sexta-feira, 22 de julho de 2016

ETNOGRAFAR a ARTE de RUA (XXIII)


Graffitar a Literatura





Graffiters fotografados por Luís Souta, 2016
Bairro da Torre, Cascais


«É preciso fazer todo o esforço pela acção artística.»
(Amadeo de Souza-Cardoso)

O Muraliza, na sua 3ª edição - 2016, centrou-se, exclusivamente, no bairro social da Torre (Cascais). Tal como vem sucedendo noutros locais de Portugal e do estrangeiro, as autoridades municipais começam a investir na street art como forma de abertura desses espaços urbanos que o tempo (ou uma génese atamancada) guetizou socialmente. Seis murais de grandes dimensões, nas fachadas laterais dos prédios, foram pintados, entre 27 de Junho e 5 de Julho, por uma espanhola (Paula Bonet), um italiano (Moneyless), e quatro portugueses (Daniel Eme, Kruella D’Enfer, Mar e Add Fuel).

As fotos que encimam este texto foram obtidas numa das minhas visitas ao bairro, em fase ainda inicial dos trabalhos, numa tarde de sol intenso (29/06), com os artistas (alcandorados) em plena actividade criativa.

Mário Cláudio ganhou em 1984 o Grande Prémio do Romance e Novela com Amadeo (viria a bisar o prémio em 2014 com Retrato de Rapaz), uma biografia sobre o pintor minhoto Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Este ano (de 20 de Abril a 18 de Julho) organizou-se uma importante retrospectiva no Grand Palais, em Paris que reuniu mais de 200 obras suas (pintura, desenho, colagem e fotografia).

Helena de Freitas, comissária dessa exposição, afirma sobre o artista de Manhufe: «A diversidade, que chega a ser comovedora, é uma das suas maiores marcas […] artista que sabe estar no centro das rupturas do seu tempo, recusando escolas e etiquetas. […] Cubismo, futurismo, modernismo, expressionismo – nada disto e um pouco de tudo isto» (Ípsilon, 15/04/16, pp. 28-9).
«O obstáculo maior, nessas academias congestionadas de jovens que se buscavam, comprimindo os lábios na determinação do risco mais rigoroso ou distendendo-os na confecção do mais vibrante dos tons, estava em adaptar o próprio rumo aos que já vinham ministrados ou sugeridos. Assim no estúdio da catalão Anglada Camarasa, a que Amadeo vai desaguar, com um corpo discente que se garante um estatuto pelo uso de uma boina quatrocentesca de veludo antracite, tombada sobre a orelha. […] Camarasa vinha passear de cavalete em cavalete, aqui apontando um empaste abusado, sinalizando além uma torpeza de desenho. E a tarde de Montparnasse ingressava pelos grandes vidros quadrangulares, asfixiando as telas numa cinza dispersa e fininha, como se a pintura equivalesse ao absoluto da impossibilidade.» (p. 46-7)

Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido no Porto, em 1941, é um romancista-biógrafo – Amadeo (1984), Guilhermina (1986), Rosa (1988), O Fotógrafo e a Rapariga (2015),… – e, numa entrevista ao Ípsilon (16/10/15, pp. 4-8), justifica essa simbiose: «Alguém disse que um ficcionista a partir de dado momento só devia ler biografias, e eu concordo. As histórias estão todas inventadas, e uma biografia é tão inventada como um livro de memórias ou uma autobiografia.»
A 3ª edição de Amadeo (a que possuo, da IN-CM, 1986) inclui documentos vários (fotos, reproduções de pinturas e desenhos, cartas); numa dessas missivas, datada de 1908, escreve a sua mãe:
«Hoje também recebi uma carta do tio Chico; espero-o ansiosamente, como se espera um companheiro raro com quem se reparte a nossa vida d’arte. Sim, porque a arte é a única forma de vida superior, só para certos espíritos, inacessível à burguesia.» e esclarece sobre essa burguesia «É a geral sociedade, essa que vive animalmente, isto é, aquela em que os sentimentos animais é tudo e os espirituais nada. É uma sociedade de alma animal.» (p. 58)

A exposição de 2016, no Grand Palais, foi um acontecimento muito in com a elite política nacional [leia-se a tal burguesia] a ‘colar-se’ ao evento (o 10 de Junho, desta vez, também ‘emigrara’, pleno de afectos, para França, prolongando-se na festa do nosso contentamento – o Campeonato Europeu da ‘arte’ do chuto na bola); por lá passaram o Primeiro Ministro e o Presidente da República com as suas respectivas ‘cortes’, e até o ex-Presidente, avesso à cultura. A imprensa não nos informou se o ultra premiado Mário Cláudio, actual presidente da Mesa da Assembleia Geral da APE, esteve entre os muitos convivas oficiais…


Luís Souta

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