quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Livros d'África



 XAKOLO MONANGUMBA (Paulo C. J. Faria)

Nasceu na aldeia de Kahunga, província de Malanje, em 1973. Frequentou o Seminário Médio e Maior na Arquidiocese de Luanda. Pertenceu à Companhia de Jesus. Cursou Filosofia e Humanidades na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa. É Doutor em Ciências Políticas e professor da Universidade Agostinho Neto em Luanda.

É do seu segundo livro que vamos falar um pouco. Intitula-se “MAKAS* DA BANDA”, foi publicado em 2001 pela “Campo das Letras”, e tem como inspiração a tradição oral angolana ensinada pelos mais-velhos porque, lá diz o ditado kimbundumudikanu diá muadikimi mubola mazué, ki mubole mbimbi, que é como quem diz,na boca do ancião apodrecem os dentes, não a palavra”.

Numa espécie de prólogo, começa por afirmar:(…) Por isso, esta escrita não é a escrita de Camilo, de Queirós, de Tolstoi, de Fédor, que magnetiza a inteligência do que lê, mas é o palpitar da literatura capaz de traduzir ansiedades, inquietude e problemas graves de um povo. Se o fizeram Neto, Troni, Viriato, Jacinto, Andrade, Vieira, porque não eu? Todos eles fizeram da literatura a expressão da sociedade.”

E continua fazendo uma chamada de atenção que acaba por ser a sua declaração de intenções:(…)Todavia desengane-se a artilharia dos académicos, exorcize-se o guardião da Língua, porque aqui, no Rocha Pinto*, não há academias, não existem oficinas das belas-artes. Chamai o que quiserdes a esta escrita: nua de erudição, vaporosa, bagagem de vento e piropo… chamai tudo!, mas crede que este modo de ordenar é sadio e insuflado pela sabedoria oral do povo. Entendestes agora por que ao Camões, o nosso grande Camões, não lhe chego à sombra dos calcanhares? Se sim, então, começa-se.

Como, então, vamos chamar a esta escrita? Deixo-vos um cheirinho para que possam ajuizar:
“(…) Rolava o dia 28 de Agosto de 1980, quando, pela hora nona, ouvi uma gritaria seca, lá no outro lado da rua, no sopé da vivenda, a única que havia no bairro Rocha Pinto. Pertencia ao dito cujo de que te falei atrás. Mas que importa ele ser ricaço, se até a sua roupa interior eu consertava? Vamos ao que interessa.
A meninada toda junta era um enxame de abelhas. Entoavam aos saltos a cantiga costumeira daquele dia:
“Ti Vinti i oito, vinti i oito de Agosto, paga só brinquedos, paga só brinquedos!”
O kamanguista* não punha resistência àquela gritaria e logo começava a atirar brinquedos por cima do muro. Cumpria sempre esse rito sem nunca se mostrar a ninguém; mesmo aos pequenos, aos queridos do Reino, não os deixava passar. Sempre que saía, fazia-o sob escolta. Mas se ele fugia da sua própria sombra, quanto mais da sua gente?!
Os brinquedos eram de formato belicoso. Nem bolas, nem bonecas havia. O insólito estava para acontecer. No final da oferta, ao invés de brinquedos, começou a cair uma centelha de resmas de papel caligrafado. Os kandengues amotinados, numa luta de puxa-puxa, tentavam apanhar o máximo de folhas que podiam e que, por ironia, voavam tão longe quanto mais lhes punham a mão. Rasgavam-nas uma por uma. Uns faziam papagaios, outros pequenos barquinhos e as meninas confeccionavam bonecos com uma perfeição quase divina. Só lhes faltava andar para ensinar aos mais velhos as veredas de paz e falar para rogar por um segundo dilúvio sobre esta terra de fogo e de pão amassado pelo rabo do canhão.”

Felicitações Xakolo Monangumba, irmão malanjino, e que o teu caminho prossiga livre de escolhos agora que se calaram os canhões.

Tomás Lima Coelho

* makas – discussões, problemas
*Rocha Pinto – nome de um dos musseques (bairros-de-lata) de Luanda.
*kamanguista – negociante de diamantes.
*kandengues – miúdos, garotos.

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