MIRADOURO 18 / 2015
(esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico)
DEPOIS
DO MANDAR, PARA QUANDO O GOVERNAR?
“Quem
governa e dirige sem justiça,
não
governa nem dirige, manda apenas”
(de um painel de
azulejos algures no Alentejo.)
A
“pandilha” manda.
Antes
destes outros mandaram com propósitos semelhantes.
Talvez
que com menor eficácia, a ousadia não chegando a tanto.
Estes,
os de agora, revelam maior atrevimento, são mais agressivos.
E
mantêm-se na ofensiva.
A
conjuntura tal permite, ou eles nisso acreditam no objectivo de manterem o “poder”.
O “exercício do poder”.
Se
não for esta (“pandilha”), outra virá mas, ainda, emanada do mesmo núcleo
difusor de ideologia.
Talvez
por tardar uma alternativa em que possamos acreditar, que nos faça acreditar. Decerto
porque interesses maiores aos da generalidade dos cidadãos se afirmam de forma
mais veemente já que, “a oeste nada de novo” apesar de levarmos já muito tempo a
perder.
Sempre
a perder e com perdas substanciais.
Regalias
e direitos, princípios e valores.
Os
critérios subvertidos, alterados a meio do jogo da vida que nos foi dada viver.
Tarda
em apresentar-se um projecto de governação que possa ser mobilizador e
motivador de uma maioria mais comum e se possa afirmar em alternativa a este
exercício de apenas mandar.
Mandar
de acordo com interesses que não os nossos.
Os
interesses da ganância e do grande capital financeiro disfarçados sob a designação
genérica de “economia”.
“Economia”,
termo que cai bem e de que ninguém desconfia.
Talvez
caiba aqui perguntar : economia de quem e para quem?
Ética,
mérito, honestidade, honra, justiça social que significado e valor têm hoje em
dia?
As
perdas são muito mais do que materiais.
Processos
complicados.
O que é que a gente podemos, vamos,
fazer?
Manuel João Croca
AV,
17. Maio, domingo "Eu sei, mas não devia" de Marina Colasanti,
no programa Provocações.
Eu sei que a gente se
acostuma. Mas não devia.A gente se acostuma a morar
em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não
olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não
abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que
se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.A gente se acostuma a
acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo
porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo
da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho
porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e
dormir pesado sem ter vivido o dia.A gente se acostuma a
esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as
pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto
ser visto.A gente se acostuma a pagar
por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro
com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez
pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter
com que pagar nas filas em que se cobra.A gente se acostuma a andar
na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão
e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado,
conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.A gente se acostuma à
poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz
artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às
bactérias da água potável.A gente se acostuma a coisas
demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai
afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia
está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema
está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o
trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim
de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica
satisfeito porque tem sempre sono atrasado.A gente se acostuma para não
se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que
aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(foto: Edgar Cantante)
2 comentários:
Bom dia, Manuel João.
Profunda reflexão esta!
E quantas 'interrogações' ela nos coloca...
Obteremos 'respostas'? Oxalá.
'Alguém' terá capacidade para nos responder?
Propositadamente, não respondo à 'pergunta' por mim mesmo colocada. Não quero ser pessimista!
Aquele abraço amigo.
Francisco
Amigo Francisco,
às vezes perguntar é o melhor caminho para que a razão não se acabe.
Porque as respostas não são fáceis e perguntar é o primeiro passo para lá chegar.
Abraço.
MJC
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