domingo, 17 de maio de 2015

 
 
MIRADOURO 18 / 2015
(esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico)
 
 
DEPOIS DO MANDAR, PARA QUANDO O GOVERNAR?
“Quem governa e dirige sem justiça,
                                                                          não governa nem dirige, manda apenas”
(de um painel de azulejos algures no Alentejo.)
 
A “pandilha” manda.
Antes destes outros mandaram com propósitos semelhantes.
Talvez que com menor eficácia, a ousadia não chegando a tanto.
Estes, os de agora, revelam maior atrevimento, são mais agressivos.
E mantêm-se na ofensiva.
A conjuntura tal permite, ou eles nisso acreditam no objectivo de manterem o “poder”. O “exercício do poder”.
Se não for esta (“pandilha”), outra virá mas, ainda, emanada do mesmo núcleo difusor de ideologia.
Talvez por tardar uma alternativa em que possamos acreditar, que nos faça acreditar. Decerto porque interesses maiores aos da generalidade dos cidadãos se afirmam de forma mais veemente já que, “a oeste nada de novo” apesar de levarmos já muito tempo a perder.
Sempre a perder e com perdas substanciais.
Regalias e direitos, princípios e valores.
Os critérios subvertidos, alterados a meio do jogo da vida que nos foi dada viver.
Tarda em apresentar-se um projecto de governação que possa ser mobilizador e motivador de uma maioria mais comum e se possa afirmar em alternativa a este exercício de apenas mandar.
Mandar de acordo com interesses que não os nossos.
Os interesses da ganância e do grande capital financeiro disfarçados sob a designação genérica de “economia”.
“Economia”, termo que cai bem e de que ninguém desconfia.
Talvez caiba aqui perguntar : economia de quem e para quem?
Ética, mérito, honestidade, honra, justiça social que significado e valor têm hoje em dia?
As perdas são muito mais do que materiais.
Processos complicados.
O que é que a gente podemos, vamos, fazer?
Manuel João Croca
AV, 17. Maio, domingo "Eu sei, mas não devia" de Marina Colasanti, no programa Provocações.
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável.A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(foto: Edgar Cantante)

2 comentários:

Unknown disse...

Bom dia, Manuel João.

Profunda reflexão esta!
E quantas 'interrogações' ela nos coloca...
Obteremos 'respostas'? Oxalá.
'Alguém' terá capacidade para nos responder?
Propositadamente, não respondo à 'pergunta' por mim mesmo colocada. Não quero ser pessimista!

Aquele abraço amigo.

Francisco

MJC disse...

Amigo Francisco,
às vezes perguntar é o melhor caminho para que a razão não se acabe.
Porque as respostas não são fáceis e perguntar é o primeiro passo para lá chegar.

Abraço.

MJC