MIRADOURO 08 / 2015
Cabeção.
Dois dias de trabalho, com os meus Irmãos, nas velhas vinhas herdadas de avós e
pais. Podar as cepas, limpar as oliveiras e queimar ramas e vides. Soube bem.
Amassou o corpo mas deu para limpar a cabeça, relativizar contradições,
pacificar emoções que de vez em quando descambam em stress. Como prémio
adicional o facto de, apesar de os trazer sempre comigo, me sentir muito
próximo dos meus progenitores. Quase sentia, na entrega àqueles trabalhos, que
os homenageava em cada gota de suor.
Alterou-se
a paisagem rural da minha terra. As tradicionais culturas têm vindo a perder
espaço para outras que exigem menos desvelos e dispensam o acompanhamento
permanente.
Os
frutos secos (pinheiro manso) têm vindo a ocupar terra outrora consignada a
vinhas e olivais. Ainda me lembro quando, aqui há uns anos atrás, os senhores
da CEE atribuíam subsídios para arrancar oliveiras. O meu Pai ficou incrédulo “agora pagam-nos para não trabalhar?” foi
o comentário desconfiado. Não arrancou nenhuma. Para além do mais por uma
questão afectiva. Aquelas árvores tinham sido plantadas pelo seu Pai e meu Avô.
Creio que, como era hábito nele, tomou a decisão mais certa.
Depois
de financiarem o desinvestimento na Agricultura, Pescas e Indústria a troco de
subsídios e empréstimos chorudos os senhores da CEE puseram-nos ondes nos
queriam.
Ou
seja, numa posição de dependência total mesmo em áreas em que tal não era
necessário ou se justificasse. Claro que contaram com a colaboração de
políticos nacionais vendidos a interesses que não os dos povos mas que decerto
acautelaram os seus interesses próprios, incluindo-se aqui os da sua tribo mais
chegada.
Quem
assim nos colocou sabia ao que vinha, jogava um jogo com várias etapas. Quando
nos viram assim vulneráveis e indefesos puseram em prática a usura e agiotagem.
O resto é o que se sabe. Perda de soberania e de direitos sociais. O pacto
social, construído ao longo de décadas ou séculos entre estados e cidadãos, atraiçoado
e destruído em poucos anos. Os donos da Europa instrumentalizaram políticos sem
valores, projectos, ideias ou dignidades em serventuários de projectos que não
nos servem nem permitem crescer. E quando perante tanta subserviência
rastejante alguém se ergue em defesa dos mais desfavorecidos e desprotegidos,
amplificam a voz do dono bradando a plenos pulmões que há que esmagar a
sublevação.
Não
sou grego nem pertenço ao Syriza, não conheço sequer em pormenor qual o seu
programa político, mas congratulo-me com a voz que tem levantado em nome do
respeito pela dignidade humana. O mesmo poderei dizer em relação ao Podemos
aqui na vizinha Espanha.
Os
tempos estão difíceis, a luta é deveras desigual e não sei como tudo acabará
mas há atitudes que nos resgatam a esperança e avivam a chama de um orgulho que
transportamos em nós: Somos humanos. Sentimos, pensamos, podemos escolher.
Podemos dizer sim ou não. E é a consciência disso que nos torna a alma maior.
2 comentários:
Parabéns pelo excelente texto, a luta nunca terminará enquanto houver coragem, por vezes parece que estamos a recuar no tempo mas surge sempre algo novo que nos torna a alma maior.
Obrigado Jorge.
Não se pode esmorecer e convém estar atento aos sinais que nos permitem alargar a alma.
Grande Abraço.
Croca
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