terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A AVALIAÇÃO

É tão bom chegar a casa para almoçar e ver os meus amorzinhos brincando, serenamente, no aproveitamento de umas férias que tanto têm de bem-vindas como de merecidas. 
E o beijinho que se segue ao “-Olá, pai!” é tão doce, tão cheio de encantamento que eu, comparado com o tamanho da alegria que sobre mim cai, fico tão pequenino. 

Olho à minha volta e estou no Paraíso. 



Paraíso que infelizmente os homens teimam em não reconhecer neste rochedo cósmico que deveriam, permanente e humildemente, Agradecer. 


Pena que o país não partilhe o meu estado de alma, mas a verdade é que Portugal atravessa aquela que é a maior crise dos últimos vinte e cinco anos. 
Hoje ficámos a saber que o estado já não consegue cobrar os impostos dos contribuintes em falta pelo que entregou a colecta a uma seguradora, a “Sagres” que, garantindo uma cobrança mínima, procurará, a partir daí, executar o máximo de dívidas que totalizam milhares de milhões de euros. 
Isto é, a máquina fiscal revela-se impotente para cumprir as suas obrigações. Deste modo, a injustiça que a este nível se verifica permanecerá; pagam os que não têm qualquer forma de se furtar ao fisco e, com isso, são os trabalhadores por conta de outrem quem suporta as despesas correntes do estado. 

É pois natural que a justiça seja o que é. Um sistema em que as habilidades legais permitem que os poderosos se subtraiam às consequências de violarem a lei. Entre nós, o estado de direito é uma figura retórica. 

E o desemprego crescendo ao mesmo tempo que a economia não cresce e o investimento decresce. 


Está na hora dos cidadãos comuns começarem a expressar as suas preocupações e avançarem as suas sugestões e depois pressionarem quem decide a implementar as soluções para os problemas que nos inquietam. 
Basta que se constituam movimentos de contribuintes dispostos a encontrarem-se para discutir a sociedade portuguesa actual e proporem políticas e medidas que tenham em vista o propósito do necessário desenvolvimento entre os portugueses. Agrupando-se, os cidadãos poderão constituir o seu próprio lóbi. A imaginação tratará de identificar as expressões que a actuação do mesmo pode ter. 

Uma coisa é certa. A democracia em Portugal está bloqueada. 
Todo o bloco central está subjugado a poderes fáticos mais ou menos esconsos que impõem as suas conveniências e por isso condicionam a capacidade do poder de estado prosseguir políticas que tenham em vista o interesse público e o bem comum. 



Os europeus preparam-se para fazer descer uma sonda em Marte. Chama-se Beagle 2, em homenagem ao navio em que Charles Darwin fez a sua grande viagem durante a qual recolheu os elementos que mais tarde lhe permitiram sustentar as ideias que deram corpo à sua teoria da evolução das espécies. 
Se tudo correr bem, brevemente teremos mais dados sobre a superfície rochosa marciana e as possibilidades de algum dia ter existido água no estado líquido ou os vestígios de alguma vez ter aí acontecido o fenómeno Vida. 

Estranha espécie a nossa, capaz de sonhar o Infinito e tão perto da morte. 



A leitura de Amartya Sen é bastante instrutiva. Chama-nos a atenção para uma perspectiva de desenvolvimento que não cabe nas teorias econométricas que se baseiam no aumento dos rendimentos. 

E ao destacar vectores como a educação e a saúde, lança luz sobre as razões das incapacidades estruturais que na sociedade portuguesa impedem a nossa aproximação ao lado certo do mundo. 

Para continuar a ler com toda a atenção. 



Mas eu devo confessar a dupla emoção que tive, neste fim de tarde, com as novidades das avaliações das minhas filhas. 

Tanto uma como outra com todos os exercícios certos e sem correcções. No caso da Margarida, apenas com um número trocado numa das provas de Matemática e um tempo verbal alterado numa composição. De resto, às letrinhas e aos números tão bem grafados pelos meus amores e, no caso da Matilde, também aos desenhos e às ilustrações, nada mais se via que o vermelho da esferográfica com que as Mestras assinalaram o acerto das respostas. 

É indescritível a alegria que senti. 

Em conformidade, os registos de avaliação não poderiam ser melhores. 

A Matilde teve bom nos parâmetros de Língua Portuguesa e Estudo do Meio em que foi avaliada e suficiente nas expressões artística e motora. Quanto à componente da formação cívica, revela uma participação positiva na aula, com sentido de responsabilidade e sentido crítico e de respeito pelas regras de convivência. 
Segundo a Professora, é bem comportada; está atenta e aplica-se nas realizações que lhe são solicitadas. Além disso é prestável e simpática e cordial.
Agora vou transcrever a apreciação global: 
“A aluna conhece as palavras-chave dadas. (menina, menino, sapato, bota) 
Escreve e lê palavras novas formadas com as sílabas dadas. 
Copia de letra de imprensa para letra manuscrita. 
Em Matemática identifica os números até 5. Faz contagens progressivas e regressivas. 
Adquiriu as noções dadas.” 

“-É pardalito, parabéns filha. O pai ficou todo satisfeito e orgulhoso.” –Por entre um amplexo salpicado de beijos. “-Mas ainda fiquei mais contente por a Professora ter dito à mãe que tu te portas bem que estás com atenção e fazes os trabalhos como deve ser. Assim é que é, pardalito. O pai ficou todo satisfeito.” –Num abraço que chega até à alma. 


A Margarida teve muito bom em todos os parâmetros. Quanto ao comportamento nada a dizer. 
Escreveu a Professora: 
“A Margarida é uma criança interessada, atenta, participativa e procura saber sempre mais. A sua evolução, ao longo do período, foi muito positiva, atingindo plenamente os objectivos propostos em todas as áreas.” 

“-Uau, piolhito. O pai até ficou emocionado ao ver as tuas fichas de avaliação. Grande categoria, heim piolhito.” –Com brincadeiras de ternura. “-Mas gostei mais de ouvir que te portas bem e és educada. Assim mesmo, Margarida.” 


Que fiz eu para merecer isto? 



O nevoeiro envolvendo a noite. 
Os candeeiros do parque de estacionamento produzem tímidas manchas de claridade. 
Não se percebem as formas dos vultos que se ouvem a passar no asfalto. 

Ao frio da noite sobrepõe-se o calor deste lar. 


 Alhos Vedros 
   19/12/2003

Sem comentários: