terça-feira, 26 de maio de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UM BELO FERIADO


Foi a enterrar o corpo de Victor Damas que sucumbiu em face de uma doença incurável. 

Dele guardo boas memórias futebolísticas de o ver entre os postes, com o leão ao peito, o melhor de todos os guarda-redes portugueses que até hoje vi jogar nos relvados. 
Vi-o, muitas vezes, quer contra o meu querido Barreirense, quer contra a CUF, de boa memória, ou o Benfica, o grande Benfica de Eusébio, no Estádio da Luz. Ainda me lembro bem da sua elasticidade que lhe permitia os golpes de rins impossíveis e as tiradas ao canto da baliza, ou as defesas por reflexo com que negava o orgasmo às multidões que em pé, tantas e tantas vezes, já ululavam pelo golo. 

Com vários campeonatos nacionais e taças de Portugal no currículo, creio que o pico internacional foi atingido com o Sporting do seu coração, numas meias-finais da Taça das Taças com o Dínamo de Leipzig da então República Democrática Alemã que fez o papel do desmancha prazeres que impediu a presença na final daquele ano de setenta e quatro. 
Posteriormente emigrado em Espanha, onde se distinguiu ao serviço do Santander, acabou um tanto ou quanto esquecido para os nossos estrategas e viu-se preterido por outros na camisola das quinas. 

Mas para mim ele foi, sem dúvida alguma, o melhor de todos os guarda-redes portugueses que eu alguma vez vi jogar. 


Deus o guarde no Colo da Eternidade. 



Relativamente à situação que encontrei quando a Margarida iniciou a sua vida de estudante, a Escola Básica que os meus anjinhos frequentam revela algumas melhorias que são de destacar, tanto no que diz respeito às instalações como na própria oferta do conteúdo do ensino ali ministrado. 
Das janelas que antes deixavam passar água às pinturas exteriores e interiores, bem como dos arranjos no recreio que muito melhoraram, em termos securitários, pavimentos e canteiros, aos acréscimos e renovação de materiais, de que a substituição de todo o parque de mesas e cadeiras é o ponto mais importante, vários são os melhorismos que obviamente contribuem para a qualidade de vida que a garotada ali encontra para aprender. E foi com grande satisfação que eu vi o meu pardalinho sentado em novas cadeiras que parecem confortáveis, tendo à disposição novos e bons tampos de material durável e facilmente manuseável. 
Relativamente ao segundo aspecto enumerado, é de sublinhar que, desde há três anos, os alunos têm, inserida no horário escolar, uma hora semanal de iniciação musical. 


Não há dúvidas que a associação de pais também terá a sua quota-parte nos louros destas reformas simples mas significativas. 
Mas devo dizer que a elas não serão estranhas as pessoas da senhora Presidente da Junta de Freguesia de Alhos Vedros, a Drª. Fernanda Gaspar que muito tem feito para que as propostas da associação sejam bem acolhidas e que teve a abertura de espírito para perceber a pertinência da aprendizagem da música de que tem sido a principal promotora entre os intérpretes do poder político da autarquia; e também o actual Vereador da Cultura, o Sr. António Canudo que para o cargo levou a maior preocupação com os problemas deste nível de ensino de que cabe ao poder local cuidar. 



O certo é que é neste edifício melhorado que a Matilde iniciará o seu caminho de estudante. 

Com horário matinal, entrará todos os dias às oito e sairá às treze horas. 


Melhor seria o turno da irmã. Mas não se pode ter tudo e tanto eu como a Luísa somos da opinião que, apesar disso, é preferível ela ficar com a Professora que vai ser a sua. 


Além de que a família não sofrerá quaisquer transtornos na hora das refeições que continuará a mesma e nos mesmos moldes. 


Sem embargo, é claro que à partida aquilo que à minha filha adorada espera será uma sobrecarga de trabalho. 

Para o saber dosear e minorar estamos nós, os pais, para o que deveremos ser imaginativos. 

Deus nos ilumine com a Sua Graça! 



Kumba Ialá foi apeado do poder na Guiné-Bissau. 
À semelhança daquilo que aconteceu em São Tomé e Príncipe, há uns meses atrás, novamente os militares pegaram nas armas e, tendo como argumento o objectivo de pôr cobro a índices de corrupção insuportáveis, deram voz de prisão ao Presidente, demitiram o Governo, o chefe das tropas rebeldes auto-proclamou-se na presidência e as oposições rejubilaram de imediato, tanto perante a queda do tirano – é assim que o ex-Presidente eleito é visto pelos populares, mesmo os da diáspora, como me disse ontem o senhor Iaia Baldé com quem estive à conversa sobre o golpe e com quem muito tenho conversado sobre a situação daquela ex-colónia portuguesa nestes últimos três anos e meio – como em face da promessa da rápida marcação de novas eleições e a consequente devolução do poder aos civis. 

É a África cansada da guerra e da fome, desesperada de cleptomanias que aceita calmamente estes jogos de soldadinhos. 
Faltam homens capazes de terem coragem para trilharem os caminhos que encham as barriguinhas e as despensas e que depois permitem alimentar os espíritos de coisas úteis e outras apenas etéreas. 
O povo é que continua com o mesmo chinelo e a vigarice, essa, seguirá dentro de momentos. 


Quem dera que eu estivesse redondamente enganado. 



Por cá continuamos na época dos fogos – é assim que a nossa comunicação social de m… (aterial indizível) se refere ao Verão das nossas matas. Só isto seria suficiente para qualquer alienígena compreender o desleixo, a desorganização e a incúria com que as florestas são vistas e tratadas entre nós. Seja como for, este ano, o saldo atinge proporções inimagináveis; já lá vão quatrocentos mil hectares de terra queimada. 

É uma vergonha o que se tem passado. Sem grande exagero, pode escrever-se que o país foi posto a ferro e fogo. Ao longo de uma quinzena de altas temperaturas, em Agosto, assistimos a uma guerra civil que teve de um lado labaredas verdadeiramente inteligentes e do outro as populações indefesas e bombeiros que deram o seu melhor para enfrentarem uma catástrofe que de natural pouco ou nada aparenta ter. 


Curioso é o afã de certo jornalismo em tudo fazer para passar a ideia de que tudo isto se deve a uma complexidade de factores de que o crime está excluído. Pode ser que assim seja, mas eu tenho as mais sérias dúvidas a esse respeito. 

Cá para mim trata-se de crime organizado. 
Há o padrão de todos os incêndios começarem sempre em vários pontos, regra geral, os de mais difícil acesso – para nem falar do caso, em Agosto, dos acessos bloqueados com toros de eucalipto, como se verificou, no início da calamidade, na Serra de Monchique – e de terem saltitado por todas as grandes manchas florestais do país, chegando a atingir uma dimensão e intensidade que forçaram aos pedidos de auxílio estrangeiro que acabou por se verificar. 

É claro que daí à culpabilização do Governo foi o salto de um pardal. 
E depois com as mortes provocadas pelo calor e uma ponte pedestre que caiu no IC19 depois de remodelada, muitas foram as cabeças de ministros que se pediram. 

Alguém quer o fim deste executivo e a instabilidade no país. Porque será? 


Tragicamente, este fenómeno coexiste no tempo com a prisão preventiva de grandes figuras públicas ou de gente como o Sr. Manuel Macedo, ex-operacional da rede bombista de setenta e cinco e posteriormente mentor da associação de amizade com a Indonésia que anexou Timor-Leste. 



Ai que felicidade a minha em ter uma filha assim, criança saudável e robusta, com apetite vulgar e todos os restantes indicadores físicos no domínio da melhor das normalidades. 
À data da última consulta com o Dr. Clington, em cinco de Setembro, registou trinta quilos e oitocentos gramas, para uma altura de cento e dezanove centímetros. 
Dorme entre as nove e as dez horas diárias, cresce regularmente e mostra ter os cinco sentidos bem despertos. 

Bem, todos os que tenham lido estes diários sabem que eu sou um pai que muito se orgulha das suas lindas filhas, não é? 

Mas dá gosto ver uma criança assim, normalmente sorridente e despreocupada, incrível e inesperadamente atenta ao que a rodeia, muito propensa ao humor tão apropriado e, de uma maneira geral, tão inteligente que só pode deixar antever uma argúcia e capacidades de raciocínio que farta alegria me incutem em vê-las em estas idades precoces. 

Ai como é doce o calor que nos afaga o peito quando nos rimos sob o efeito de uma das suas piadas ou dos reparos com que põe a nu a evidência de certas coisas. 
E gosta de brincar com carrinhos e bonecos e bonecas, sendo igualmente dispersável em jogos e, acima de tudo, dos puzzles que adora. 
Mas também se prende de amores pelo ar livre e as correrias e saltos, ou as simples passeatas que por aí se proporcionam e sendo forte de corpo e de ânimo, mesmo com nada ela é capaz de arranjar motes e materiais para brincar. 

“-Vá mãe. Vamos a uma corrida!” –Braçadeiras nos braços, atirando-se de imediato para o espelho que a praia-mar, na calmaria, faz na baía de Sesimbra. 

E já sabe andar de bicicleta com sprints e tudo. 

Pois mais etéreo é o meu rolar quando vou percebendo que ela é uma criança que se empenha em tudo o que faz e, ao longo dos seus espaços de aprendizagem, até ao momento, no jardim infantil, na ginástica ou na natação, revela a responsabilidade de cumprir o melhor possível aquilo que lhe é pedido. 
Ora aqui tenho a quase certeza de não errar se disser que fica orgulhosa com os bons resultados, mesmo apenas guardando a satisfação para si. 
Portadora de um vasto vocabulário que domina bem, constrói as frases na perfeição e explica-se com natural à vontade, ao ponto de com ela podermos estabelecer qualquer tipo de conversa. Tem a ligeireza de saber dizer quando não entende ou não lhe é possível entender um determinado assunto. 
Quando lhe dá para inventar palavras, então o encanto faz-nos os olhos brilharem de quê, digam lá vocês. 


“-Ó pai, vamos fazer telefones com os iogurtes do pequeno-almoço.” –Entrou ela pelo quarto, esta manhã, enquanto eu me vestia. E com aquele sorrisozinho desdentado, lá virou as costas para se ir entregar às suas engenharias. 


São conteúdos do meu Éden. 



Para um feriado bem passado, 
há que ser aproveitado. 


Ternuras de pai e filhas. 
Ao fim da tarde lá fomos para a festa da Moita, como todos os anos acontece. 
Hoje houve carrinhos de choque – infantis, claro está – e póneis. 

E no regresso gaivotas, muitas gaivotas lá no alto, demandando o mar. 



Dezasseis de Setembro, dia mundial para a protecção da camada de ozono que, entre nós, quase passou despercebido. No fórum da TSF desta manhã, discutiu-se a mudança de hora portuguesa para a correspondente aos fusos horários da Europa Central, coisa que já vigora entre nós sem qualquer um dos resultados que os seus defensores apresentam. Fosse assim tão fácil o desenvolvimento… Por sua vez, o jornal “Público”, onde uma pequena cacha dá conta de ozono em excesso na zona de Lisboa, (1) apenas uma palavra sobre um assunto que a todos nós afecta e para o qual todos nós somos obrigados a contribuir através dos comportamentos das nossas vidas ordinárias, justamente uma notícia para nos dizer que não respeitamos as leis internacionais sobre aquele gás atmosférico. (2) 



Em contra partida, naquele mesmo diário, podemos ficar a saber de uma carta pastoral sobre o bem comum, pelos Bispos portugueses, em que se identificam aquilo a que chamam pecados sociais. 

Pelo adiantado destas páginas e o caricato das ideias que mais parecem descrever um país sem rei nem roque, aqui transcreverei sete pecados que muito estiolam, entre nós, o bem comum. 
“-Os egoísmos individualistas, pessoais e grupais, sem perspectiva de bem comum mais, sem perspectivas do bem comum mais global; 
-o consumismo (…) fomentado pelos próprios mecanismos da economia, que gera clivagens entre ricos e pobres e gera insensibilidades a valores espirituais; 
-a corrupção, verdadeira estrutura de pecado social (…); 
-a desarmonia do sistema fiscal, que sobrecarrega um grupo e pode facilitar a irresponsabilidade no cumprimento das justas obrigações; 
-a irresponsabilidade na estrada, com as consequências dramáticas de mortes e feridos, que são atentados ao direito à vida (…); 
-a exagerada comercialização do fenómeno desportivo, que tem conduzido à perda progressiva do sentido do “jogo” como autêntica actividade lúdica e a falta de transparência nos negócios que envolvem muitos sectores e alguns profissionais dalgumas áreas do desporto; 
-a exclusão social gerada pela pobreza, pelo desemprego, pela falta de habitação, pela desigualdade no acesso à saúde e à educação, pelas doenças crónicas (…).” (3) 

Sobre o consumismo algo haveria a dizer e quanto aos eufemismos com que o fenómeno desportivo é tratado, importariam as clarificações que tão bem sabem separar o trigo do joio e isto sem termos que chegar a grandes particularismos. 

Mas é suficiente que nos recordemos, tal como num estado de Vilelas, o nosso grande objectivo é o Euro 2004 e a construção de dez – leram bem, são dez, uma dezena – estádios de futebol cuja maioria se destinará ao predominante uso das moscas. 


É a tragédia de um país que se vê bem representado por um presidente de um clube de futebol. Assim é que é, ele até bate na mulher. 



E agora o remanso da leitura, enquanto a noite se aquieta. 

Alhos Vedros 
  16/09/2003 


NOTAS 

(1) Sob a responsabilidade da redacção, OZONO A MAIS NA GRANDE LISBOA, p.46 
(2) Lusa, PORTUGAL NÃO RESPEITA A LEI DO OZONO, p. 28 
(3) Conferência Episcopal Portuguesa, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO BEM COMUM, p. 26 


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 

Conferência Episcopal Portuguesa, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO BEM COMUM, In “Bispos Enumeram “Pecados Sociais” E Pedem “Paixão Por Portugal Melhor””, António Marujo, In “Público”, nº. 4926, de 16/09/2003 
Lusa, PORTUGAL NÃO RESPEITA A LEI SOBRE O OZONO, In “Público”, nº. 4926, de 03/09/2003 
Sob a responsabilidade da redacção, OZONO A MAIS NA GRANDE LISBOA, In “Público”, nº. 4926, de 16/09/2003

2 comentários:

Unknown disse...


Bom dia, Luís!

Apenas hoje me foi possível deambular pelo Estudo Geral, o que lamento, por falta de tempo.

Aqui nos presenteias com mais este belo 'relato', abrangente porque 'variado nas temáticas' abordadas, um excelente 'documento' de uma 'época'!

Que agradável Crónica aqui publicas. (Mantens, como era expectável, bem 'elevada a fasquia')!

Parabéns e continua.

Grande abraço.

Francisco

Luís F. de A. Gomes disse...

Viva, Francisco

Agradáveis são as tuas palavras que sempre são bonitas de se ler e motivo de alento para mim.

Ainda mais sendo tu perspicaz no que dizes, pois é mesmo um dos propósitos deste(s) diário(s) o conseguir funcionar – salvo seja a expressão – como um documento de época. Com efeito, ao dar atenção ao mundo envolvente, aquilo que se procura é recuperar perante o Leitor como foi viver num dado período histórico; naturalmente, pois estamos no plano de um género específico que por natureza pressupõe um olhar subjectivo, segundo um ponto de vista particular que é o meu e a partir de um determinado ponto de um tecido social específico que é aquele onde vivo.
E vês bem a forma como o discurso é construído, de acordo com o espírito de uma crónica pois, no fundo, quer em relação às minhas filhas adoradas que são afinal o mote e objecto destes documentos, quer em relação às circunstâncias gerais e pessoais em que viveram, é de uma crónica do tempo que se trata, pelo menos, era isso que à partida pretendia fazer.
Infelizmente, quanto a este último aspecto, atravessei no ano seguinte uma série de meses complicados devido a obras que tivemos que fazer na casa que habitamos, o que afectou o ritmo e maior profundidade dos textos que compõem este diário e, com isso, durante toda uma estação, fez com que esse efeito da crónica não tenha sido tão bem conseguido. O que é ainda mais de lamentar sabendo nós que este foi o último desta sequência que constituiu a minha experiência neste género literário tão peculiar.
Quando dei conta do que estava a fazer com o diário relativo ao primeiro ano de vida da minha filha mais velha e percebi que aquilo que tinha vindo a fazer era isso que identificas, logo então decidi manter o tom na medida em que compreendi de imediato que estava a fazer uma experiência que tão bem se enquadra numa velha tradição europeia – são variados estes tipos de documentos nas mais variadas culturas deste cantinho Ocidental da Eurásia – e que Emerson tomou como um dos primeiros objectos daquilo que poderia compor a literatura norte-americana que, segundo o que defendia o Filósofo, ao tempo, urgia começar a compilar, o mesmo seria dizer, a criar.
É pois na tradição desses diários das pessoas comuns que desde a primeira hora coloquei o(s) trabalho(s) que pretendi elaborar com este volumes e é dentro dessa tradição que estes diários, sendo centrados na vida dos filhos – Darwin e a sua mulher, em outros molde e em certa medida, faziam isso a respeito dos seus filhos – ganham uma singularidade que os justifica, isto é, impede que deles se diga serem apenas mais uns entre muitos.
Agradeço então mais uma vez as tuas palavras calorosas e deixo o desejo que os próximos fascículos, ou crónicas, como dizes – eu não quereria chegar tão longe – continuem a proporcionar-te momentos agradáveis de leitura.

Aquele abraço, companheiro
Luís