ANJOS À SOLTA ou ‘Elegância Bizarra’
sobre o último livro de Luís Souta
por José Gil
«Toda a criança é um
artista,
o problema é manter-se como
artista depois de ter crescido»
Pablo Picasso
COMO CARTA CONFECCIONAL
«Contar histórias é transformar a vida na
brincadeira mais séria»
Augusto
Cury, 2004
Comprei este livro de Luís Souta Bichos à Solta, no início de Janeiro de 2017, para o oferecer à
minha neta Caetana ainda muito nova para estas narrativas mas certamente
impressionável pelas belas ilustrações da Constança e Lionor Dupic.
Livro bonito em A4 horizontal com uma capa e um miolo muito
interessante na "mancha" comum aos designers contemporâneos. Sublinho
a qualidade da capa, a modernidade da estampagem, das colagens e das ilustrações
interiores nos 25 postais. Cores vivas e traço rigoroso a partir de imagens de
animais ou muros tão em falta nas ilustrações de livros infantis. Aponto ainda
uma influência de Picasso e o seu menino.
Parabéns Constança e Lionor.
O aspecto que mais pode seduzir a minha neta são as
imagens e “há que ter em conta sempre que a imagem gráfica é anterior à escrita
(Joan Costa, Design para os Olhos, Dinalivro,
2011).
Perfeição técnica fascínio visual como o flamingo.
Citando novamente o autor de Design para os
Olhos “a perceção icónica radicalmente diferente da perceção textual”.
Por isso não o outro do mesmo mas o outro do outro.
Há um corpo narrativo. E um corpo gráfico que cria
novas relações com o leitor sujeito de uma segunda ou terceira leitura.
Parece-me
numa primeira leitura que são 25 textos simples para a minha filha Cristina, a mãe de Caetana. Postais/cartas
escritos ao longo de 15 anos e assinados por golfinhos ou outros bichos como
narradores/autor.
A designação "Juvenil" logo nas primeiras
páginas afasta-o da "infantilidade" de certa literatura auto nomeada
para crianças e situa-o numa faixa etária da juventude aos adultos.
Livro para todos
comunitário. Desenhos e textos a ser com prazer “lidos” de formas diferentes
por cada faixa etária em diferentes leituras ao longo da vida. Livro para
guardar.
Celebração
da natureza.
«A
natureza e a ecologia interessam
intuitivamente
às crianças»
CAPICUA
(ana
matos fernandes)
Por
outro lado - Lição de Como Ilustrar no nosso tempo com criatividade, domínio do
ofício gráfico-digital, mas ainda mais me admirou a noção presente de
teatralidade, corpos de animais em planos de cores quentes e frias num palco de
personagens desenhadas em duas dimensões.
Design
artístico para textos com luz e sombras. Brilhante cenógrafa, Lionor. E inclui
planos e ritmos de linhas e cores, como no teatro plano sobre plano.
O livro publicado na Sitio do Livro, Edições Virgula,
constitui na "Palavra Prévia" do autor e no belo prefácio de Paulo
Borges uma leitura amadurecida o que se volta a sentir nos dois últimos Postais
para uma Constança já maior e com outras preocupações para além dos bichos.
Anjos bichos
ou bichos anjos em salvação de um meio ambiente poluído e destruído. Será que os
animais sofrem como ou mais que nós? E pensam? E têm uma vida espiritual?
Que
a natureza dos bichos e a nossa nas suas biodiversidades com o mundo vegetal se
unam por um século diferente.
Anjos de uma "elegância bizarra" como a
narrativa das histórias dos diversos postais (diria quase cartas confeccionais,
pai-filha em crescimento). Quantas semelhanças tem a inocência da natureza e
nos animais que os assemelha às imagens dos anjos de grandes desenhadores e
pintores.
Volatilidade das "coisas" belas e inocentes
como os golfinhos ou flamingos na espuma da defesa da natureza - direito à
biodiversidade.
Uma preocupação social e ambiental "Unir a
Humanidade pela defesa do Ambiente" e dos animais retratada na Declaração
Final - "Declaração Universal dos Direitos dos Animais".
O discurso situa-se quase sempre nas "águas
transparentes", o remetente pode ser um roaz do Sado ou outro bicho como
múltiplas personagens ou heterónimos da fala do Pai, o espaço marítimo
raramente em terra (Setúbal, Tróia, Alcácer), Cascais (Pai do Vento) ou das
ilhas e Arquipélagos, de Espanha, América e Canadá.
Até à pagina 42 centra-se nos Golfinhos e Roazes e
depois o Cavalo («Estou convicto que agora tens dois amores: equídeos e
delfins»)... e também os hamsters, os esquilos, os flamingos, as cegonhas-brancas.
O autor num conjunto de Postais Ilustrados escreve a
sua filha os comportamentos dos animais que vê, observa, e os seus envolventes
ambientais, geralmente, mar, terra, ar.
Muito bem escrito numa ortografia antiga, anterior ao
"Acordo", claro, coerente, cristalino ao longo de vários anos de
diálogo desenvolvido por dias de celebração, citamos alguns:
Dia da
Criança, p. 16
Dia dos
Avós, p. 20
Dia
Internacional da Dança, p. 28
Dia Mundial
para a Preservação da Camada de Ozono, p. 34
Dia Mundial
da Paz, p. 36
Dia Mundial
do Ambiente, p. 42
Dia Mundial
do Professor, p. 46
Dia Mundial
da Água, p. 48
Dia Mundial
do Teatro, p. 50
Dia
Universal dos Direitos da Infância, p. 52
Dia
Internacional da Família, p. 60
Dia da Paz e
da Compreensão Mundial, p. 68.
A
sublinhar destes dias a coerência dos temas, criança, infância, avós, família,
professor, paz ou dança, teatro ou Ambiente, Água, Camada de Ozono,… Outros clusters de temas relacionados com os
vectores do livro podíamos encontrar, pai filha ou filhas, livro infância
criança, dança-teatro ilustrações.
Não posso
terminar sem referir a quantidade e qualidade de notas de rodapé para um leitor
mais entusiasmado nos Bichos e na Literatura e uma citação que é, como diz o
autor, um Princípio de Vida digo eu como escreveu Goethe ler/viver/escrever
"sem pressas e sem pausas". Grato, Luís.
Uma
última palavra sobre o título o sublinhado de Bichos e não animais à solta. O
universo de Miguel Torga e os seus bichos na ilustração do livro como um todo
texto-imagem.
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