tinham coragem para suportar essa prova eram considerados demasiamente fracos e tinham de desistir. Outras vezes, após um dia de meditação sobre o significado de um determinado símbolo, o noviço entrava no círculo dos outros discípulos que lhe faziam perguntas a que ele não sabia ou que dificilmente era capaz de responder. Pitágoras observava de perto as suas reações. Se ele se enfurecia, era imediatamente eliminado da escola; mas, se, pelo contrário, era capaz de manter a calma e respondia com humildade e sensatez, dispondo-se a repetir tantas vezes a mesma experiência quantas fosse necessário para adquirir o conhecimento que lhe faltava, era felicitado pelos seus companheiros e poderia prosseguir na aprendizagem.

     Os VERSOS DE OIRO continham os princípios básicos do ensinamento pitagórico. De manhã até à noite, soavam aos ouvidos dos discípulos:

VERSOS DE OIRO DE PITÁGORAS
(Versão de Felix Bermudes (?))

Preparação  

Presta a Deus imortal o culto consagrado;
Conserva a tua fé; dos vultos do passado,
Ou santos ou heróis, louva a divina ação.

Purificação

Sê bom filho e bom pai; sê justo como irmão,
Amável como esposo; escolhe como amigo
Aquele que tiver luz para repartir contigo
E dê conselhos bons que o porte não desminta.

Se o fogo das paixões for cinza nele extinta,
Imita o seu exemplo, escuta o seu conselho,
Sê tu, para o refletir, um voluntário espelho;
Jamais te afastes dele por fútil discrepância;
Enjaula dentro em ti a fera da arrogância.

Sê sóbrio, ativo e casto; evita a irritação;
À raiva fecha a alma, ao ódio o coração.
Em público ou privado, o mal jamais pratiques;
E a quem te der lições, escuta e não critiques.
Respeita-te a ti próprio; o sábio verdadeiro
Nada diz, nada faz, sem refletir primeiro.

Sê justo. As más ações são catacumbas frias
Para sepultar, na morte, os bens e as honrarias;
Toda a riqueza é vã se foi contra um dever;
O fácil de ganhar é fácil de perder.
O cálix da amargura imposto pela sorte
Aceita-o, resignado. Ele te fará mais forte.
Em mil fiéis ao erro, um só busca a verdade;
Mas Deus protege o sábio e livra-o da maldade.

O filósofo aprova ou condena sem tédio
E onde encontra o erro incapaz de remédio,
Afasta-se e espera. "Afasta-se e espera!"
Grava bem esta lei. Medita-a, considera
Quanta inútil pendência ele pode evitar-te.

Com todos sê cortês; sê nobre em toda a parte.
Não dês exemplos maus; nem os sigas tão-pouco; 
Agir sem fim nem causa é proceder de louco.
Olhos e ouvidos cerra a todo o preconceito,
A todo o fanatismo ou julgamento feito
Preconcebidamente e só por teimosia;
Seja tua e só tua a razão que te guia.

Não pretendas fazer o que a tua ignorância
Não permitir. O tempo, a atenção e a constância 
Hão de trazer-te um dia o poder que te falta.
​Aprende a servir, eis a ambição mais alta
Que deve nortear a tua vida inteira.

Cuida bem do teu corpo, o trabalho aligeira
Quando ele se queixar, mas não lhe satisfaças 
Apetites boçais. As dores e as desgraças
Começam quando o corpo ordena mais que a alma;
Se o serves uma vez, já nunca mais se acalma.

Do luxo e da avareza os modos são iguais.
Diferentes na aparência, irmãos em tudo o mais.
Procura encontrar sempre o justo meio termo,
Pois nunca o corpo é são, estando o mental enfermo.

Formula ao despertar o teu programa honesto
E nunca para amanhã deixes ficar um resto.

Perfeição 

Antes de adormeceres, repassa no mental
As ações que fizeste, ou para bem ou para mal.
Não repitas as más, insiste só nas boas.
Estende a compaixão aos brutos e às pessoas.
E a cada novo esforço, a cada prova rude,
Acenderás em ti a luz de uma virtude.

Assim sublimarás a Tétrada sagrada,
A tua quaternária e cósmica morada,
Alma, espírito e corpo - um embrião de Deus.

Procura com fervor abrir os olhos teus
À luz que vem do Olimpo. O teu amor é vão
Se o Céu não te cobrir da sua proteção.
Só Ele pode acabar as obras que começas
E dar-te, para o bem, o auxílio que lhe peças.

Estuda a natureza, aprende a lei sublime
Que rege a imensidade e que à matéria imprime
A vida universal. Perante estudos sérios
Abrem-se a pouco e pouco a porta dos Mistérios.

Então descobrirás a luz do teu destino
Que, por sublime Amor do nosso Pai divino,
Te chama a colaborar no Plano do Universo
Com Deuses, de quem tu és "Uno - mas Diverso".

Então, desprezarás todo o desejo fútil.
Verás que o sofrimento é criação inútil
Dos erros e do vício e da maldade crua.
O homem vive e morre a procurar um bem
Sem nunca reparar no bem que em si contém.

Quem não souber ser bom não sabe ser feliz;
É náufrago num mar de praias sempre hostis,
E entre o fraguedo atroz que a riba lhe apresenta,
Não pode resistir nem ceder à tormenta
Porque não descobriu que transporta consigo
Um farol para o guiar a salvamento e abrigo.

Por entre os vendavais dessa jornada ignota,
Tem cada qual de abrir a sua própria rota.
Uma estirpe divina impõe à humanidade
Buscar no mar do erro o porto da verdade.
A Natureza ajuda o homem no caminho,
Nunca o desamparou, nunca o deixou sozinho.

Homem sábio, homem bom, tu que já penetraste
​Os mistérios da vida e meditaste o contraste
Entre o Bem e o Mal, concentra-te um momento
E medita que Deus, ao dar-te o pensamento
E muitos outros dons que refletem os Seus,
Fez-te um Ser Imortal, porque és tu próprio um deus!

in, 
http://joseflorido.weebly.com

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

ALEXITEMIA



pelo litoral limite da praia azul
emocionalmente mudo
corro sobre a alma, voo,escrevendo
sem nada escrever 

estou na folha da confusão, amo-te
e espero imóvel a crise do sentimento
um azul projectado no infinito da baixa de cascais, primeira praia da manhã do primeiro dia do ano novo, vejo-te da janela da mesa onde escrevo em filigrana a minha febre

faltam-me as palavras na sua fuga
perdem o tampo da mesa de madeira dura, já há muito que não falo.

24-12-2016
José Gil


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A AVALIAÇÃO

É tão bom chegar a casa para almoçar e ver os meus amorzinhos brincando, serenamente, no aproveitamento de umas férias que tanto têm de bem-vindas como de merecidas. 
E o beijinho que se segue ao “-Olá, pai!” é tão doce, tão cheio de encantamento que eu, comparado com o tamanho da alegria que sobre mim cai, fico tão pequenino. 

Olho à minha volta e estou no Paraíso. 



Paraíso que infelizmente os homens teimam em não reconhecer neste rochedo cósmico que deveriam, permanente e humildemente, Agradecer. 


Pena que o país não partilhe o meu estado de alma, mas a verdade é que Portugal atravessa aquela que é a maior crise dos últimos vinte e cinco anos. 
Hoje ficámos a saber que o estado já não consegue cobrar os impostos dos contribuintes em falta pelo que entregou a colecta a uma seguradora, a “Sagres” que, garantindo uma cobrança mínima, procurará, a partir daí, executar o máximo de dívidas que totalizam milhares de milhões de euros. 
Isto é, a máquina fiscal revela-se impotente para cumprir as suas obrigações. Deste modo, a injustiça que a este nível se verifica permanecerá; pagam os que não têm qualquer forma de se furtar ao fisco e, com isso, são os trabalhadores por conta de outrem quem suporta as despesas correntes do estado. 

É pois natural que a justiça seja o que é. Um sistema em que as habilidades legais permitem que os poderosos se subtraiam às consequências de violarem a lei. Entre nós, o estado de direito é uma figura retórica. 

E o desemprego crescendo ao mesmo tempo que a economia não cresce e o investimento decresce. 


Está na hora dos cidadãos comuns começarem a expressar as suas preocupações e avançarem as suas sugestões e depois pressionarem quem decide a implementar as soluções para os problemas que nos inquietam. 
Basta que se constituam movimentos de contribuintes dispostos a encontrarem-se para discutir a sociedade portuguesa actual e proporem políticas e medidas que tenham em vista o propósito do necessário desenvolvimento entre os portugueses. Agrupando-se, os cidadãos poderão constituir o seu próprio lóbi. A imaginação tratará de identificar as expressões que a actuação do mesmo pode ter. 

Uma coisa é certa. A democracia em Portugal está bloqueada. 
Todo o bloco central está subjugado a poderes fáticos mais ou menos esconsos que impõem as suas conveniências e por isso condicionam a capacidade do poder de estado prosseguir políticas que tenham em vista o interesse público e o bem comum. 



Os europeus preparam-se para fazer descer uma sonda em Marte. Chama-se Beagle 2, em homenagem ao navio em que Charles Darwin fez a sua grande viagem durante a qual recolheu os elementos que mais tarde lhe permitiram sustentar as ideias que deram corpo à sua teoria da evolução das espécies. 
Se tudo correr bem, brevemente teremos mais dados sobre a superfície rochosa marciana e as possibilidades de algum dia ter existido água no estado líquido ou os vestígios de alguma vez ter aí acontecido o fenómeno Vida. 

Estranha espécie a nossa, capaz de sonhar o Infinito e tão perto da morte. 



A leitura de Amartya Sen é bastante instrutiva. Chama-nos a atenção para uma perspectiva de desenvolvimento que não cabe nas teorias econométricas que se baseiam no aumento dos rendimentos. 

E ao destacar vectores como a educação e a saúde, lança luz sobre as razões das incapacidades estruturais que na sociedade portuguesa impedem a nossa aproximação ao lado certo do mundo. 

Para continuar a ler com toda a atenção. 



Mas eu devo confessar a dupla emoção que tive, neste fim de tarde, com as novidades das avaliações das minhas filhas. 

Tanto uma como outra com todos os exercícios certos e sem correcções. No caso da Margarida, apenas com um número trocado numa das provas de Matemática e um tempo verbal alterado numa composição. De resto, às letrinhas e aos números tão bem grafados pelos meus amores e, no caso da Matilde, também aos desenhos e às ilustrações, nada mais se via que o vermelho da esferográfica com que as Mestras assinalaram o acerto das respostas. 

É indescritível a alegria que senti. 

Em conformidade, os registos de avaliação não poderiam ser melhores. 

A Matilde teve bom nos parâmetros de Língua Portuguesa e Estudo do Meio em que foi avaliada e suficiente nas expressões artística e motora. Quanto à componente da formação cívica, revela uma participação positiva na aula, com sentido de responsabilidade e sentido crítico e de respeito pelas regras de convivência. 
Segundo a Professora, é bem comportada; está atenta e aplica-se nas realizações que lhe são solicitadas. Além disso é prestável e simpática e cordial.
Agora vou transcrever a apreciação global: 
“A aluna conhece as palavras-chave dadas. (menina, menino, sapato, bota) 
Escreve e lê palavras novas formadas com as sílabas dadas. 
Copia de letra de imprensa para letra manuscrita. 
Em Matemática identifica os números até 5. Faz contagens progressivas e regressivas. 
Adquiriu as noções dadas.” 

“-É pardalito, parabéns filha. O pai ficou todo satisfeito e orgulhoso.” –Por entre um amplexo salpicado de beijos. “-Mas ainda fiquei mais contente por a Professora ter dito à mãe que tu te portas bem que estás com atenção e fazes os trabalhos como deve ser. Assim é que é, pardalito. O pai ficou todo satisfeito.” –Num abraço que chega até à alma. 


A Margarida teve muito bom em todos os parâmetros. Quanto ao comportamento nada a dizer. 
Escreveu a Professora: 
“A Margarida é uma criança interessada, atenta, participativa e procura saber sempre mais. A sua evolução, ao longo do período, foi muito positiva, atingindo plenamente os objectivos propostos em todas as áreas.” 

“-Uau, piolhito. O pai até ficou emocionado ao ver as tuas fichas de avaliação. Grande categoria, heim piolhito.” –Com brincadeiras de ternura. “-Mas gostei mais de ouvir que te portas bem e és educada. Assim mesmo, Margarida.” 


Que fiz eu para merecer isto? 



O nevoeiro envolvendo a noite. 
Os candeeiros do parque de estacionamento produzem tímidas manchas de claridade. 
Não se percebem as formas dos vultos que se ouvem a passar no asfalto. 

Ao frio da noite sobrepõe-se o calor deste lar. 


 Alhos Vedros 
   19/12/2003

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (236)

Paisagem, Autor António Tapadinhas, 1994Óleo sobre Tela colada sobre platex (meu primeiro quadro)


Ars longa, Vita brevis (A Arte é longa, a Vida é breve).
O primeiro aforismo de Hipócrates parece feito de propósito para esta situação: a perenidade da obra de Arte, em oposição à brevidade da vida humana.
Com o perigo de esgotar o meu latim, não resisto a citar o verso final de Virgílio, que nos avisa que o tempo passa e não volta mais, e que é demasiado precioso para o desperdiçarmos em futilidades:
Fugit irreparabile tempus!
São duas verdades de que eu cada vez mais tenho consciência, talvez devido à minha já provecta idade. É por isso que valorizo cada momento que vivo, como se fosse o último! Neste exacto instante, sou feliz: ergo a minha taça virtual cheia dum champanhe simbólico, que contém o elixir do amor e amizade de todos os que contribuíram para chegar até aqui. A todos, o meu muito obrigado!
Feliz 2017!

António Tapadinhas

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

ETNOGRAFAR a ARTE de RUA (XXIV) Graffitar a Literatura



Graffiti fotografado por Luís Souta, 2014
Travessa da Ressurreição, 11, Cascais.

«Eu julgava que nos distinguíamos dos animais por uma razão mais elevada, 
mas, afinal, o que nós temos mais do que eles é imaginação.»
(Terra de Nod, Judith Navarro, 1961:172)

As fábulas, que ouvi quando miúdo, eram o reino da imaginação, apesar de começarem, invariavelmente, assim: ‘No tempo em que os animais falavam…’ Então, eram também os animais pensantes que me davam belas lições de vida. E foi essa linha que retomei no meu mais recente livro Bichos à Solta (Lisboa: Edições Vírgula - Chancela do Sítio do Livro, 77 p., Dezembro 2016). Pus golfinhos, baleias, rãs, cavalos, hamsters, esquilos, cães, gatos, flamingos, cegonhas a ‘escrever’… postais à minha filha mais nova.

E deste modo «regressamos a uma das mais poderosas e intemporais intuições da humanidade, a de que os animais falam e comunicam com os humanos. Os mitos, tradições e lendas das mais diversas culturas falam-nos de um tempo em que as diferentes espécies de seres comungavam e comunicavam entre si, não estando ainda separadas e fechadas pelas barreiras do medo, da agressão, da estranheza e da indiferença. Essas narrativas evocam uma harmonia original do mundo e da criação que não deixa de suscitar uma irresistível saudade, por mais que o que nos dizem pareça hoje estranho a muitos dos nossos contemporâneos, filhos de uma civilização que se afasta cada vez mais da natureza e do convívio com as vozes e os afectos dos seres não-humanos.» (Prefácio, p. 13)

Bichos à Solta é um livro juvenil (ou talvez não) que conta, num registo epistolar, 25 estórias (todas ilustradas por Lionor Dupic e Constança Souta) que «constituem uma profunda lição de educação ambiental», nas palavras de Paulo Borges (FL-UL) que assina o prefácio.

O corvo marinho de faces brancas (ou cormorão), deste graffiti do Muraliza 2014 que Third, o autor (Nuno Palhas, nascido em Vila Nova de Gaia, em 1979) associou à fundação do município de Cascais - 1364), não foi incluído neste meu nono livro. Na terceira parte da obra, andam por lá outras aves, como a mais alta da fauna portuguesa –  o narcísico flamingo:

«E é por essas zonas mais sossegadas e protegidas que muitas aves migratórias, como nós, os flamingos, descansam na longa viagem entre o norte da Europa, frio, e a África, a sul, quente. Por ali nos “reservamos”, sempre em grupo, naqueles sapais das antigas salinas, nos esteiros da Moita, ou até na baía do Seixal, de águas baixas e ricas de vida piscícola. Nesse período, não nos esforçamos em grandes voos. Antes nos miramos nas águas tranquilas enquanto vamos tratando da nossa plumagem de tons rosa. Somos um pouco narcísicos, confesso. Mas não descuramos as “refeições”: o nosso longo pescoço em Z, desaparece por entre as penas, quando mergulha, em movimento rápido, à procura de alimento.» (Flamingos, a elegância bizarra, p. 58)

e as cegonhas parteiras que a ciência escolar tratou de varrer do imaginário infantil, em nome de uma educação sexual positivista e precoce (?):

«Como reparaste, somos uma ave de grande porte, mas de movimentos lentos e tranquilos (nada que se compare com o nervosismo saltitante de pardais ou andorinhas). Estamos em sintonia com estas serenas planuras do Sul que nos acolhem. Adoramos viver na Comporta, a caminho das praias de Tróia, e nos férteis arrozais de Alcácer, nas margem do Sado, fontes do nosso bem estar. (…) Já te questionaste por que apreciamos os pontos altos para nidificar? Não é a mania das alturas ou o simples prazer de olhar o mundo de cima para baixo. Talvez seja para nos resguardarmos do Homem, não se pode confiar nele (…)» (Cegonhas-brancas do Sado, p. 60)

Bichos à Solta, disponível em http://www.sitiodolivro.pt/Bichos-a-Solta ou na Livraria Ferin (Baixa de Lisboa), é um bom presente para filhos, netos e todos os adultos que se preocupam com a defesa do Ambiente e dos Animais.

Luís Souta

PS: A todos os leitores do Estudo Geral, desejo um novo ano com boas leituras e empenhamento (crítico) na causa Ecológica.

BICHOS À SOLTA


Caros/as colegas e amigos/as

Venho dar-vos uma sugestão para este Natal; um bom presente para filhos, netos e todos os adultos que se preocupam com a defesa do Ambiente e dos Animais: o meu (nono) livro - Bichos à Solta (Lisboa: Edições Vírgula, Chancela do Sítio do Livro) que foi hoje publicado.

Trata-se de um livro juvenil (ou talvez não) que conta, num registo epistolar, 25 estórias (todas ilustradas pelas minhas filhas Lionor e Constança) onde as personagens principais são golfinhos, baleias, rãs, cavalos, hamsters, esquilos, cães, gatos, flamingos, cegonhas. Estes postais «constituem uma profunda lição de educação ambiental», nas palavras de Paulo Borges (FL-UL) que assina o prefácio.

Estará disponível na página da "Sítio do Livro" ou na Livraria Ferin, na Baixa de Lisboa.

O vosso feedback é desejado através de comentários, críticas e recensões. Agradece-se a divulgação, naturalmente.

Um grande abraço (editorial e natalício) de amizade.
Boas Festas

Luís Souta


quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Aroeira



Não vos venho falar dos primorosos loteamentos com “charmosas” vivendas que ficam perto da praia da Fonte da Telha (concelho de Almada). O sítio ficou a chamar-se Aroeira, prosseguindo uma tradição toponímica ligada à botânica, frequente no nosso país e creio mesmo que em todo o mundo. É curioso que a povoação que antecede a Aroeira denomina-se Verdisela (concelho do Seixal) que também é nome de planta, mais conhecida por corriola.

O termo popular “aroeira” designa vários arbustos ou árvores de espécies diferentes da família das Anacardiaceae. No Brasil, por exemplo, as aroeiras são árvores que dão pelos nomes científicos de Schinus molle ou Schinus terebinthifolius. Tais espécies, oriundas das faixas tropicais, são conhecidas em Portugal por pimenteiras bastardas e podemos encontrá-las amiúde nos jardins urbanos. Mas não são essas que iremos abordar, muito embora elas possuam também valiosos atributos medicinais.
Vamos antes falar de um vulgaríssimo arbusto espontâneo e dióico, nativo da região mediterrânica e da Macaronésia (ilhas dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), cujo nome é Pistacia lentiscus L. Existe praticamente em todo o país sendo mais frequente no sul. Forma densas matas de copas arredondadas, com ramos frondosos desde a base, podendo atingir 4 metros de altura. As suas folhas persistentes, coriáceas, lanceoladas, glabras (sem pelos), têm uma coloração verde um pouco brilhante. As flores surgem minúsculas, vermelhas ou amarelas e sem corola. Os frutos, aos cachos, são pequenas drupas apiculadas e avermelhadas que enegrecem quando maturam. Os caules, não muito grossos, são, no entanto, duros, resistentes e flexíveis.
A aroeira medra em terrenos incultos nas charnecas e florestas e mesmo em áreas costeiras, já que resiste bem à salinidade.
Na “Flora Portuguesa”, Gonçalo Sampaio aponta também outra espécie, a Pistacia terebinthus que se distingue da lentiscus por ser de folha caduca, entre outros pequenos detalhes diferenciadores.
Fazendo incisões nos caules, surge uma oleorresina que, segundo Aloísio Fernandes Costa em “Elementos da Flora Aromática”, é pobre em constituintes voláteis permitindo, por destilação, a separação de essências. Destas, o constituinte mais predominante é o pineno.
Os antigos, nomeadamente Teofrasto, Plínio e Dioscórides tinham esta planta em grande conta. Na ilha grega de Quios ficou famoso o mastique, resina aromática e translúcida baseada no látex extraído do tronco da aroeira. O mastique era usado em odontologia por possuir uma boa atividade antibacteriana. Além disso, fortalecia as gengivas e eliminava o mau hálito. Tanto a mastigação do mastique como os bochechos da decocção das folhas e dos caules podem ser usados como dentífricos naturais para combater a piorreia, a gengivite e a parodontose (degenerescência dos tecidos de fixação dos dentes). A citada resina é também mencionada para aromatizar o pão e os biscoitos e como constituinte de um licor denominado “mástika”.
Em “Flores da Arrábida”, José Gomes Pedro refere que o óleo da aroeira pode ser usado na alimentação e a madeira na indústria de marcenaria.
Alguns autores mencionam que a aroeira é boa para combater catarros pulmonares, gota e reumatismo e que as folhas são boas para feridas, hemorragias, picadas de insetos e diarreias.
Segundo Oliveira Feijão e José Salgueiro, as bagas da aroeira entram na preparação do, outrora muito famoso, óleo-da-mata.  A sua confeção é muito simples:
- Ferver 300 g de bagas bem esmagadas com um pouco de mastique num litro de azeite, até que a água contida nas bagas evapore. Espremer. Arrefecer. Filtrar e guardar ao abrigo da luz e do calor.
O óleo-da-mata é muito eficaz para debelar dores reumáticas e artroses.
Vamos experimentar?

 Miguel Boieiro

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

FÉRIAS, DOCES FÉRIAS!


Ontem já havia o sabor do lazer pelo ar; boa parte da manhã, por exemplo, foi preenchida pela visita de palhaços e do pai natal da Junta de Freguesia que ofereceu um estojo de madeira com lápis de cor a cada criança. 

Mas hoje foi a sério e após um convívio em torno das merendas que os alunos levaram e de uma saída antes da hora habitual, finalmente, a palavra mágica ganhou a sua razão de ser. 

VIVAM AS FÉRIAS! 

E pela primeira vez na sua vida, a minha querida filha Matilde vai experimentar o quanto é bom ter o tempo todo para brincar depois de cumprida a obrigação. 

Pois eu tenho a certeza que o pardalito merece. 
Ai e o piolhito também. 

Sexta-feira, pelas dezoito e trinta, serão as reuniões de avaliação. 

Tenho para mim que a Matilde tem atingido os objectivos nas diferentes disciplinas. Sempre resolveu muito bem os trabalhos de casa e, pela observação dos cadernos, não só mostra a regularidade de uma boa prestação em todos os exercícios como, no caso da escrita, o seu progresso entre a garatuja e as letras bem desenhadas foi rápido e notório. Além disso, sabe descrever o que faz nas aulas ou nas outras actividades para-escolares e, posteriormente, tanto se mostra capaz de recapitular a informação aprendida como de a aplicar em situações exteriores aos respectivos contextos de aprendizagem. 
Ora tudo isto deixa antever um comportamento adequado, quer ao nível da atenção com que se entrega ao trabalho, quer no plano da normalidade das atitudes disciplinares. 

E no recreio dá gosto ver a sua alegria em brincar. 

Pois hoje tive uma surpresa suplementar. 
A Margarida esqueceu o chapéu-de-chuva na sala de aula e após o almoço parámos na escola para pedirmos a alguma das empregadas que ainda ali se encontrassem que tivesse a gentileza de permitir a recuperação do objecto. 
E não é que uma Auxiliar, vendo a Margarida ao lado da mais nova, perguntou-lhe: 
“-Tu és a irmã da Matilde?” 

Que terei eu feito para merecer tamanha felicidade? 



Voltou a chuva ao seu papel de música de fundo da noite. 


Alhos Vedros 
  17/12/2003

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (235)

Inverno, Autor António Tapadinhas, 2008

 Acrílico sobre tela 100x100cm

Foi a ouvir o concerto para violino e orquestra, “As Quatro Estações”, de Vivaldi, que encontrei a inspiração para executar este quadro. Logo no início, os acordes dissonantes da orquestra lembram os gélidos ventos e a queda de neve, com o violino em escalas descendentes e harpejos, imitando o canto dos pássaros ávidos do calor do sol. Curiosamente, quando procurei a ilustração para esta postagem, surgiu-me esta encenação do concerto em que as cores dos fatos dos personagens são iguais às que utilizei no meu quadro. 
Esta obra foi feita por mim com as mãos a tremer de frio, a ser atingido pelos ventos cortantes que, apesar das portas e janelas fechadas, entram pelas frinchas do meu estúdio…
Mas é com o coração quente que desejo a todos os amigos um Feliz Ano Novo!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

APROXIMAÇÕES À SABEDORIA ANTIGA

Abdul Cadre
Dizia o grande místico Karl von Eckartshausen que «A verdade absoluta não existe no reino dos fenómenos. Nem sequer nas matemáticas a encontramos, porque as suas regras e princípios estão fundados em certas hipóteses respeitantes à grandeza e à extensão, já por si de carácter fenoménico. Mudem-se os conceitos fundamentais das matemáticas e o sistema inteiro será modificado».
Assim, dizer-se que uma dada ordem de coisas ou de saberes tem quatro, ou nove, ou doze graus, partes, modos ou o que mais se queira é falar-se de critérios quantitativos, de convenções, de codificações, de espírito analítico e nada mais.
O homem, para poder entender os enigmas, os segredos e os mistérios, divide – que é o pressuposto da análise – e estabelece convenções – que é o corolário de todas as sínteses – para que, a partir de um saber codificado e aceite o entendimento recíproco seja possível e as transmissões dos códigos e o método dessa transmissão se estabeleça. 
Na administração do saber, nas universidades medievais, usava-se um conjunto de quatro disciplinas – Aritmética, Geometria, Astronomia e Música – que se designava por QUADRIVIUM. Esta base quadrangular requeria, de quem pretendia alcançar a mestria nas artes liberais, a coroa do TRIVIUM, que compreendia a Gramática, a Dialéctica e a Retórica, disciplinas estas que, vistas à luz dos nossos dias, poderíamos chamar de ciências da linguagem, para acrescentarmos que é precisamente a fala, organizada em sistema coerente e simbólico, o que mais nos distingue das espécies animais que habitam connosco este planeta. Tal culminar em SETE remete-nos necessariamente para a simbólica da construção: uma casa, como a desenhará qualquer criança, é um triângulo sobre um quadrado.
Esta associação do triângulo com o quadrado também podia ser tomada de forma menos prosaica e menos profana se nos lembrássemos que o sagrado tetragrama da cabala aparece gravado no centro de um triângulo, símbolo que, por sua vez, se ostenta no pórtico de muitas igrejas cristãs. É o nome de Deus, que não se pronuncia e apenas se soletra: Iod, He, Vau, Hé.
Quando o Dr. Gerar Encausse, vulgarmente referido pelo seu nome iniciático de Papus nos propôs, no seuTraité élémentaire de Science Occulte, analisar as questões da Pristina Sophia, tendo em atenção as quatro realidades tradicionais – Deus, o Universo, a Natureza e o Homem – certamente que não ilidiu o pressuposto de que a chave mestra da descodificação humana é o triângulo, isto é, o número três. De tal forma não ilidiu que, na mesma obra, declarou que toda a doutrina oculta se pode classificar em três secções fundamentais: os princípios, as leis e os factos.
Quanto a nós, a convenção básica de todo o entendimento tradicional é a triunidade – como é Acima é em baixo – ou, em termos dialécticos: tese, antítese e síntese (mercúrio, enxofre e sal) e representa-se pelo triângulo. Em correspondência com esta convenção, que resulta duma dependência incontornável, todas as escolas esotéricas e iniciáticas, por mais que possam comportar uma grande pluralidade de graus, em boa verdade têm apenas três e não mais do que três, e tudo o mais será espelhismo, necessidades pedagógicas e convenções particulares que se justificam mais na História e na cultura do que na Tradição e nas condições de iniciação.
Voltando ao tetragrama e seguindo o pensamento de Papus, diríamos o seguinte: o Iod, como princípio activo e símbolo da Teogonia, falar-nos-ia de Deus, do todo primordial; o primeiro Hé, como princípio passivo e símbolo da Cosmografia, falar-nos-ia do universo; o Vau, como princípio equilibrante e símbolo da Androgonia, falar-nos-ia de como a relação alquímica Deus-Universo produz o sal, o traço de união que é o Adam Kadmon. Por fim, se quisermos ver representado no segundo Hé o regresso à unidade, ou realização total em todos os planos vamos ter de admitir, realçando o indisfarçável sinal de repetição do Hé, que realizar não é um grau, mas o escopo de todos os graus, e assim voltamos à simplicidade das coisas, propondo-se: 
1º Grau do saber. Diz respeito aos FACTOS. Estes correspondem à natureza, ao plano onde o homem tem por veículo animal um corpo de carne. Neste grau, o homem de ideias e ideais é chamado, mas só o discípulo em prova se pode dizer que é escolhido.
2º Grau do saber. Diz respeito às LEIS. Estas correspondem ao universo e exigem, do estudante, consciência do corpo astral. Por isso lhe chamamos discípulo aceite. 
3º Grau do saber. Diz respeito aos PRINCÍPIOS. Estes correspondem a Deus e exigem, do estudante, a consciência da alma imortal. O discípulo passa a ser um com o Mestre e é tradicional chamar-se-lhe filho do Mestre. 
Este tratamento esquemático pode parecer uma tentativa de subverter o entendimento teosófico dos cinco estágios do discipulado, mas afirmamos que não. Segundo o nosso ponto de vista, a razão é esta: a Teosofia fala de um quinto estágio, que seria o de Iniciado... Ora, iniciado não é estudante, ou não é estudante neste plano. Por outro lado, não se pode considerar estágio autêntico e autónomo de discipulado o de «homem de ideias» porque não está na senda; quando estiver, como mais atrás dissemos, será então um discípulo em prova. 
Esta é uma aplicação, se se quiser, da navalha de Occam, princípio de busca respeitado em ciência, nomeadamente em Parapsicologia, o qual postula que a teoria explicativa mais simples de um facto ou fenómeno será mais válida do que aquela que introduz complicações desnecessárias.

Quarta-Feira, Novembro 09, 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (234)


Paisagem, Autor António Tapadinhas, 1994
Óleo sobre tela, colada sobre platex (28x34)

Este foi o meu primeiro quadro (1994). Quando o pintei, no estúdio do Mestre Pina da Silva, ele fez um ar de surpresa e agrado, que me deixou muito orgulhoso e disposto a continuar a pintar. Esta continua a ser a obra preferida da minha filha, Elsa. Estou farto de trabalhar para ver se consigo mudar-lhe a opinião. Até hoje, ainda não consegui...
Não há amor como o primeiro...

sábado, 17 de dezembro de 2016

Quer saber o que vai acontecer ao IMI no seu concelho em 2017?


Manuel Henrique Figueira

Querem saber o que vai acontecer ao IMI no vosso concelho em 2017?
E no resto do país também?
E se quem tem filhos irá beneficiar do chamado IMI Familiar?

Para já, várias coisas se podem concluir dos dados disponíveis:

1.ª - Quase 30% dos municípios baixou a taxa (uns de livre vontade  a Santa Eleição Autárquica de 2017 está à porta e costuma fazer milagres , outros a isso foram obrigados, pois a taxa máxima, que era de 0,50, passou a 0,45 (a).
Os restantes 70%, aproximadamente, manterão as taxas do ano anterior.

2.ª – A Autoridade Tributária já divulgou as taxas de 298 dos 308 municípios.

3.ª – Quase metade das câmaras irá aplicar a taxa mínima, 0,30, para já, 143 fizeram-no.

4.ª – Há já 211 câmaras que aplicarão a redução do IMI Familiar (20 euros para 1 filho; 40 euros para 2 filhos; 70 euros para 3 ou mais filhos).

Podem ver o mapa aqui:

http://www.jornaldenegocios.pt/economia/impostos/imi/detalhe/mapa-saiba-se-o-seu-municipio-e-um-dos-que-vai-baixar-o-imi-em-2017?ref=DET_maislidas

(a) Excepto as câmaras que estão sujeitas ao PAEL (Programa de Apoio à Economia Local) ou ao PAM (Programa de Ajustamento Municipal), que podem ir até 0,50 de taxa.