XAKOLO MONANGUMBA (Paulo C. J. Faria)
Nasceu na aldeia de
Kahunga, província de Malanje, em 1973. Frequentou o Seminário Médio e Maior na
Arquidiocese de Luanda. Pertenceu à Companhia de Jesus. Cursou Filosofia e
Humanidades na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica
Portuguesa. É Doutor em Ciências Políticas e professor da Universidade
Agostinho Neto em Luanda.
É do seu segundo livro
que vamos falar um pouco. Intitula-se “MAKAS* DA BANDA”,
foi publicado em 2001 pela “Campo das Letras”, e tem como inspiração a tradição
oral angolana ensinada pelos mais-velhos porque, lá diz o ditado kimbundu “mudikanu diá muadikimi mubola mazué, ki
mubole mbimbi”, que é como quem diz, “na boca do ancião apodrecem os dentes, não a
palavra”.
Numa espécie de
prólogo, começa por afirmar: “(…) Por isso, esta
escrita não é a escrita de Camilo, de Queirós, de Tolstoi, de Fédor, que
magnetiza a inteligência do que lê, mas é o palpitar da literatura capaz de
traduzir ansiedades, inquietude e problemas graves de um povo. Se o fizeram
Neto, Troni, Viriato, Jacinto, Andrade, Vieira, porque não eu? Todos eles
fizeram da literatura a expressão da sociedade.”
E continua fazendo uma
chamada de atenção que acaba por ser a sua declaração de intenções: “(…)Todavia
desengane-se a artilharia dos académicos, exorcize-se o guardião da Língua,
porque aqui, no Rocha Pinto*, não há academias, não existem oficinas das
belas-artes. Chamai o que quiserdes a esta escrita: nua de erudição, vaporosa,
bagagem de vento e piropo… chamai tudo!, mas crede que este modo de ordenar é
sadio e insuflado pela sabedoria oral do povo. Entendestes agora por que ao
Camões, o nosso grande Camões, não lhe chego à sombra dos calcanhares? Se sim,
então, começa-se.”
Como, então, vamos
chamar a esta escrita? Deixo-vos um cheirinho para que possam ajuizar:
“(…) Rolava o dia 28 de
Agosto de 1980, quando, pela hora nona, ouvi uma gritaria seca, lá no outro
lado da rua, no sopé da vivenda, a única que havia no bairro Rocha Pinto.
Pertencia ao dito cujo de que te falei atrás. Mas que importa ele ser ricaço,
se até a sua roupa interior eu consertava? Vamos ao que interessa.
A meninada toda junta
era um enxame de abelhas. Entoavam aos saltos a cantiga costumeira daquele dia:
“Ti Vinti i oito, vinti
i oito de Agosto, paga só brinquedos, paga só brinquedos!”
O kamanguista* não
punha resistência àquela gritaria e logo começava a atirar brinquedos por cima
do muro. Cumpria sempre esse rito sem nunca se mostrar a ninguém; mesmo aos
pequenos, aos queridos do Reino, não os deixava passar. Sempre que saía,
fazia-o sob escolta. Mas se ele fugia da sua própria sombra, quanto mais da sua
gente?!
Os brinquedos eram de
formato belicoso. Nem bolas, nem bonecas havia. O insólito estava para
acontecer. No final da oferta, ao invés de brinquedos, começou a cair uma
centelha de resmas de papel caligrafado. Os kandengues amotinados, numa luta de
puxa-puxa, tentavam apanhar o máximo de folhas que podiam e que, por ironia,
voavam tão longe quanto mais lhes punham a mão. Rasgavam-nas uma por uma. Uns
faziam papagaios, outros pequenos barquinhos e as meninas confeccionavam
bonecos com uma perfeição quase divina. Só lhes faltava andar para ensinar aos
mais velhos as veredas de paz e falar para rogar por um segundo dilúvio sobre
esta terra de fogo e de pão amassado pelo rabo do canhão.”
Felicitações Xakolo
Monangumba, irmão malanjino, e que o teu caminho prossiga livre de escolhos
agora que se calaram os canhões.
Tomás Lima Coelho
* makas –
discussões, problemas
*Rocha Pinto – nome de um dos musseques (bairros-de-lata)
de Luanda.
*kamanguista – negociante de diamantes.
*kandengues – miúdos, garotos.
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