domingo, 22 de fevereiro de 2015

 
 
MIRADOURO 08 / 2015





Cabeção. Dois dias de trabalho, com os meus Irmãos, nas velhas vinhas herdadas de avós e pais. Podar as cepas, limpar as oliveiras e queimar ramas e vides. Soube bem. Amassou o corpo mas deu para limpar a cabeça, relativizar contradições, pacificar emoções que de vez em quando descambam em stress. Como prémio adicional o facto de, apesar de os trazer sempre comigo, me sentir muito próximo dos meus progenitores. Quase sentia, na entrega àqueles trabalhos, que os homenageava em cada gota de suor.
Alterou-se a paisagem rural da minha terra. As tradicionais culturas têm vindo a perder espaço para outras que exigem menos desvelos e dispensam o acompanhamento permanente.
Os frutos secos (pinheiro manso) têm vindo a ocupar terra outrora consignada a vinhas e olivais. Ainda me lembro quando, aqui há uns anos atrás, os senhores da CEE atribuíam subsídios para arrancar oliveiras. O meu Pai ficou incrédulo “agora pagam-nos para não trabalhar?” foi o comentário desconfiado. Não arrancou nenhuma. Para além do mais por uma questão afectiva. Aquelas árvores tinham sido plantadas pelo seu Pai e meu Avô. Creio que, como era hábito nele, tomou a decisão mais certa.

Depois de financiarem o desinvestimento na Agricultura, Pescas e Indústria a troco de subsídios e empréstimos chorudos os senhores da CEE puseram-nos ondes nos queriam.
Ou seja, numa posição de dependência total mesmo em áreas em que tal não era necessário ou se justificasse. Claro que contaram com a colaboração de políticos nacionais vendidos a interesses que não os dos povos mas que decerto acautelaram os seus interesses próprios, incluindo-se aqui os da sua tribo mais chegada.
Quem assim nos colocou sabia ao que vinha, jogava um jogo com várias etapas. Quando nos viram assim vulneráveis e indefesos puseram em prática a usura e agiotagem. O resto é o que se sabe. Perda de soberania e de direitos sociais. O pacto social, construído ao longo de décadas ou séculos entre estados e cidadãos, atraiçoado e destruído em poucos anos. Os donos da Europa instrumentalizaram políticos sem valores, projectos, ideias ou dignidades em serventuários de projectos que não nos servem nem permitem crescer. E quando perante tanta subserviência rastejante alguém se ergue em defesa dos mais desfavorecidos e desprotegidos, amplificam a voz do dono bradando a plenos pulmões que há que esmagar a sublevação.
Não sou grego nem pertenço ao Syriza, não conheço sequer em pormenor qual o seu programa político, mas congratulo-me com a voz que tem levantado em nome do respeito pela dignidade humana. O mesmo poderei dizer em relação ao Podemos aqui na vizinha Espanha.
Os tempos estão difíceis, a luta é deveras desigual e não sei como tudo acabará mas há atitudes que nos resgatam a esperança e avivam a chama de um orgulho que transportamos em nós: Somos humanos. Sentimos, pensamos, podemos escolher. Podemos dizer sim ou não. E é a consciência disso que nos torna a alma maior.
 
Manuel João Croca

2 comentários:

PRA de Jorge Bernardo disse...

Parabéns pelo excelente texto, a luta nunca terminará enquanto houver coragem, por vezes parece que estamos a recuar no tempo mas surge sempre algo novo que nos torna a alma maior.

MJC disse...

Obrigado Jorge.
Não se pode esmorecer e convém estar atento aos sinais que nos permitem alargar a alma.

Grande Abraço.

Croca