sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Rosmaninho



Parece ser inata a tendência do ser humano em desvalorizar tudo o que tem com fartura, mesmo que tal seja belo é útil. Acontece assim com o rosmaninho, bonito subarbusto, cheiroso, benfazejo para a vista, para o corpo e para a alma. Lamentavelmente hoje quase ninguém o preza.

No norte do País era costume atapetar com rosmaninho os caminhos por onde passavam as procissões. Sabendo-se que tais cortejos religiosos eram e são reminiscências herdadas do paganismo, não é difícil crer que esse curioso uso venha de longínquas eras. Também os raminhos da quinta-feira-da-espiga não passavam sem as florinhas desta agradável labiada. O volumoso “Diccionario de Plantas Curativas de la Península Ibérica” de Enric Balasch e Yolanda Ruiz, no capítulo de botânica oculta, considera o rosmaninho uma sanjoanina, isto é, uma planta mágica vinculada ao santo festejado a 24 de junho. Igualmente era associado a Santa Bárbara para esconjurar as trovoadas e os relâmpagos.

Mitos e crenças à parte, o que agora interessa é caracterizar esta planta que existe em abundância no nosso País e quase por toda a bacia mediterrânica nas charnecas e ermos arenosos e xistosos, sendo uma típica espécie heliófila, termófila e xerófila, isto é, gosta de luz, de calor e de secura. É importante frisar que estamos a falar da Lavandula stoechas da família das Lamiaceae, para não haver confusões que infelizmente são muito frequentes. De facto, alguns autores e tradutores mencionam Rosmarinus officinalis que corresponde ao alecrim, induzindo em erro os incautos leitores.

A planta forma um feixe ramificado que pode chegar quase a um metro de altura. Os ramos são verdes mas devido a estarem cobertos de pelos parecem esbranquiçados. As folhas também são tomentosas. As inflorescências (pequenas flores tubulares e labiadas) estão apinhadas em espigas densas que terminam num penacho formado por três vistosas brácteas violetas cuja função é atrair os insetos polinizadores. O fruto é um aquénio trigonal.

Existem cinco principais subespécies da Lavandula stoechas em Portugal: pedunculata, luisieri, viridis, sampaiana e lusitanica. Como se depreende, algumas são endémicas no nosso País. As mais vistosas encontram-se atualmente na moda e são vendidas em vasinhos nas floristas e nos supermercados. Em Inglaterra são muito disputadas as “Portuguese Giant Spanish Lavender” a que atribuíram o nome vernáculo de Lavandula stoechas portuguese giant. Inglesices!

Em Espanha há mais de meia centena de denominações populares para o rosmaninho. Espanholices!

Em Portugal, os mais atrevidos consideram esta planta a rainha das alfazemas.
São-lhe atribuídas as seguintes propriedades medicinais: antissética, digestiva, tónica, antiespasmódica, cicatrizante, antibacteriana e febrífuga.

O óleo contido nas suas folhas e flores possui um complexo de essências ainda não inteiramente estudadas (borneol, cetonas, cineol, cânfora, etc.) e pode ser utilizado em perfumaria e aromaterapia.

O “chá” de rosmaninho é bom para a bronquite, a asma, o catarro, a tosse, as enxaquecas. Segundo o meu amigo José Salgueiro, reputado ervanário de Montemor-o-Novo, deita-se 30 g de flores num litro de água a ferver e deixa-se 10 minutos em infusão. Tomam-se três chávenas por dia fora das refeições, sendo a última ao deitar. Acrescento que, quem não for diabético, deve dissolver uma colherinha de mel para reforçar os efeitos benéficos.

Externamente podemos usar a água da cozedura das folhas e flores para desinfetar e cicatrizar feridas, estimular o crescimento capilar (atenção aos carecas), suavizar a pele e eliminar a seborreia, a caspa e o acne.

Dado que as flores possuem néctar em abundância, o rosmaninho é ideal para a apicultura de qualidade, originando um mel escuro muito apreciado.


Miguel Boieiro

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