Graffitar a
Literatura
Graffiti fotografado por Luís Souta, 2015
Rua
Nova da Alfarrobeira, Cascais
«a criança é a nossa eternidade»
(Robert Debré, pediatra fundador da UNICEF»
Junho é,
entre nós, o mês da Criança. Inicia-se com a celebração mundial do seu dia. Ao
contrário dos feriados, o 1 de Junho comemora-se profusamente quer nos espaços
educativos quer nas ruas, parques, jardins… Um pouco por todo o lado, é um dia
repleto de eventos. De risos e alegria a rodos. É também o tempo das primeiras
idas à praia (na Ponte 25 de Abril, cruzo-me com as filas de autocarros que,
nesses dias pela manhã, as levam à Caparica). Em Junho acabam as aulas e
começam as férias (já não tão ‘grandes’ como noutros tempos mas, mesmo assim,
tão ou mais desejadas). Ainda sem exames ou provas de aferição que lhes toldem
o gozo do sol e dos banhos nos primórdios de Verão, as crianças dos
jardins-de-infância são o exemplo da jovialidade despreocupada e contagiante.
Bem visível neste graffiti que o português NoMen pintou no Muraliza 2014
(decorreu entre 4 e 10 de Junho). Esta menina, na frescura do gesto e do olhar,
traz-nos à lembrança a frase lapidar de Fernando Pessoa no poema ‘Liberdade’:
«Mas o melhor do mundo são as crianças». Por isso, nunca perdemos a esperança
no futuro.
São escassos os textos de
escritores portugueses sobre vivências no pré-escolar. Compreende-se: raros o
frequentaram. Só mais recentemente essa rede se alargou para lá do nicho dos estabelecimentos
privados deixando, finalmente, de ser um privilégio de elites. Uma das
excepções é Maria Ondina Braga (1932-2003) que estudou em Paris (Alliance
Française) e em Londres (Royal Asiatic Society of Arts) para depois leccionar
inglês e português no ensino secundário, em Angola, Goa, Macau, Lisboa e
Pequim; o seu espólio encontra-se no Museu Nogueira da Silva, em Braga (cidade
onde nasceu e morreu); à autora de Estátua de Sal parece ajustar-se bem
o pensamento do irlandês George Moore: «O Homem percorre o mundo inteiro em
busca daquilo de que precisa e volta a casa para encontrá-lo.» Ondina Braga, no
seu livro Vidas Vencidas (Caminho, 1998) que obteria o Grande Prémio de
Literatura ITF de 2000, descreve-nos (na crónica Rua de São Vicente) um episódio
ocorrido na infantil de um colégio por ela frequentado:
«Escolas sempre foram para
mim lugares onde nunca me senti muito à vontade. Falo não nos estudos nem na
disciplina. Estudiosa era, e bem-comportada. Ainda hoje. Decerto até de mais.
Falo então de quê, minha mãe? Da incomodidade das escolas. A começar pela
Educação Física: o jogo da bola, corridas, competições. E eu frágil. Eu, o meu
desajeitamento.
Não obstante, com menos de
quatro anos de idade estava num coleginho na Avenida ao pé de casa. Na infantil,
naturalmente. Meninas e meninos de bibe de riscado que uma mocita chamada
Olinda entretinha no quintal com rodas de mãos-dadas, o esconde-esconde, o
dom-barqueiro. E, se chovia, no pátio de pedra a passar o anelzinho ou às cinco
saquinhas cheias de areia, cheias de arroz. (…)
As professoras e as crianças
da infantil, os amores ali das internas. E elas os nossos. No intervalo das
aulas, das leituras, dos lavores, ei-las que desciam para nos visitarem e nos
requestarem com rebuçados. Intervalos que, aliás, nós adivinhávamos, olhos
pregados no patamar de cima, lábios entreabertos.» (pp. 59, 60)
Desde
então, o país mudou (e muito). As crianças mudaram (e de que maneira). E a
escola mudou? Registaram-se mudanças nos edifícios, nos equipamentos, nos
materiais pedagógicos, na formação de educadoras e auxiliares… Mas, no
essencial, ela continua idiossincrática, fiel à sua matriz fundadora, ou seja,
conservadora; em especial, nos processos de ensino.
Luís
Souta
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