sábado, 7 de janeiro de 2017

Anjos à Solta ou "Elegância Bizarra"


ANJOS À SOLTA ou ‘Elegância Bizarra’
sobre o último livro de Luís Souta
por José Gil
«Toda a criança é um artista,
o problema é manter-se como artista depois de ter crescido»
Pablo Picasso

COMO CARTA CONFECCIONAL

«Contar histórias é transformar a vida na brincadeira mais séria»
Augusto Cury, 2004


Comprei este livro de Luís Souta Bichos à Solta, no início de Janeiro de 2017, para o oferecer à minha neta Caetana ainda muito nova para estas narrativas mas certamente impressionável pelas belas ilustrações da Constança e Lionor Dupic.

Livro bonito em A4 horizontal com uma capa e um miolo muito interessante na "mancha" comum aos designers contemporâneos. Sublinho a qualidade da capa, a modernidade da estampagem, das colagens e das ilustrações interiores nos 25 postais. Cores vivas e traço rigoroso a partir de imagens de animais ou muros tão em falta nas ilustrações de livros infantis. Aponto ainda uma influência de Picasso e o seu menino.
Parabéns Constança e Lionor.

O aspecto que mais pode seduzir a minha neta são as imagens e “há que ter em conta sempre que a imagem gráfica é anterior à escrita (Joan Costa, Design para os Olhos, Dinalivro, 2011).
Perfeição técnica fascínio visual como o flamingo. Citando novamente o autor de Design para os Olhos “a perceção icónica radicalmente diferente da perceção  textual”.
Por isso não o outro do mesmo mas o outro do outro.
Há um corpo narrativo. E um corpo gráfico que cria novas relações com o leitor sujeito de uma segunda ou terceira leitura.

Parece-me numa primeira leitura que são 25 textos simples para a minha filha Cristina, a mãe de Caetana. Postais/cartas escritos ao longo de 15 anos e assinados por golfinhos ou outros bichos como narradores/autor.

A designação "Juvenil" logo nas primeiras páginas afasta-o da "infantilidade" de certa literatura auto nomeada para crianças e situa-o numa faixa etária da juventude aos adultos.

Livro para todos comunitário. Desenhos e textos a ser com prazer “lidos” de formas diferentes por cada faixa etária em diferentes leituras ao longo da vida. Livro para guardar.
Celebração da natureza.

«A natureza e a ecologia interessam
intuitivamente às crianças»
CAPICUA
(ana matos fernandes)

Por outro lado - Lição de Como Ilustrar no nosso tempo com criatividade, domínio do ofício gráfico-digital, mas ainda mais me admirou a noção presente de teatralidade, corpos de animais em planos de cores quentes e frias num palco de personagens desenhadas em duas dimensões.
Design artístico para textos com luz e sombras. Brilhante cenógrafa, Lionor. E inclui planos e ritmos de linhas e cores, como no teatro plano sobre plano.

O livro publicado na Sitio do Livro, Edições Virgula, constitui na "Palavra Prévia" do autor e no belo prefácio de Paulo Borges uma leitura amadurecida o que se volta a sentir nos dois últimos Postais para uma Constança já maior e com outras preocupações para além dos bichos.

Anjos bichos ou bichos anjos em salvação de um meio ambiente poluído e destruído. Será que os animais sofrem como ou mais que nós? E pensam? E têm uma vida espiritual?
Que a natureza dos bichos e a nossa nas suas biodiversidades com o mundo vegetal se unam por um século diferente.

Anjos de uma "elegância bizarra" como a narrativa das histórias dos diversos postais (diria quase cartas confeccionais, pai-filha em crescimento). Quantas semelhanças tem a inocência da natureza e nos animais que os assemelha às imagens dos anjos de grandes desenhadores e pintores.

Volatilidade das "coisas" belas e inocentes como os golfinhos ou flamingos na espuma da defesa da natureza - direito à biodiversidade.
Uma preocupação social e ambiental "Unir a Humanidade pela defesa do Ambiente" e dos animais retratada na Declaração Final - "Declaração Universal dos Direitos dos Animais".

O discurso situa-se quase sempre nas "águas transparentes", o remetente pode ser um roaz do Sado ou outro bicho como múltiplas personagens ou heterónimos da fala do Pai, o espaço marítimo raramente em terra (Setúbal, Tróia, Alcácer), Cascais (Pai do Vento) ou das ilhas e Arquipélagos, de Espanha, América e Canadá.

Até à pagina 42 centra-se nos Golfinhos e Roazes e depois o Cavalo («Estou convicto que agora tens dois amores: equídeos e delfins»)... e também os hamsters, os esquilos, os flamingos, as cegonhas-brancas.
O autor num conjunto de Postais Ilustrados escreve a sua filha os comportamentos dos animais que vê, observa, e os seus envolventes ambientais, geralmente, mar, terra, ar.

Muito bem escrito numa ortografia antiga, anterior ao "Acordo", claro, coerente, cristalino ao longo de vários anos de diálogo desenvolvido por dias de celebração, citamos alguns:
Dia da Criança, p. 16
Dia dos Avós, p. 20
Dia Internacional da Dança, p. 28
Dia Mundial para a Preservação da Camada de Ozono, p. 34
Dia Mundial da Paz, p. 36
Dia Mundial do Ambiente, p. 42
Dia Mundial do Professor, p. 46
Dia Mundial da Água, p. 48
Dia Mundial do Teatro, p. 50
Dia Universal dos Direitos da Infância, p. 52
Dia Internacional da Família, p. 60
Dia da Paz e da Compreensão Mundial, p. 68.

A sublinhar destes dias a coerência dos temas, criança, infância, avós, família, professor, paz ou dança, teatro ou Ambiente, Água, Camada de Ozono,… Outros clusters de temas relacionados com os vectores do livro podíamos encontrar, pai filha ou filhas, livro infância criança, dança-teatro ilustrações.

Não posso terminar sem referir a quantidade e qualidade de notas de rodapé para um leitor mais entusiasmado nos Bichos e na Literatura e uma citação que é, como diz o autor, um Princípio de Vida digo eu como escreveu Goethe ler/viver/escrever "sem pressas e sem pausas". Grato, Luís.
Uma última palavra sobre o título o sublinhado de Bichos e não animais à solta. O universo de Miguel Torga e os seus bichos na ilustração do livro como um todo texto-imagem.

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