quarta-feira, 13 de maio de 2015

Etnografar a Arte de Rua (IX) Graffitar a Literatura




Graffiti fotografado por Luís Souta, 2015.
Travessa dos Navegantes, Cascais.


Se confiamos a educação das nossas crianças a professores, a saúde a médicos, a edificação de pontes a engenheiros civis, por que razão não entregamos a construção das nossas casas a arquitectos? Se assim procedêssemos, teríamos um país mais bonito, com outro nível estético e com menos mamarrachos, fruto de auto-construção ou de patos-bravos que enxameiam a construção civil. E arquitectos de qualidade nunca nos faltaram, reconhecidos e galardoados internacionalmente – Raul Lino, Pardal Monteiro, Cassiano Branco, Nuno Teotónio Pereira, Manuel Graça Dias, Siza Vieira, Souto de Moura,…

A Casa de Santa Maria, também conhecida como Palácio O’Neill, é obra de um deles, Raul Lino (1879-1974). Por esta Casa, situada num local aprazível perto do Farol de Santa Marta e da Marina de Cascais, passaram exilados políticos (Grã-Duquesa Carlota do Luxemburgo, condes de Barcelona, Rei Umberto de Itália,…), monarcas sem trono, aristocratas caídos em desgraça face às convulsões políticas operadas na Europa. Ali encontraram abrigo, em trânsito para outras paragens, onde iniciaram novos ciclos de vida… com menos poder, luxo e mordomias.

A Casa de Santa Maria, projectada em 1902 e, posteriormente, ampliada (quando o irmão, José Lino, se tornou o seu segundo proprietário), é um belo exemplo da arquitectura de veraneio. Raul Lino é autor de edifícios bem conhecidos, entre os quais o Cinema Tivoli, em Lisboa (1925), a Casa dos Patudos, em Alpiarça (1904), o Museu e Jardim-Escola João de Deus, em Coimbra (1911) e em Lisboa (1915), a Casa da Quinta da Comenda (1903), no Outão e os Paços do Concelho (1928), em Setúbal. Recebeu o Prémio Valmor (1930) com uma moradia na Rua Castilho, em Lisboa. Gosto, particularmente, da Casa Branca, nas Azenhas do Mar; é nessa obra que melhor identifico a sua «ruralidade bucólica», o seu traço de «modernista da tradição». Raul Lino pensava, projectava e escrevia sobre a arquitectura – A Nossa Casa (1918), A Casa Portuguesa (1929), Casas Portuguesas (1933); nesses livros encontramos a ideia de conciliar uma certa nostalgia ligada às raízes nacionais com a modernidade, inerente à arte de construir o urbano.

PS: A Câmara de Cascais, presidida então por António Capucho, adquiriu este Palácio em 2004. Em 2012, face à inexistência de uma Faculdade de Arquitectura no concelho, atribuíram o nome de Raul Lino à Escola Básica do 1º ciclo e Jardim de Infância, na Amoreira. Já que o estudo da obra do patrono não consta do currículo daqueles níveis de ensino, esperemos, pelo menos, que se organizem visitas ao Palácio e… a este graffiti.

Luís Souta


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